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domingo, 2 de outubro de 2022

Lutero entra para a Universidade de Erfurt

No ano de 1501, Lutero chegou à Universidade de Erfurt, então a mais ilustre da Alemanha. Ele havia chegado aos dezoito anos e entrou com grande entusiasmo nos estudos da humanidade. "Meu pai", diz Lutero, "me manteve lá com muito amor e fidelidade, e me sustentou com o suor de seu rosto". Um de seus biógrafos, moralizando sobre este registro agradecido do filho, observa: "E certamente todos os volumes da história da humanidade não contêm nenhum registro do trabalho braçal de um pai sendo recompensado por uma colheita tão gloriosa como aquela que surgiu da perseverante indústria do mineiro de Mansfeld. Cada gota que caiu daquela testa foi convertida, por uma providência vigilante, para a promoção de seus propósitos, e tornou-se o meio de fertilizar a mente que havia sido destinada a mudar os princípios predominantes do mundo cristão.”* 

 {*Waddington, vol. 1, pág. 34.} 

Há razões para acreditar que outros pensamentos além do cultivo de seu próprio intelecto estavam exercitando a mente de Lutero nesta época. A intervenção misericordiosa de Deus na bondade da família Cotta, e o que ele viu e aprendeu lá, causou uma impressão profunda e duradoura em sua alma. Ele se opunha fortemente ao estudo de Aristóteles, embora seu sistema tivesse grande reputação na faculdade e fosse representado como a melhor -- ou, melhor dizendo -- a única disciplina, por conta de sua razão. "Se Aristóteles não fosse um homem", costumava dizer, "eu não teria hesitado em considerá-lo um demônio"; tão grande era sua aversão à filosofia do grego erudito. As obras dos grandes escolásticos de épocas anteriores, como Escoto, Tomás de Aquino, Ockham e Boaventura, foram-lhe recomendadas como o único meio de piedade e erudição; mas estes eram pouco melhores que a lógica de Aristóteles se o objetivo fosse satisfazer a necessidade de uma consciência perturbada. No entanto, na sabedoria de Deus, era necessário que ele se familiarizasse com esses escritos para que pudesse ser mais capaz e ter um melhor terreno para expor a total inutilidade deles quanto ao serviço e adoração a Deus. Ele também estudou os melhores autores latinos e, tendo sido abençoado com grande poder de discernimento, perseverança e memória retentiva, fez rápido progresso em seus estudos, e cedo adquiriu a reputação de um especialista e hábil dialético. 

No ano de 1503 obteve seu primeiro grau acadêmico de Bacharel em Artes; e em 1505, obteve o de Doutor em Filosofia. Tendo alcançado considerável proficiência em vários ramos da literatura, ele começou, em obediência aos desejos de seu pai, a voltar sua atenção para o assunto da jurisprudência. Mas o Senhor tinha outra obra para Lutero: a graça já estava operando em seu coração. Naquela época, ele era dado a muita oração; e costumava dizer que "a oração é a melhor metade do estudo" - uma boa máxima para todos os estudantes cristãos.  

domingo, 27 de setembro de 2020

Os Teólogos

Roberto Grosseteste, um prelado inglês do século XII, ilustrará bem o que queremos dizer com teólogo e protestante, embora não seja, estritamente falando, um reformador. Como muitos outros em todas as épocas, seus pontos de vista sobre a reforma estendiam-se apenas à disciplina e administração da igreja, não ao desarraigamento e à demolição da coisa incuravelmente falsa, como ocorreu mais tarde no século XVI. Ele mantinha fortemente uma visão elevada do papado, embora fosse capaz de chamar alguns papas específicos de anticristos, por causa da imoralidade ou rebelião contra Cristo deles. Mas o caráter anticristão do sistema do papado ainda não era conhecido, e as grandes verdades fundamentais do Cristianismo apenas apreendidas indistintamente. Grosseteste nasceu em Stradbroke, em Suffolk, por volta do ano 1175. Depois de ter estudado em Oxford, foi para Paris, que estava na moda, pois a Universidade de Paris era a mais conhecida da Europa. Lá ele estudou grego e hebraico e dominou completamente a língua francesa. De acordo com as ideias da época, ele era considerado um teólogo e filósofo realizado.

No ano de 1235, quando tinha sessenta anos de idade, tornou-se bispo de Lincoln, e trabalhou com um zelo e seriedade quase intolerante pela reforma de sua diocese, que era uma das maiores da Inglaterra. Diz-se que ele se ocupou bastante no estudo das Sagradas Escrituras em suas línguas originais e possuía autoridade soberana no conhecimento delas. Foi um grande avanço em relação ao passado e na direção certa; ainda assim, havia inconsistências gritantes quando agora as contemplamos. A princípio ele ficou muito cativado pelas novas ordens -- os dominicanos e os franciscanos -- por causa de sua aparente santidade; mas viveu para descobrir a hipocrisia deles e denunciá-los como enganadores da humanidade. A verdadeira reforma denunciava a existência, não meramente os abusos, de ordens que se opunham totalmente à Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, ele era um homem ousado, piedoso e enérgico. Ele ergueu sua voz contra a suposição blasfema de Inocêncio III quando ele se proclamou o vigário, não apenas de São Pedro, mas de Deus. "Seguir um papa", disse ele, "que se rebela contra a vontade de Cristo é separar-se de Cristo e de Seu corpo; e se algum dia chegar o tempo em que todos os homens seguirem um pontífice errante, então haverá a grande apostasia." A ganância agressiva da corte romana, o abuso de indulgências, e a concessão de patrocínio a pessoas indignas, estavam entre os males contra os quais ele lutou. Um bispo tão ativo, tão zeloso e tão destemido certamente criaria muitos inimigos. Ele foi acusado de magia por seus contemporâneos e de ousada presunção pelo papa. Ele por pouco escapou do martírio. Por meio da terna misericórdia do Senhor e de Seu cuidado pelo Seu servo, ele morreu em paz, no ano de 1253.*

{* Milner, vol. 3, pág. 188. J.C. Robertson, vol. 3, pág. 431. D'Aubigné, vol. 1, pág. 99.}

Roger Bacon, um homem de gênio e discernimento superior, que tinha uma percepção clara do estado de coisas, tanto nas escolas quanto na igreja, merece uma breve observação, embora não haja muitas evidências de sua genuína piedade e amor pela verdade do evangelho. Diz-se que ele foi o maior dos filósofos ingleses antes da época de seu célebre homônimo. Por volta do ano de 1214, ele nasceu perto de Ilchester, em Somersetshire.

Depois de estudar em Oxford e Paris, ele se tornou um frade franciscano aos 34 anos. Seu conhecimento de ciências físicas -- astronomia, ótica, mecânica, química -- bem como de erudição grega e oriental, o expôs à popular, porém perigosa, reputação de mágico. Suas pesquisas colocaram-no imensamente à frente de seus superiores monásticos, que encontraram um refúgio conveniente para sua ignorância ao acusar o frade de lidar com magia. Ele foi muito perseguido e passou muitos anos confinado em uma masmorra asquerosa.

Embora ele falasse com grande respeito das Sagradas Escrituras, ele estranhamente lutava por uma aliança entre a filosofia e o Cristianismo, entra a razão e a fé. Ele denunciava o sofisma do ensino que estava na moda em seu tempo e reclamava que as línguas originais do Antigo e do Novo Testamento eram negligenciadas; que as crianças obtinham conhecimento sobre as Escrituras, não da própria Bíblia, mas sim de resumos versificados; que as palestras sobre as "Sentenças" eram preferidas às palestras sobre as Escrituras. Desta forma, ele expôs a ignorância, a superstição e a ociosidade das ordens religiosas, e assim trouxe sobre si a acusação de heresia e as censuras da igreja, embora ele tenha vivido e morrido como um verdadeiro católico romano, provavelmente por volta do ano de 1292. Sua última obra foi um compêndio de teologia.

Tomás de Aquino, o "doutor angélico", foi o mais renomado dos escolásticos do século XIII e o tipo mais verdadeiro de teólogo. Ele era descendente de uma família ilustre e nasceu nos arredores de Nápoles por volta do ano de 1225. Entrou muito jovem na ordem dominicana, contra a vontade de seus parentes mais próximos, e estudou em Colônia e Paris. Em 1257 foi professor de teologia em Paris, mas morreu com a idade de cinquenta anos e foi canonizado pelo papa. Quando seus escritos coletados foram publicados em Roma, no ano de 1570, eles se ampliaram para dezessete volumes in-fólio.

Os doutores eclesiásticos de nossos dias nos dizem -- pois não estamos familiarizados com os escritos de tais autores -- que entre as mais conhecidas de suas obras estão a "Suma Teológica", um comentário sobre os quatro Evangelhos e outros livros do Antigo e do Novo Testamento; um elaborado comentário sobre as "Sentenças" de Pedro Lombardo, o grande livro didático das escolas; suas exposições de Aristóteles; e um tratado em favor da fé católica e contra a igreja ortodoxa grega. Mas não obstante a grandeza de sua erudição e o número de seus livros, é de se temer que ele fosse um estranho à doutrina salvadora da justificação somente pela fé, sem as obras da lei; entretanto, quando em seu leito de morte, ele mostrou grandes sinais de piedade, semelhantes aos de Agostinho. Que possamos ter esperança de que ele pertencia ao remanescente salvo dos escolásticos daqueles dias. Regozijamo-nos com a convicção de que haverá um remanescente salvo no céu vindo de todas as classes -- imperadores, reis, papas e filósofos -- que manifestará a soberania e o poder da graça de Deus em todos os tempos e para todas as classes de homens. As riquezas e a glória da graça serão para o Seu louvor para todo o sempre.*

{*N. do T.: grifo do tradutor.}

Boaventura, natural da Toscana, entrou para a ordem dos franciscanos no ano de 1243, aos 21 anos. Concluiu os estudos em Paris, e com tanto sucesso que conquistou o título de "doutor seráfico". Ele morreu em 1274, como cardeal-bispo de Albano. Suas obras eram menos volumosas do que seu contemporâneo, Tomás de Aquino, e menos intelectuais, mas mais devocionais. "Suas obras", diz-se, "superam em utilidade todas as de sua época, quanto ao espírito do amor de Deus e da devoção cristã que fala nele, sendo profundo sem ser prolixo, sutil sem ser curioso, eloquente sem vaidade, ardente sem pompa; sua devoção é instrutiva e sua doutrina inspira devoção”. Ao ser questionado, em seu leito de morte, de quais livros ele havia tirado seu aprendizado, ele respondeu apontando para o crucifixo, e tinha o hábito de se referir às Escrituras em vez de a São Francisco, o fundador de sua ordem. Mas teremos de esperar um pouco mais antes de encontrarmos a importante doutrina da justificação por meio da fé simples no Senhor Jesus Cristo sendo ensinada pelos eruditos. Boaventura, como teólogo, representa os místicos. Ele pode ter sido o verdadeiro autor da "Imitação de Cristo", que dizem ter sido escrito nessa época por Tomás de Kempis. Mas nunca um livro foi tão mal intitulado. Começa com o “eu” e termina com o “eu”. As emoções internas da alma são o que absorve o místico. Esse é o cristianismo monástico. O amor de Cristo, por outro lado, é puramente altruísta: Ele deu Sua vida para salvar Seus inimigos. "Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” E a fé pode dizer: “o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.” (Romanos 5; Gálatas 2)

Duns Escoto era um doutor de grande celebridade; mas seu local de nascimento e infância estão envoltos na obscuridade. Dean Waddington diz, sem dúvida: "Este doutor morreu no ano de 1308. Ele era natural de Dunse, na Escócia, e franciscano." Ele era um dialético e definiu o estilo de "doutor sutil". Ele ousadamente se aventurou a impugnar algumas das posições do grande São Tomás, o que deu origem a uma polêmica entre os dominicanos e os franciscanos que durou centenas de anos, e chamou a atenção de papas e concílios, tanto que até hoje ainda divide as escolas dos latinos. Os principais pontos de diferença teológica entre esses grandes doutores eram "a natureza da cooperação divina e a medida da graça divina necessária para a salvação de um homem", além do que é chamado de “imaculada conceição da Virgem Maria”. Os dominicanos afirmavam que a santa virgem não estava isenta da mancha do pecado original; os franciscanos apoiavam a concepção imaculada.*

{* Mosheim, cent. 4, cap. 3.}

Guilherme de Ockham, assim chamado em sua terra natal no condado de Surrey, estudou em Paris, com Duns Escoto, e se tornou um famoso doutor dos franciscanos. Segundo o costume das escolas, distinguia-se por títulos altivos, tal como o de "doutor singular e invencível". Mas ele era mais um metafísico do que um teólogo. Ele corajosamente atacou as pretensões papais em muitos pontos, mas especialmente quanto ao seu domínio secular e sua alegada "plenitude do poder". Ele negou a infalibilidade do papa e dos concílios gerais, e sustentou que o imperador não dependia do papa, mas que o imperador tem o direito de escolhê-lo. Essas opiniões antipapais logo se espalharam em todas as direções, e chegaram a todas as classes por meio dos frades mendicantes. Quando ameaçado com as mais altas censuras da igreja, ele encontrou um abrigo na corte de São Luís, que favorecia grandemente os franciscanos. "Defenda-me com sua espada", disse Guilherme ao rei, "e eu o defenderei com a Palavra de Deus." Ele morreu sob a sentença de excomunhão em Munique, em 1347. *

{* J.C. Robertson, vol. 4, pág. 77. Para relatos extensos de tais homens e seus escritos, consulte Knight's Biographical Dictionary.}

domingo, 6 de setembro de 2020

A Apostasia dos Mendicantes

 As duas ordens rivais, os dominicanos e franciscanos, não se contentando em envolver toda a Europa em discórdia e lutas furiosas, começaram, logo após o falecimento de seus respectivos fundadores, a disputar entre si pela precedência. E embora os pontífices deste e dos séculos seguintes terem usado vários meios para encerrar essas disputas inconvenientes, suas tentativas foram infrutíferas, pois essas duas grandes ordens continuaram por muitos anos a acalentar essa rivalidade acirrada e a lançar uma contra a outra as mais amargas recriminações. Eles lutaram muito pelo domínio em todas as cadeiras de ensino da cristandade, mas a disputa mais notável foi a dos dominicanos com a Universidade de Paris. Outro ponto proeminente de grande controvérsia que durou muito tempo foi a doutrina da imaculada conceição da Virgem Maria. Era a doutrina favorita dos franciscanos e sempre foi violentamente atacada pelos dominicanos. O famoso Tomás de Aquino argumentou a favor da visão dominicana da questão, e João Duns Escoto, o dialético, assumindo a visão franciscana da doutrina, entrou na arena do debate, que continua até hoje; pois, embora o atual papa Pio IX* tenha declarado o dogma da imaculada concepção da Virgem Maria, a fraternidade dominicana não está disposta a admiti-lo. No entanto, agora isso se tornou um artigo de fé na igreja romana.

{*Este livro foi escrito no século XIX.}

Já em 1256, quando Boaventura se tornou o general dos franciscanos, ele descobriu que eles haviam começado a se tornar infiéis para com sua noiva, a pobreza, e estavam lutando pelo divórcio. As afeições de Francisco não sobreviveram em seus seguidores. Mas, sob a gestão prudente de seu novo general, relativa tranquilidade foi mantida durante sua vida; mas, depois de sua morte, ocorrida em 1274, as dissensões eclodiram com a maior violência, como de costume. Na verdade, essas ordens mendicantes, ou melhor, satânicas, causaram as mais violentas contendas em quase todos os países da Europa até o período da Reforma. Mas todas as classes, tanto na Igreja quanto no Estado, tiveram que suportar seu orgulho e arrogância, pois eram os mais fiéis servos e satélites da Sé Romana.

O breve esboço a seguir, de Mateus de Paris, um beneditino de St. Albans, que escreveu por volta de 1249, apresentará ao leitor o verdadeiro caráter dos caminhos dessas terríveis pragas da sociedade. O quadro não está, de forma alguma, exagerado, embora Mateus pertencesse à velha ordem aristocrática e pudesse desprezar seus novos irmãos democráticos. Solidão, reclusão, a cela solitária, a capela privada, a comunicação com o mundo exterior severamente cortada, era a velha ordem; o que se segue é uma amostra do novo e do que prevalecia na Inglaterra no século XIII.

“É um terrível – é um horrível – presságio que em trezentos anos, em quatrocentos anos, e até mais, as antigas ordens monásticas não se degeneraram tão completamente como estas fraternidades. Os frades, que foram fundados há apenas quarenta anos, construíram, e ainda constroem até hoje, na Inglaterra, residências tão elevadas quanto os palácios de nossos reis. São eles que, ampliando dia a dia seus suntuosos edifícios, circundando-os com paredes elevadas, acumulam dentro deles tesouros incalculáveis, transgredindo imprudentemente os limites da pobreza e violando, segundo a profecia da alemã Hildegarda, as próprias regras fundamentais da sua confissão. São eles que, impelidos pelo amor ao ganho, se impõem às últimas horas dos senhores e dos os ricos que eles sabem estar transbordando de riquezas; e estes, desprezando todos os direitos, suplantando os pastores comuns, extorquem confissões e testamentos secretos, gabando-se de si mesmos e de sua ordem, e afirmando sua vasta superioridade sobre todos os outros. Tanto é assim que nenhum dos fiéis agora acredita que pode ser salvo a menos que seja guiado e dirigido pelos pregadores ou pelos frades menores. Ansiosos por obter privilégios, eles servem nas cortes de reis e nobres, como conselheiros, camareiros, tesoureiros, padrinhos ou tabeliães de casamentos; eles são os executores das extorsões papais. Em sua pregação, às vezes tomam o tom de lisonja, às vezes de censura mordaz; eles não têm escrúpulos em revelar confissões ou apresentar as acusações mais precipitadas. Eles desprezam as ordens legítimas, aquelas fundadas pelos santos padres, por São Bento ou Santo Agostinho, com todos os outro. Eles colocam sua própria ordem acima de tudo; consideram os cistercienses rudes e simples, meio leigos, ou melhor, camponeses; tratam os frades negros (os dominicanos) como epicuristas arrogantes."*

{* Milman, vol. 4, pág. 276; Mosheim, vol. 2, pág. 523.}

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