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domingo, 10 de junho de 2018

O Alvorecer da Luz na Idade das Trevas

Durante a última parte do século XI, encontramos nomes famosos como Lanfranco, Anselmo e Berengário. Um novo impulso foi dado à atividade intelectual pelo trabalho desses e de outros professores eminentes. Foi por volta dessa época que as velhas escolas catedráticas se desenvolveram em seminários de aprendizagem geral, e estes se tornaram os ancestrais de nossas universidades modernas. Essa atividade intelectual, após um longo período de apatia, tornou-se extremamente atrativa, de modo que milhares se aglomeravam para assistirem às aulas, e, como homens há muito tempo privados da árvore do conhecimento, abraçaram com entusiasmo o que ouviam. No fundo, foi uma reação contra a autoridade dogmática da igreja, pois ensinava aos homens que, a partir daí, era possível raciocinar e inquirir.

Pedro Abelardo foi o mais audacioso, e de longe o mais popular de todos os professores sobre dialética -- que declarava ser a ciência ou a arte de discriminar a verdade do erro pela razão humana. Esse notável homem nasceu em 1079, perto de Nantes, na região francesa da Bretanha. Seu pai, Berengário, foi senhor do castelo de Le Pallet, e embora Pedro fosse seu filho mais velho, desde cedo preferia "os conflitos de disputas de argumentos aos troféus dos exércitos", e assim, renunciando à herança familiar de seus irmãos, entregou-se à vida acadêmica. Foi primeiro aluno de Roscelino, e depois de Guilherme, arquidiácono de Paris, e também de Anselmo, professor de teologia de Lauduno. Mas não precisamos entrar em detalhes sobre a longa e extraordinária história desse homem. É uma história de vitórias, crimes e infortúnios. Ele foi, ao mesmo tempo, o representante e a vítima da teologia escolástica que pôs em perigo o poder e a constituição da igreja romana. Ele foi o primeiro exemplo de um homem que professava a ciência da teologia e que não era um padre. Por onde ia, milhares de acadêmicos entusiastas lhe rodeavam. "Multidões", diz o biógrafo de Bernardo, "somando milhares, cruzavam altas montanhas e amplos mares, e suportavam todo tipo de inconveniência da vida, para desfrutar do privilégio de ouvir as aulas de Abelardo". "Sua eloquência", disse outro, "era tão fascinante que o ouvinte se encontrava irresistivelmente levado pela correnteza; e se um oponente fosse forte o suficiente para se levantar contra ele, a agudeza de sua lógica era tão infalível quanto a torrente de sua oratória, e em todos os combates levava o prêmio"*.

{*Life and Times of Bernard, Morrison, p. 290; Eighteen Christian Centuries, White, p. 266.}

Abelardo escreveu, assim como lecionou, sobre muitos assuntos importantes; mas ele não era sábio no que diz respeito às doutrinas fundamentais do cristianismo. E mesmo assim, em toda Europa, nenhum campeão da verdade e ortodoxia podia ser encontrado para enfrentar em combate esse gigante herético. Bernardo de Claraval, com o tempo, recebeu inúmeros apelos. Uma carta de Guilherme, abade de São Teodorico, tirou-o de seu claustro. O santo e o erudito em lógica se encontraram em Sens, em 1140. O rei da França estava presente, com um grande número de bispos e eclesiásticos. Abelardo estava cercado de seus discípulos, e Bernardo com dois ou três monges. Um se dirigiu a razão de poucos, e o outro inflamou os corações e paixões de todas as classes. Um foi apoiado por seus admiradores, e o outro por adoradores. Um tinha sido denunciado como herege, e o outro tinha a reputação de ser o homem mais santo de sua época, acima de reis, clérigos, e até mesmo do papa. Sob tais circunstâncias, Abelardo não tinha chances. Ele logo sentiu o poder que estava contra ele, e, antes que as passagens incriminadas fossem todas lidas, ele ergueu-se e disse, para o espanto de todos os presentes: "Eu me recuso a ouvir mais, ou a responder a qualquer pergunta; eu apelo a Roma"; e deixou a assembleia.

Alguns dizem, em explicação para essa conduta inesperada, que as fileiras de rostos hostis que ele viu diante dele, não apenas apagaram seu entusiasmo, como também fizeram com que ele sentisse que sua vida estava em perigo. Ouvindo que um relatório do concílio tinha chegado em Roma, e que tinha sido condenado pelo papa, ele, em sua angústia, pediu socorro ao "venerável" Pedro de Cluny, que, por pena de seus infortúnios, ofereceu-lhe asilo em seu mosteiro, embora fosse oposto a suas doutrinas.

Podemos apenas observar, de passagem, que a bem conhecida história dos sofrimentos de sua bela Eloísa deu origem a uma nova ideia sobre o lugar da mulher na sociedade, sem a qual nenhuma civilização verdadeira poderia ter acontecido. Até esse período, a igreja olhara declaradamente com desdém para a mulher, pois ela tinha sido a primeira a cair em transgressão. Mas a tocante história dos infortúnios de Eloísa levou à elevação da mulher ao seu devido lugar no círculo social.

Abelardo, caído e de coração partido, após passar cerca de dois anos nas solidões de Cluny, recebendo muita bondade de seu caridoso abade, e satisfazendo seus juízes eclesiásticos com a humildade de seu arrependimento, encerrou sua agitada vida no ano de 1142. Seus princípios viveram em muitos de seus discípulos, e um deles merece uma atenção especial.

domingo, 3 de junho de 2018

Bernardo e Abelardo

Antes da morte de Inocêncio, Bernardo foi chamado para longe de seu pacífico retiro em Claraval para fazer guerra contra um novo inimigo da igreja: Pedro Abelardo. Esse novo conflito surgiu dos movimentos intelectuais da época, e marca uma época distinta da história da igreja, da literatura e da liberdade espiritual e civil. Vamos atentar brevemente para o que levou a isso.

A maioria de nossos leitores estão cientes de que a erudição que tinha sido acumulada nas línguas latina e grega foram quase inteiramente destruídas pelos bárbaros no século V. O que é conhecida como literatura antiga foi quase completamente perdida quando as nações bárbaras se estabeleceram nas ruínas do império romano. Por completos quinhentos anos, a grosseira ignorância prevaleceu. Qualquer conhecimento que restava foi confinado aos eclesiásticos; e eles, durante esse período, eram proibidos de estudar ou copiar a erudição secular. Não obstante, alguns dos monges, especialmente os da ordem beneditina, coletaram e copiaram manuscritos antigos; e, como diz Hallam: "Nunca deve ser esquecido que, se não fosse por eles, os registros dessa literatura teriam perecido. Não podemos afirmar que, se eles tivessem sido menos tenazes em sua liturgia latina, na tradução Vulgata das Escrituras, e na autoridade dos pais da igreja, menos superstição teria crescido; mas não podemos hesitar em pronunciar que toda a erudição gramatical teria sido deixada de lado. Mas entre eles, embora os exemplos de grosseira ignorância fossem excessivamente frequentes, havia a necessidade de preservar a língua latina, na qual tinham sido escritas as Escrituras, os cânons e as outras autoridades da igreja, assim como as liturgias regulares, e em cuja língua deveriam ser escritas as correspondências dentro da hierarquia clerical. Essa atividade continuou fluindo, mesmo nas piores estações, como um fluxo fino, mas vivo."*

{* Literature of Europe in the Middle Ages, vol. 1, p. 4.}

Dentre esses monges devia haver toda variedade de mentes: algumas, sem dúvida, grosseiras, lentas e mecânicas; outras, refinadas, ativas, questionadoras, que não se deixavam confinar dentro das barreiras da doutrina católica estabelecida, nem se submetia ao poder da ordem sacerdotal. Assim foi; assim provou-se ser. O reformador, o protestante, surgiu da ordem monástica. Houve muitos Luteros prematuros. Em cada insurreição, conta-se, seja religiosa ou mais filosófica, contra o sistema dogmático dominante, um monge foi o líder, e tinha havido três ou quatro dessas inssurreições antes do tempo de Abelardo. Godescalco, no século IX, foi flagelado e aprisionado por sua teimosa confiança no que era chamado de predestinacionismo. João Escoto Erígena, um monge mais erudito da Irlanda ou das ilhas escocesas, foi convidado por Hincmaro, arcebispo de Reims, a se opôr a Godescalco; mas ele não alarmou menos a igreja do que seu antagonista, ao apelar para um novo poder acima da autoridade católica: a razão humana. Ele era um poderoso racionalista, mas especulava em grande parte na teologia escolástica. Sob a censura da igreja, ele fugiu para a Inglaterra, e encontrou um refúgio, conta-se, na nova universidade de Oxford fundada pelo rei Alfredo.

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