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domingo, 20 de setembro de 2020

A Humilhação do Pontífice

Ardendo de raiva, Bonifácio repetiu e redobrou suas ameaças. Mas Filipe decide então seguir um caminho mais curto para encerrar a disputa. Ele despachou um oficial de confiança, Nogaret, com Sciarra Colonna, um membro de uma nobre casa italiana que Bonifácio havia arruinado e desolado, e que era, é claro, inimigo jurado do papa. Estes, juntamente com outros aventureiros e trezentos cavaleiros armados, tinham ordens estritas para prender o papa onde quer que fosse encontrado e trazê-lo como prisioneiro para Paris. O perplexo velho, então com 86 anos de idade, retirou-se para seu palácio em Anagni, sua terra natal, para compor outro touro, no qual ele afirmava, "que como vigário de Cristo, ele tinha o poder de governar reis com um cetro de ferro, e para despedaçá-los como um vaso de oleiro." Mas sua suposição blasfema de onipotência logo se transformou em um espetáculo de fraqueza humana e morte.

Um grito foi ouvido; o papa e os cardeais, que estavam todos reunidos ao seu redor, ficaram assustados com a declaração de guerra e o terrível grito: "Morte ao papa Bonifácio! Viva o rei da França!" Os soldados imediatamente dominaram palácio pontifício. Quase todos os cardeais, e até mesmo os assistentes pessoais do papa, fugiram. Ele foi deixado sozinho, mas não perdeu o domínio próprio. Assim como o inglês Thomas Becket, ele esperou o golpe final com coragem e resolução. Ele apressadamente jogou o manto de São Pedro sobre os ombros, colocou a coroa de Constantino na cabeça, agarrou as chaves com uma das mãos e a cruz com a outra, e sentou-se no trono papal. Sua idade, intrepidez e majestade religiosa espantaram os conspiradores. Quando Nogaret e Colonna viram a forma venerável e a compostura digna de seu inimigo, eles se abstiveram de seu propósito sanguinário e se satisfizeram com insultos vulgares contra o desgraçado velho pontífice. As injustiças infligidas às famílias e amigos desses oficiais pelo cruel papa extinguiram todo sentimento em relação a ele, exceto vingança. Mas, pela providência de Deus, foram impedidos de derramar o sangue de um velho indefeso aos oitenta e seis anos.

Enquanto os líderes estavam com isso ocupados, o corpo dos conspiradores se dispersou pelos recintos esplêndidos do palácio em busca de saque. "Os palácios do papa", diz Milman, "e de seu sobrinho foram saqueados, e tão vasta era a riqueza que as receitas anuais de todos os reis do mundo não teriam sido iguais aos tesouros encontrados e levados pelos soldados mercenários de Sciarra. Sua câmara particular foi saqueada; nada foi deixado, exceto paredes nuas. "

Por fim, o povo de Anagni foi levado à rebeldia. Eles agrediram os soldados por quem foram intimidados. Mas, como agora estavam de posse dos despojos do palácio e o papa estava preso, eles não estavam dispostos a se retirar. O papa foi posto novamente em liberdade; enfurecido pela desgraça de seu cativeiro, ele correu para Roma ardendo de vingança. Mas a violência de sua paixão subjugou sua razão; ele recusou ajuda; ele chorou por vingança; mas ele agora estava impotente como os demais homens. Ele removeu todos os seus assistentes, trancou-se em uma sala para que ninguém pudesse vê-lo morrer -- mas morreu; e morreu sozinho; e estará diante do tribunal de Deus sozinho; e tem que responder sozinho pelas ações feitas no corpo, e sob uma responsabilidade inteiramente sua. Não podemos cruzar essa linha, mas qual será a porção eterna daquele de quem a história imparcial diz: "De todos os pontífices romanos, Bonifácio deixou o nome mais sombrio por sua astúcia, arrogância, ambição, e até mesmo pela avareza e crueldade."*

 {* Ver Dean Milman, vol. 5, pág. 143; Dean Waddington, vol. 2, pág. 319; Greenwood, vol. 6, pág. 277.}

domingo, 29 de julho de 2018

O Culto aos Santos

A origem da adoração aos santos pode ser considerada como coincidente com a adoração a Maria, e como o fruto do mesmo solo. De fato, é a mesma coisa; o que difere é que Maria é elevada acima de toda a hoste de santos e mártires por causa de sua santidade peculiar e sua grande influência no céu.

A veneração que era dada nos primeiros séculos do cristianismo àqueles que tinham fielmente testemunhado e sofrido por Cristo sem dúvida levou à prática da invocação aos santos, e de implorar os benefícios da intercessão deles. Um afeto perdoável tornou-se uma veneração supersticiosa, e acabou como uma completa adoração. O passo tomado entre a veneração e a adoração é fácil e natural, embora nem sempre fácil de detectar. Daí a importância do aviso do apóstolo: "Filhinhos, guardai-vos dos ídolos". De acordo com essa palavra, se não temos diante de nós a Pessoa de Cristo como o único objeto dominante de nossos corações, teremos um ídolo. No mesmo contexto, o apóstolo fala de nosso maravilhoso lugar e bênção nEle: "E no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna" (1 João 5:20,21). Tendo a vida eterna nEle, e estando identificados com Ele quanto a nossa posição perante Deus, certamente Ele deve ser nosso único objeto de adoração. Qualquer outro é um ídolo. E até mesmo o melhor cristão corre o risco de pagar homenagem em exagero a algum mestre ou líder favorito. Como tudo isso se comparará com a epístola de João naquele último grande dia? O Senhor nos guarde da veneração pela criatura, seja viva ou morta!

Um grande e influente sistema surgiu desses pequenos inícios, através da sutileza do sacerdócio, o que acabou por trazer enormes riquezas para a igreja. Peregrinações com suas ofertas de expiação e de vontade própria fazem parte do sistema. Em um período inicial, era costume realizar serviços religiosos com peculiar santidade no túmulo dos santos e mártires. Mas, à medida que as trevas aumentavam, assim como o espírito de superstição, isto não era o suficiente. No século IV, esplêndidas igrejas foram construídas sobre seus anteriormente humildes túmulos; e até mesmo supostas relíquias do santo eram consagradas no edifício erguido em sua honra. Costumava-se afirmar que o corpo do santo miraculoso estava enterrado sob o altar-mor, e de que havia uma eficácia especial na intercessão de tais santos. Isso levou miríades a esses santuários; alguns para ver milagres acontecerem, outros para terem milagres realizados em seu favor, ou para receberem bem em suas almas. Peregrinações logo se tornaram o tipo mais popular de adoração, e à medida que os adoradores abundavam em suas oblações -- com seus corações quentes e ternos -- eram grandemente encorajados por um sórdido sacerdócio. Durante o século VI, um incrível número de templos foram erguidos em honra aos santos, e numerosos festivais foram instituídos para guardar a lembrança desses homens santos.

De acordo com Milman e outros, o culto aos santos tornou-se tão popular que corriam o risco de serem negligenciados por causa da grande quantidade deles. "O calendário lotado não tinha mais mais dias para serem atribuídos a um novo santo sem colidir, ou desapropriar, um antigo. O Oriente e o Ocidente competiam entre si em sua fertilidade. Mas dos incontáveis santos do Oriente, poucos comparativamente foram recebidos no Ocidente, e o Oriente também desdenhosamente rejeitou muitos dos mais famosos a quem o Ocidente adorava com a mais sincera devoção. De qualquer modo, a multiplicidade dos santos testemunha a universalidade da idolatria". A rivalidade de igreja conta igreja, de cidade contra cidade, de reino contra reino, de ordem contra ordem, manteve um estado de competição por séculos, de modo que cada um buscava atrair adoradores ao santuário de seu santo padroeiro. A fama de alguns novos santos celebrados, tal como São Tomás da Cantuária, diminuía, por algum tempo, o tráfego e lucro de outros lugares. Daí a necessidade de criar novidades frescas e excitantes por meio de novas descobertas de algo que viraria a maré em favor do novo santuário. Mesmo enquanto escrevo -- setembro de 1873 -- é triste dizer, mas quase mil peregrinos da Inglaterra estão a caminho, não com os pés descalços como antigamente, para Paray-le-monial, na França, a fim de se curvarem diante do santuário do "Sagrado Coração", em honra da freira e santa Margarida Maria de Alacoque. Isto é muito surpreendente, e desperta profundos pensamentos em muitas mentes quanto ao verdadeiro objetivo na mente do papado. Professadamente, é claro, é para o bem das almas dos peregrinos, para a honra da santa, e para o triunfo da igreja. Se voltarmos até os dias de Orígenes, que foi o primeiro a inculcar a adoração aos santos ou ao santuário de Martinho de Tours, que foi o mais popular nos séculos IV e V, até os dias de hoje, temos cerca de 1400 anos de adoração aos santos e peregrinações, tanto na igreja grega (Ortodoxa) quanto na latina (Católica). Não é de admirar que os muçulmanos concluíram que todos os cristãos eram idólatras.

A maioria de nós conhece bem os nomes dos que podem ser chamados de santos universais, tais como os primeiros pais e os santos padroeiros dos reinos; mas descobrir, por meio de uma busca mais profunda sobre essa idolatria, é algo verdadeiramente aterrador. Através de toda a extensão da Cristandade romana existe, para cada comunidade em cada país e para cada indivíduo, um intercessor com Cristo, que é o Único Grande Intercessor entre Deus e o homem. Muitos católicos escolhem seus santos padroeiros com base em seus aniversários -- o dia do santo e em que nasceram. O santo é considerado o protetor peculiar do indivíduo, da comunidade ou do país, de modo que pouco menos do que o poder e a vontade divina são atribuídos aos santos padroeiros. O argumento é que, tendo sido humanos, e ainda possuindo simpatias humanas, eles são menos terríveis e mais acessíveis do que Cristo, e podem exercer sua influência com Ele para o benefício dos lugares  e companheiros de sua jornada terrena. Eles são representados, no entanto, como sendo mutáveis e facilmente ofendidos. Colheitas frutíferas, vitória na guerra, libertação das aflições, segurança na viagem, e misericórdias parecidas, são atribuídas as suas orações; mas, quando ocorrem calamidades, a explicação é de que o santo foi ofendido e deve ser apaziguado. Maior honra deveria, então, ser paga ao seu santuário, e ofertas mais caras deveriam ser colocadas sobre seu altar.

domingo, 8 de julho de 2018

Reflexões Sobre o Fim da Grande Luta

Para ajudar o leitor a formar um julgamento justo sobre essa longa e amarga disputa, oferecemos algumas reflexões. Nada, cremos, pode dar ao leitor uma estimativa tão justa do verdadeiro espírito do papado quanto uma história de seus ambiciosos desígnios e de seus meios inescrupulosos de alcançá-los.

Se inquirirmos "Qual foi o verdadeiro objetivo dessa grande e trágica disputa? Que resposta pode ser dada? Foi pelas liberdades espirituais da igreja de Deus, para que ela pudesse ter o privilégio de adorá-Lo e servi-Lo de acordo com o ensino de Sua santa Palavra? Será que o primaz do papa tinha em vista as liberdades civis e religiosas de indivíduos cristãos, ou o bem-estar da humanidade em geral? Ou será que eles ergueram a voz de protesto contra o rei ou sua corte por sua aberta e flagrante violação das leis de Deus, para avisá-los dos juízos vindouros?" Todos os que se esforçaram em examinar os detalhes da controvérsia devem admitir, por mais triste que seja, que nenhum desses dignos objetivos tinha lugar nos pensamentos deles. O objetivo deles era um só, e um só poder sacerdotal! Todas as coisas dignas -- a verdade, o cristianismo, a paz da igreja, a paz da nação, para não falar da glória de Cristo ou das realidades da eternidade -- foram todas sacrificadas sobre o altar das reivindicações idólatras do clero. Becket foi o representante dessas reivindicações. Ele exigiu, para as pessoas e propriedades do clero, que fossem todos considerados de uma santidade absoluta e inviolável. "Do início ao fim", diz Milman, "foi uma luta pela autoridade, pelas imunidades e pelas posses do clero. A liberdade da igreja era a isenção do clero perante a lei, e a reivindicação de sua existência separada, exclusiva e distintiva do resto da humanidade. Deve ser reconhecido por todos que, se o rei tivesse consentido em permitir que os eclesiásticos desprezassem toda a lei -- se ele não tivesse insistido em tomar padres como culpados de homicídios da mesma forma como fazia para com leigos -- ele poderia ter continuado sem reprovação sua carreira de ambição; ele poderia, sem repreensão, ter vivido em direta violação contra cada preceito cristão de justiça, humanidade, fidelidade conjugal, e cometido extorsões sem qualquer contestação do clero, se ele apenas tivesse mantido suas mãos longe dos tesouros da igreja."

Tal é o solene e pesado julgamento de um dignatário da igreja (o historiador e decano Milman), que não pode ser acusado de preconceito contra sua própria classe, mas cujas críticas são consideradas muito valiosas e justas, assim como sua história é, em outros aspectos, muito confiável.

Nós não apenas concordamos com tudo o que o decano diz, mas acrescentaríamos que nenhuma linguagem, por mais pesada e solene que seja, poderia expressar adequadamente as profundezas do mal que foram abrigadas e propagadas pelo sistema papal. Não falamos assim, que seja observado, da igreja católica, ou da igreja eclesiasticamente considerada como algo distinto do papado, mas da ambição secular e das políticas inescrupulosas dos papas, especialmente daqueles desde o tempo de Hildebrando (Gregório VII). Mas houve, não obstante, durante o período mais tenebroso de sua história, muitos queridos santos de Deus em sua comunhão, e que não sabiam nada sobre os caminhos malignos do bispo de Roma e de seu conselho. Isso o próprio Senhor sugere em Sua carta a Tiatira: "Mas eu vos digo a vós, e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás" (Apocalipse 2:24). Aqui encontramos um remanescente crente conectado a um sistema que é caracterizado pelas "profundezas de Satanás".

Antes de deixarmos essa já longa história, acrescentamos que a trágica morte de Becket foi imediata e diligentemente embelezada pelos discípulos de sua escola. Biografias e memórias do mártir, como sabemos, foram multiplicadas e espalhadas por todos os cantos com surpreendente esforço. O forte elemento de idolatria, que sempre esteve presente na igreja de Roma, tornou-se então manifesto na Inglaterra. Peregrinações à tumba do mártir para a remissão de pecados viraram moda, e o próprio santo tornou-se um objeto de devoção popular. Peregrinos de todas as partes se reuniram em seu santuário e o enriqueceram com os mais caros presentes e ofertas. Um grande comércio foi feito com artigos que diziam terem sido usados por sua pessoa, e que agora seriam investidos de poderes miraculosos. Tem-se registros de que cerca de cem mil peregrinos de uma vez estiveram em um mesmo dia em Cantuária. Até mesmo Luís VII da França fez uma peregrinação à tumba miraculosa, e doou ao santuário uma joia que foi considerada a mais rica na Cristandade. Mas Henrique VIII ousou saquear o rico santuário, ordenou que o santo fosse desenterrado, que seus ossos fossem queimados, e que suas cinzas fossem lançadas aos ventos.

(Fim do Capítulo 22)

A Penitência de Henrique na Tumba de Becket (1174 d.C.)

Por volta de três anos após a morte de Becket, o rei visitou sua tumba em Cantuária. Quando avistou a igreja onde o arcebispo foi enterrado, ele desceu de seu cavalo e andou por três milhas no hábito de um peregrino de pés descalços e ensanguentados ao longo da estrada áspera. Ele se lançou prostrado perante a tumba do então canonizado santo. Após permanecer naquela posição por um tempo considerável, ele orou para que fosse açoitado pelos monges: uma operação que eles estavam bem dispostos a realizar. Então, de um lado a outro da igreja, o orgulho dos monges foi gratificado por cada um infligindo algumas chicotadas nas costas do altivo normando. Ele passou, então, todo aquele dia e noite sem qualquer descanso, ajoelhado sobre as pedras nuas.

O triunfo do poder espiritual sobre o secular, na pessoa do rei e por extensão sobre a lei do país, estava completo. E assim, os ambiciosos propósitos do papado foram melhor servidos pela morte de seu campeão (Becket) do que poderiam ser por um prolongamento de sua vida.

A Humilhação de Henrique II

O rei ficou muito perturbado ao ouvir as terríveis notícias sobre o assassinato sacrílego. Um sentimento de horror correu pela Cristandade, e o rei foi marcado como um tirano irreligioso, e Becket foi adorado como um santo martirizado. Sua morte foi atribuída às ordens diretas do rei. Por três dias e noites, o infeliz monarca trancou-se em solidão, e recusou qualquer comida e conforto, até que seus criados começaram a temer por sua vida. Ao final de sua penitência, ele enviou homens ao papa para limpar-se de qualquer participação no crime. O papa Alexandre estivera tão indignado no início que não ouviria a nada, ou sequer permitiria que o nome execrável do rei da Inglaterra fosse proferido em sua presença. Ele ameaçou excomungar o rei pelo nome e pronunciar com a máxima solenidade um interdito em todos os seus domínios. "Mediadores, no entanto, sempre podiam ser encontrados", diz Greenwood, "para uma consideração adequada na corte papal. Certos cardeais foram cautelosamente contactados, e não se mostraram inacessíveis aos argumentos com os quais os enviados foram, como sempre, abundantemente supridos. Assim introduzidos, o papa permitiu-se ser propiciado." Termos de reconciliação foram discutidos, mas o papa tinha, então, seu pé sobre o pescoço do rei, e estava determinado a impôr seus próprios termos papais antes que o aliviasse. Seu triunfo pessoal sobre o teimoso rei foi tão completo quanto ele podia desejar. 

Dois cardeais foram enviados por Alexandre com poder legatino para se encontrarem com Henrique na Normandia, para inquirirem mais plenamente sobre todo o caso, e para substanciar a penitência do rei. Henrique jurou sobre os Evangelhos que ele não tinha ordenado nem desejado a morte de Becket, e que ele não havia sofrido tanto pela morte de seu pai ou de sua mãe quanto pela morte do arcebispo; ele confessou também que palavras proferidas em sua raiva contra aquele homem santo podiam possivelmente ter levado a sua morte, por cuja causa ele estaria preparado a prestar penitência de acordo com o que o pontífice achasse adequado. A Santa Sé então exigiu a Henrique: "1. Que mantivesse duzentos cavaleiros as suas próprias custas na Terra Santa. 2. Que dentro de três anos ele tomasse a cruz* em pessoa, a menos que fosse libertado dessa obrigação pela Santa Sé. 3. Que revogasse a Constituição de Clarendon e todos os maus costumes introduzidos durante seu reinado. 4. Que reinvestisse à igreja de Cantuária todos os seus direitos e posses, e que perdoasse e restaurasse às suas propriedades todos os que incorreram em sua ira na causa do primaz. 5. Que ele e seu filho Henrique, o mais novo, mantivessem e preservassem a coroa da Inglaterra fiel ao papa Alexandre e a seus sucessores, e que eles e seus sucessores não se considerassem verdadeiros reis até que eles -- o papa e seus sucessores -- os reconhecessem como tais." Tendo devidamente selado e atestado o ato formal, o rei foi reconciliado com o papa no pórtico da igreja em 22 de maio de 1172, mas não estava ainda livre das mãos dos inexoráveis padres: sua degradação não estava ainda completa.

{*N. do T.: "Tomar a cruz", na época, indicava a decisão de ir defender a Terra Santa.}

O clero pregava de seus púlpitos, e o povo era pronto o suficiente para crer, que certas provações familiares que caíram sobre o rei por volta dessa época eram os juízos de Deus pela perseguição de Seu santo. O povo foi também levado a acreditar que o santo estivera lutando as batalhas do pobre contra o rico -- especialmente dos pobres e oprimidos saxões contra os cruéis e avarentos normandos. Deprimido pelos infortúnios, acusado de cumplicidade com os assassinos, e assombrado pelos temores supersticiosos, o príncipe infeliz estava preparado para fazer uma expiação completa por seus pecados. Ele estava certo que nada menos que uma humilhação pública poderia apaziguar o céu ofendido e o santo martirizado. As cenas de Canossa deveriam ser encenadas novamente. Tal é o verdadeiro espírito do sacerdócio implacável de Roma. Se eles não podem derramar o sangue de suas vítimas, eles as forçarão a beber as mais amargas escórias da humilhação.

Tomás A. Becket é Assassinado (1171 d.C.)

Não é de modo algum certo que houvesse qualquer propósito assassino na mente do rei quando ele proferiu essas palavras precipitadas, mas aqueles ao seu redor colocaram nelas sua própria interpretação. Quatro cavaleiros, camareiros do rei, homens ferozes e belicosos, resolveram prestar o desesperado serviço. Reginaldo Fitz-Urse, Guilherme de Tracy, Hugo de Morville e Ricardo de Brito desapareceram da corte, então em Bayeux, na França. Temendo a intenção dos cavaleiros ausentes, o rei despachou, com toda a velocidade, ao conde de Mandeville ordens para prender o primaz, e de chamar de volta os quatro cavaleiros. Mas os assassinos se apressaram pelo Canal da Mancha, e antes que os mensageiros do rei pudessem alcançá-los, o arcebispo foi assassinado.

Os detalhes desse ato sombrio de derramamento de sangue são bem conhecidos e não precisam ser mencionados aqui. Mas podemos acrescentar, como bem autenticada história, que não parece que os quatro cavaleiros determinaram-se deliberadamente a assassinar o primaz sem antes se esforçarem para obter dele uma promessa de obediência ao rei e de absolvição para os bispos. Assim, eles entraram em seu quarto desarmados. Mas suas imperiosas exigências, e suas arrogantes respostas desafiadoras, despertaram as piores paixões naqueles senhores feudais, que tinham um forte senso de lealdade do súdito ao soberano. Eles ficaram furiosos, correram para fora e pediram suas armas. Os portões então se fecharam atrás deles. Demorou algum tempo antes de conseguirem entrar. Todos sabiam o que se seguiria. O arcebispo podia ter escapado mas não o faria; a vitória já era dele, e seria maior ainda se ele fosse martirizado. O sino batia para as orações de Vésperas. Ele entrou na igreja solenemente com seu báculo diante de si. O barulho de homens armados foi ouvido no claustro; os monges assustados fugiram. "Onde está o traidor?", gritou um deles, sem respostas. "Onde está o arcebispo?" "Aqui estou", ele respondeu. Novamente os cavaleiros exigiram a absolvição dos bispos e um voto de lealdade ao rei. Ele recusou. Uma briga violenta se seguiu, o que terminou em golpes, e o arcebispo foi morto no altar. Os assassinos fugiram, primeiro para Roma, para fazer penitência, e então para Jerusalém, onde, de acordo com as ordens do papa, passariam o resto de seus dias em austeridades penitenciais.

A Perplexidade do Rei

Não é difícil imaginar com que sentimentos o orgulhoso e ferido Plantageneta* recebeu as novidades sobre o comportamento de seu primaz. Além de possuir riqueza e poder acima de qualquer monarca de sua época, ele foi um homem de grandes habilidades, decisão e atividade. Após várias porém infrutíferas tentativas de trazer o obstinado padre ao arrependimento, foram dadas ordens para que fosse julgado como traidor. Becket, conhecendo o temperamento e poder de Henrique, razoavelmente concluiu que sua melhor chance de manter sua segurança pessoal consistia na fuga. Ele foi recebido pelo rei da França, não como fugitivo, mas como um distinto convidado digno de toda honra. O arcebispo foi então proclamado um traidor; seus amigos pessoais e relações com eles foram banidas; e severas medidas foram adotadas para prevenir comunicações com seus partidários na Inglaterra. Becket, em retaliação, excomungou todos os seus oponentes. E assim, a tempestade e as lutas se enfureceram por sete longos anos. Durante esse tempo, muitos soberanos, papas e antipapas, prelados e dignatários de todos os tipos, se misturaram à tormenta. Mas nesse labirinto de falsidade, traição e injustiça, não nos atreveremos adentrar.

{*N. do T.: Henrique II foi um rei da dinastia Plantageneta da Inglaterra.}

Tendo examinado com algum cuidado as grandes questões da Igreja e do Estado -- e não sem uma medida de interesse nacional* -- que levaram a essa imprópria disputa, sentimos que já vimos o suficiente. Os detalhes desses sete anos seriam tediosos e de pouco proveito para o escopo e objetivos deste livro. As piores paixões de nossa natureza humana caída já foram abundantemente exibidas. Além disso, tais disputas não poderiam ter fim a menos que ocorra a morte do padre ou a submissão do rei. De acordo com os princípios papais, o padre nunca pode estar errado e nunca pode ceder.

{*N. do T.: O autor vivia na Inglaterra}

Esse era o terreno de Becket, o qual ele inflexivelmente mantinha. Mas enfim, através da intercessão do rei da França e do papa, foi-lhe permitido retornar do exílio. Ele muito duvidou da sinceridade de Henrique, mas considerou seu próprio retorno um glorioso triunfo sobre o rei. Ele era tão arrogante e inflexível como sempre, e exigiu a imediata restituição das propriedades de sua Sé, e imperativamente se recusou a absolver os bispos e os demais que ele tinha excomungado.

Desde o início do conflito, seu porte sempre foi insultante e desafiante. A conduta de Becket desde seu retorno foi detalhada a Henrique pelos bispos que imploravam sua proteção por eles mesmos e pelo clero do reino. Um deles incautamente disse: "Enquanto Tomás viver, você nunca terá paz". A mente do rei estava muito perturbada e procurava alívio. Enlouquecido pela inconquistável firmeza e arrogância de Becket, o desejo secreto de seu coração explodiu de seus lábios -- "Sou um príncipe infeliz: será que ninguém me vingará por um único padre insolente, que me dá tantos problemas, e que procura por todos os meios anular minha autoridade real?".

Tomás A. Becket se Opõe ao Rei

A guerra estava então publicamente declarada entre a prerrogativa da coroa e as pretensões da Igreja. A mesma batalha que foi lutada entre Henrique IV da Alemanha e Gregório VII seria agora lutada novamente em terreno inglês pelo rei e o arcebispo. Becket renunciou à chancelaria e devolveu os selos de seu ofício. Ele se retirou dos prazeres da corte, das caças, dos banquetes, dos torneios, da guerra e do conselho, e tornou-se de repente um austero e mortificado monge. Ele vestiu as vestes do monge, uma camisa de pano, e açoitava-se com um flagelo de ferro. Todos os seus bons privilégios foram deixados; ele jejuava no pão e na água, deitava-se no chão duro, e toda noite com suas próprias mãos lavava os pés de treze mendigos. Essa suposta santidade inacessível era sua força para a batalha. As mãos seculares não podiam tocar no santo homem de Deus -- o sumo sacerdote ungido do Senhor. Becket conhecia o personagem: estudou cada dobra de seu caráter.

Henrique ficou espantado, desconfortável e desapontado. Ele tinha promovido seu ministro favorito para a posição ainda mais alta de Arcebispo da Cantuária, para que seus serviços pudessem ser mais eficazes contra o partido romanizante na Inglaterra. Não era uma questão, que fique observado, relativa aos privilégios legais apropriados da igreja da Inglaterra; Henrique não tinha mostrado qualquer disposição de interferir neles. Mas a Igreja tinha mostrado, através das instruções do papa, o mais resoluto propósito de interferir nas liberdades da coroa e de todo o povo da Inglaterra. E o rei não conhecia homem algum em todos os seus domínios capaz de competir em talento e agilidade com os emissários de Roma como seu chanceler e companheiro.

Agora, pensava ele, temos um à frente da igreja, assim como do Estado, que fará boa batalha pelas liberdades da coroa e do povo de sua terra nativa. Mas não foi por esses dignos objetivos que Becket tinha aceitado o anel e o báculo. Desde o momento em que tocou em seu crucifixo episcopal, ele tornou-se o vassalo jurado até a morte da Sé Romana, e o inimigo declarado de cada homem e princípio que se opusesse aos interesses da cátedra (cadeira) de São Pedro. E Henrique logo descobriu que seu competente e flexível chanceler, "de quem esperava apoio e vitória, virou-se contra ele com a mais implacável animosidade, e forçou as pretensões de Roma até um ponto que nunca tinham alcançado antes"*.

{*Eighteen Christian Centuries, de White, p. 275.}

A Constituição de Clarendon

Tendo recebido uma resposta afirmativa da hierarquia papal, o rei convocou um grande concílio do reino em Clarendon, um palácio real perto de Salisbúria, para ratificar a concessão. O objetivo do rei era paz. A lei do país tinha sido em todo lugar desafiada pela Igreja, o exercício da justiça foi interrompido, e o país ameaçou entrar em uma guerra civil. O rei tinha as leis e os costumes elaborados na devida forma legal para serem assinados pelos barões leigos e pelos bispos, na esperança de resolver a disputa entre a coroa e a Igreja. Se foi por medo da ira do rei, ou por política, ou por traição, é difícil dizer; mas o arcebispo fez o juramento e assinou as celebrada "Constituição de Clarendon", sendo seguido pelos demais bispos. Assim eles escaparam das mãos do rei e dos barões. Mas está perfeitamente claro que Becket nunca, por nenhum momento, pretendia obedecer às leis que ele tão solenemente selou e jurou manter para a honra do rei. Ele conhecia o remédio para o pior perjúrio. Nenhum momento podia ser perdido: ele fez saber ao papa o que ele tinha relutantemente feito, e dentro de um mês recebeu uma condenação formal das "Constituições", com letras que diziam: "absolvendo-o de todos os compromissos contrários aos cânones, e um mandato a todos os bispos e prelados do reino para que rompam sem escrúpulos quaisquer promessas de natureza semelhante que possam ter assinado."

Poderia haver um perjúrio mais deliberado, ou uma dissimulação mais friamente perpetrada? E isso por alguém que tinha a posição mais alta na Igreja e mais próxima da pessoa de seu mestre real? Dói o coração ao transcrevermos tal ousada e desalentadora perversidade. Certamente, não há maior iniquidade do que aquela que se encobre sob o nome de Jesus e do cristianismo. Tais revelações nos dão as ideias mais dolorosas sobre o espírito maligno do papado. O pior dos crimes, tanto para com Deus quando para com o homem, é justificável se promoverem o poder e a grandeza mundana da Igreja.  Quando, e em que circunstâncias -- podemos perguntar, tendo tais fatos diante de nós -- podia o papista ser de confiança? Somos gratos por não sermos seus juízes, mas Deus há de julgar a humanidade. "Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos." (Atos 17:31)

O arcebispo, que ganhara a confiança e se familiarizara com cada sentimento do coração do rei, manteve o papa plenamente informado de tudo o que se passava entre eles, de modo que ele soubesse bem quando devia alegrar o rei e quando seu zeloso ministro. Mas certamente esta é a mais vil de todas as traições da parte de um servo, e a mais injusta conduta da parte de seu guia espiritual. Mas nenhum homem pode servir a dois mestres. Ele deve ser o traidor de um deles; e assim foi nesse caso, sendo um dos casos de tez mais tenebrosas de que se há registros. Tão logo o primaz colocou seu selo nas "Constituição de Clarendon", o papa Alexandre já tomou conhecimento de que ele não honraria seu compromisso. "O veneno não foi engolido antes que o antídoto estivesse em seus lábios"*.

{*Cathedra Petri, livro 12, vol. 5, p. 219. Veja também um relato completo de toda a disputa em History o Latin Christianity, de Milman, vol. 3, pp. 434-528. O primeiro pode ser considerada a visão constitucional, e o segundo a histórica, dessa longa disputa.}

domingo, 1 de julho de 2018

Tomás A. Becket -- Arcebispo da Cantuária (1162 d.C.)

Cerca de um ano após a morte de Teobaldo, Becket foi nomeado pelo rei arcebispo da Cantuária e primaz de toda a Inglaterra. Antes de sua elevação ao trono, ele fingiu ser totalmente devoto aos interesses de seu mestre real, mas a partir do momento que sua eleição tornou-se conhecida por Alexandre III, e especialmente após sua reunião com ele no Concílio de Tours, todo o seu coração e alma mudaram completamente no que dizia respeito ao seu soberano. Ele retornou de Tours à Cantuária como um vassalo de Roma professo e inflexível, um inimigo de seu rei e das leis de seu país. Tal foi, e é, e sempre será, o espírito do papado. As intenções do rei de limitar o crescente poder da igreja eram bem conhecidas de Becket, que presidira em seu conselho particular. Mas essas intenções tinham de ser combatidas a todo o custo; e assim começou a batalha.

As pretensões da ordem sacerdotal como uma casta separada da humanidade, desde o maior até o menor, tinham se tornado grande causa de perplexidade para o governo civil, e uma grande obstrução a sua administração. A igreja exigiu completa isenção do controle da lei secular. Foi ousadamente mantido que as pessoas e as propriedades do clero deveriam se colocadas além do alcance dos tribunais comuns, de modo que deveriam ser responsáveis apenas pelos seus próprios superiores, e diretamente sujeitos em vida e propriedade aos decretos de Roma. Mas a falta de lei leva à violência, e o resultado dessa agressão papal na Inglaterra foi um terrível aumento da criminalidade, até o perigo iminente da vida e propriedade dos indivíduos. "Por exemplo", diz Greenwood, "foi provado que, desde o início do reinado de Henrique II, nada menos que cem assassinatos tinham sido cometidos por indivíduos pertencentes a ordens com quase absoluta impunidade. Estupro, incêndio criminoso, furto, roubo, foram todos desculpados ou abrigados sob as vestes do sacerdócio ou sob os capuzes dos monges; não existiam penalidades conhecidas pela lei adequadas para a repressão e punição de crimes tão terríveis, e o rei Henrique, com o tempo, foi finalmente levado a tratar da tão significativa questão: 'Se as leis e costumes antigos do reino deveriam ser observados ou não'".

O rei, determinado a trazer uma solução para essas grandes questões,  convocou um parlamento em Westminster e exigiu uma clara resposta a essa questão. A resposta dada pelo clero à questão do rei foi que as antigas leis e costumes do reino deveriam ser observados e mantidos, "sempre afirmando os privilégios de suas ordens". Essa resposta, apesar de terem a aparência de uma evasão, foi na verdade uma recusa. O rei, em estado de grande consternação, interrompeu a assembleia, deixou Londres, e começou a privar Becket de seu poder, e do privilégio e honra de educar seu filho. Os bispos, em alarme, conhecendo o orgulho e poder de Henrique, pediram ao seu primaz que retirasse ou mudasse a resposta ofensiva. Mas ele imediatamente declarou que mesmo se um anjo do céu lhe aconselhasse tal fraqueza, ele o amaldiçoaria. Com o tempo, no entanto, ele cedeu: alguns dizem que foi pela influência do papa Alexandre, pois Henrique ameaçou não pagar o óbolo de São Pedro*. E assim, durante toda a longa discussão, o papa tomou o partido do rei quando precisou do dinheiro, e com Becket quando poderia passar sem isso.

{* Óbolo de São Pedro é o sistema de arrecadação de donativos da Igreja Católica, onde os fieis oferecem ajuda econômica diretamente ao Santo Padre.}

Tomás Becket como Chanceler (1158 d.C.)

Pela afabilidade de suas maneiras, a aparente flexibilidade de sua disposição, a agudeza de seus sentidos, e as atrações de sua pessoa, ele logo ganhou a confiança e as afeições do rei, que fez dele sua constante companhia em todos os seus divertimentos e prazeres; mas foi nos assuntos mais sérios do governo que Henrique derivou grande vantagem a partir da sabedoria e prudência de seu chanceler. Suas habilidades, conta-se, como um cortesão realizado, como um líder militar superior, e como um estadista experiente, eram incomparáveis. Ao leitor dos dias atuais, um eclesiástico que era detentor de vários benefícios clericais, sendo ainda um bravo general militar, soa bastante estranho. Mas assim era o tão afamado "santo". Um de seus biógrafos remarca: "Na expedição feita pelo rei Henrique para afirmar seus direito aos domínios dos condes de Toulouse, Becket apareceu à frente de setecentos cavalheiros que o serviam, e em toda exploração aventureira estava o valente chanceler. Um pouco mais tarde, ele foi convocado a reduzir certos castelos que se erguiam contra seu mestre, e frequentemente distinguia-se pela bravura e proezas pessoais: ele retornou a Henrique na Normandia à frente de 2000 cavaleiros e 4000 cavalariços, criados e mantidos pelas suas próprias despesas". Outro autor observa: "Quem pode contar a carnificina, a desolação, que ele causou à frente de um forte corpo de soldados? Ele atacou castelos, arrasou vilarejos e cidades até o pó, queimou casas e fazendas sem o mínimo de piedade, e nunca demonstrou a menor misericórdia àqueles que se levantassem em revolta contra a autoridade de seu mestre"*.

{*Milman, vol. 3, p. 450.}

Os clérigos graves e sérios, mesmo naqueles dias, sem dúvida lamentariam sobre tais coisas no arquidiácono da Cantuária; mas a prática era comum demais para excitar grande surpresa. A dignidade secular, infelizmente, tinha se tornado o grande objeto de ambição de quase todos os clérigos, de modo que poderiam ser encontrados muitos mais que admiravam a conduta de Becket do que os que o lamentavam. Sua riqueza, magnificência e poder excediam a de todos os seus precedentes. Ele foi rei em tudo, menos no nome. O mundo, conta-se, nunca tinha visto dois amigos tão próximos. Mas assim como a amizade do mundo, ou de dois homens egoístas, ambiciosos e inescrupulosos, essa amizade durou apenas enquanto serviu aos seus interesses. Isto veremos agora, e de um modo que raramente já foi testemunhado.

domingo, 24 de junho de 2018

Tomás Becket e Henrique II

O nascimento e parentesco de Becket são desconhecidos. A obscuridade de sua origem foi provavelmente oculta pelos seus biógrafos. Mas alguns dizem que ele nasceu no ano de 1119. De acordo com Du Pin, ele iniciou seus estudos em Londres e os terminou em Paris, na melhor escola de francês normando.

Pouco depois de seu retorno à Inglaterra, ele foi fortemente recomendado a Teobaldo, arcebispo da Cantuária, que o empregou na administração de seus negócios. Becket estava então na estrada para o favoritismo. Teobaldo, que suspeitava que o jovem rei Henrique estivesse contaminado com a oposição às pretensões de Roma, estava ansioso por colocar perto de si alguém que pudesse contrariar tal perversidade. O sagaz primaz tinha discernido em seu arquidiácono (Becket), não apenas grandes habilidades para os negócios, como também os elementos de um clérigo elevado, determinado e devoto. Através de sua recomendação, Becket foi elevado à dignidade de chanceler. "Ele tornou-se, então, o segundo poder civil do reino, pois seu selo era necessário para assinar todos os mandatos reais. Nem era sem grande influência eclesiástica, pois nas mãos do chanceler estava a nomeação de todos os capelães reais e a custódia dos bispados, abadias e benefícios vagos". Mas, como Tomás Becket nos é ensinado na escola e nos livros de história inglesa* como um santo e um mártir, vamos olhar brevemente para ele, em primeiro lugar, como um homem do mundo.

{* O autor deste livro era inglês.}

domingo, 17 de junho de 2018

Os Abusos de Roma na Inglaterra (1162 d.C.)

Capítulo 22: Inglaterra (1162 - 1174 d.C.)


Abordaremos agora um período em nossa história que deve despertar peculiar interesse na mente do leitor inglês*. O governo anglo-saxão estava dando lugar ao governo anglo-normando, tanto na igreja quanto no Estado. A completa condição do país, ou estava mudada, ou estava em processo de mudança. Mas o padre italiano estava longe de estar satisfeito com o estabelecimento que eles tinham conseguido sob o reinado dos normandos. A florescente vinha de Nabote (ver 1 Rs 21) era cobiçada e precisava ser possuída, quer por meios justos ou imundos. A Inglaterra, com todo o seu orgulho, riqueza e poder, deveria ser reduzida a um estado de subserviência à Sé Romana. Esse era seu propósito estabelecido e necessário para a realização de seu plano. Observaremos, primeiramente, a posição dos antagonistas, e então a natureza e o fim da feroz batalha.

{*N. do T.: O autor do livro era inglês.}

Durante o reinado de Alexandre III, um pontífice capaz, sutil e vigilante, uma grande disputa surgiu na Inglaterra entre Henrique II e Tomás Becket, arcebispo da Cantuária, que atraiu e absorveu toda a mente da Europa por muitos anos. Isso lembra, em suas principais características, a longa guerra entre Henrique IV e Gregório VII, porém, se é que isso é possível, perseguida com maior amargor e obstinação, e terminando ainda mais tragicamente. Uma colisão tão violenta entre os poderes espirituais e seculares não tinha ocorrido desde os dias de Constantino. O caráter pessoal e a posição dos líderes, sem dúvida, atraíram a atenção do interesse mundial ao conflito. Mas era muito mais que um assunto pessoal: toda a questão do poder de Roma na Inglaterra, a prerrogativa do Soberano e a responsabilidade do assunto, tudo isso estava envolvido nessa nova guerra. Henrique, de verdadeiro sangue normando, estava determinado a se tornar rei e a governar de acordo com as leis e costumes do reino; Becket, um violento eclesiástico, estava igualmente determinado a manter, de acordo com os supostos infalíveis decretos de Roma, que a hierarquia eclesiástica era uma casta separada e privilegiada na comunidade, com direito à isenção de julgamento pelo processo civil, e sujeita apenas a sua própria jurisdição.

O leitor inglês do século XIX ficaria surpreso ao saber que um decreto do vaticano, enviado pelo legado do papa com o propósito de mudar as leis e costumes da Inglaterra, fosse ouvido sequer por um momento. Mas era assim na época; e os mais poderosos monarcas na Europa foram obrigados a se curvarem em humilhante submissão aos pés do pontífice. Mas qual o motivo desse terrível medo de Roma? Nada mais do que a ignorância e superstição do povo em geral. "O sistema romanista, com todas as suas insolentes pretensões, ainda estava envolto em uma auréola sangrenta de reverência supersticiosa, que espantava o pensamento ou o apagava pelo medo da morte temporal e eterna". O astuto padre podia alegar esfregar as chaves de São Pedro na cara de seu oponente, e ameaçar trancá-lo do lado de fora do céu e confiná-lo no inferno, se não obedecesse à igreja. Era sua declarada santidade e sua iníqua perversão das Escrituras que lhe davam tal poder sobre os ignorantes e supersticiosos.

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