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domingo, 16 de outubro de 2022

Lutero em Heidelberg

Na primavera de 1518, uma assembleia geral da ordem agostiniana foi realizada em Heidelberg: Lutero, a convite, estava presente. Seus amigos, conhecendo os desígnios e a traição dos dominicanos, tudo fizeram para dissuadi-lo de ir; mas Lutero não era o homem a ser impedido pelo medo do perigo de cumprir o que ele acreditava ser seu dever. Sua confiança estava no Deus vivo. Uma oportunidade tão favorável para pregar o evangelho, a propagação da verdade e a difusão de suas proposições não deveria ser negligenciada. Partiu no dia 13 de abril, com um guia que o ajudou a carregar sua bagagem, e fez a maior parte do trajeto a pé. 

A curiosidade geral, o nome de Lutero e a fama de suas teses atraíram grandes multidões à cidade e à universidade de Heidelberg. Aqui, diante de uma grande assembleia, ele discutiu com cinco outros doutores em divindade sobre uma variedade de assuntos, mas relacionados principalmente à teologia e à filosofia. Seu conhecimento das Escrituras, dos dogmas tradicionais da igreja, sua falta de respeito pelo nome e sistema de Aristóteles, seu grande poder argumentativo, provavam aos seus oponentes que ele era uma polêmica fora do comum. Ele voltou para Wittemberg, bem protegido e acompanhado por muitos amigos. 

O efeito maravilhoso produzido por essas controvérsias levou Tetzel a tentar responder ao ataque de Lutero à venda de indulgências. Cheio de vanglória e blasfêmia, ele afirma e reafirma o poder do papa, e do clero, como delegado por ele, para perdoar totalmente e para sempre todos os pecados. Em resposta a essas ousadas afirmações, Lutero escreveu mais uma série de proposições que denominou "Resoluções", ou explicações de suas teses anteriores. Nesse tratado, o Reformador é visto mais distintamente. Ele apresenta com destaque a grande verdade da Reforma – que o homem é justificado somente pela fé, sem obras da lei. "Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus" (2 Coríntios 5:21). 

Lutero agora desafia a decisão do próprio papa. Ele lhe enviou uma cópia de suas Resoluções, acompanhada de uma carta muito humilde, datada de 30 de maio de 1518. Totalmente descuidado como Leão realmente era quanto aos interesses da religião, ele não podia tratar com total indiferença a carta de Lutero; especialmente porque o imperador Maximiliano havia solicitado sua interferência na mesma época. Ele ordenou que Lutero fosse enviado a Roma e lá respondesse por sua audácia. Lutero recusou-se a obedecer à convocação, declarando, no entanto, sua prontidão para comparecer e defender sua causa perante juízes piedosos, imparciais e instruídos na Alemanha. O papa, descobrindo que Lutero estava sob a proteção de Frederico, eleitor da Saxônia, escreveu a esse príncipe desejando que ele entregasse o monge herético ao cardeal Tomás Caetano, que tinha instruções completas sobre como agir em relação ao doutor desobediente. Mas, para louvor daquele príncipe singularmente sábio e excelente, recusou-se a obedecer às ordens do papa e protegeu Lutero. O papa então foi obrigado a propor medidas menos precipitadas, menos sanguinárias e mais formais. Assim, a citação a Roma foi transformada em uma convocação a Augsburgo, à qual Lutero declarou sua intenção de obedecer. 

domingo, 22 de novembro de 2020

João de Wessália e Wessel Gansfort

João de Wessália, um doutor em divindade em Erfurt, era conhecido por sua ousadia, energia e oposição a Roma. Ele incorreu na indignação das ordens monásticas ao pregar que os homens são salvos pela graça por meio da fé, e não por uma vida monástica; que aquele que crê em Cristo está eternamente seguro, mesmo que todos os sacerdotes do mundo o condenem e excomunguem. Ele declarou que as indulgências, o óleo sagrado e as peregrinações eram inúteis; que o papa, bispos e padres não eram instrumentos de salvação. Ele era o que agora seria chamado de estritamente calvinista em sua visão da graça. O arcebispo de Mainz ordenou sua prisão; ele foi levado a julgamento perante um concílio de sacerdotes no ano de 1479 e, apesar de sua idade, problemas de saúde e fraqueza, foi submetido a um intrigante exame de suas opiniões, que durou cinco dias consecutivos. Algumas coisas ele explicou, algumas ele rejeitou e algumas ele retirou; mas seus juízes não tiveram misericórdia, mesmo que estivesse se curvando sob o peso dos anos; ele foi condenado à penitência perpétua pela Santa Inquisição e logo pereceu em suas masmorras.

Wessel Gansfort, algumas vezes chamado de John Wesselus, natural de Groninga, na Holanda, foi sem dúvida o mais notável dos precursores imediatos da Reforma. Ele foi um dos homens mais eruditos do século XV. Mas, felizmente para o próprio Wessel, e para outros milhares, sua luz não era apenas a do aprendizado humano -- ele foi ensinado por Deus. A luz do glorioso evangelho da graça de Deus brilhava intensamente em seu coração, em suas palavras, em sua vida. Ele foi doutor em divindade sucessivamente em Colônia, Lovaina, Heidelberg e Groninga; e ele corajosamente expôs muitas das doutrinas malignas e abusos flagrantes da igreja de Roma. Ele também foi por alguns anos professor de hebraico na Universidade de Paris, e mesmo lá falava com ousadia. "Toda satisfação pelo pecado", declarou ele, "feita pelos homens é blasfêmia contra Cristo." Mas o seguinte testemunho de Lutero sobre os escritos de Wessel torna desnecessário particularizar suas opiniões.

Cerca de trinta anos após a morte de Wessel, Lutero estava pregando as mesmas doutrinas que seu precursor havia se comprometido a escrever, embora ele não tivesse visto nenhum de seus trabalhos. Eles foram guiados e ensinados pelo mesmo Espírito Santo, e instruídos no mesmo livro sagrado, e capacitados para a mesma obra. O grande reformador ficou tão surpreso e encantado quando se encontrou pela primeira vez com alguns dos escritos de Wessel, que escreveu um prefácio para uma edição impressa de suas obras em 1522, no qual diz: "Pela maravilhosa providência de Deus eu fui compelido a me tornar um homem público, e a travar batalhas com aqueles monstros de indulgências e decretos papais. O tempo todo eu me supus estar sozinho; ainda assim, preservei tanta animação na disputa, a ponto de ser acusado de calor e violência em toda parte, e de bater forte. No entanto, a verdade é que eu desejava sinceramente terminar com esses seguidores de Baal, entre os quais minha sorte está lançada, e viver em silêncio em algum canto, pois desesperei totalmente de causar qualquer impressão nessas testas descarados e pescoços de ferro da impiedade. Mas eis que, neste estado de espírito, soube que mesmo nestes dias há em segredo um remanescente do povo de Deus. Não, não apenas me disseram isso, mas me regozijo em ver uma prova disso. Aqui está uma nova publicação de Wessel, de Groningen, um homem de um gênio admirável e de uma mente incomumente ampliada. É muito claro que ele foi ensinado por Deus, como Isaías profetizou que os cristãos deveriam ser: e como no meu próprio caso, assim com ele, não se pode supor que ele recebeu suas doutrinas dos homens. Se eu tivesse lido suas obras antes, meus inimigos poderiam supor que eu havia aprendido tudo com Wessel, pela coincidência perfeita em nossas opiniões. Quanto a mim, obtenho não apenas prazer, mas também força e coragem com esta publicação. Agora é impossível para mim duvidar se estou certo nos pontos que inculquei, quando vejo uma concordância tão completa de sentimento, e quase as mesmas palavras usadas por esta pessoa eminente, que viveu em uma época diferente, em um país distante, e em circunstâncias muito diferentes do meu. Estou surpreso que este excelente escritor cristão seja tão pouco conhecido; a razão pode ser que ele viveu sem sangue e contendas, pois isso é a única coisa em que ele difere de mim. "

Contaremos apenas mais uma anedota a respeito de Wessel, que prova quão completamente o espírito do evangelho havia satisfeito e enchido seu coração, e o erguido acima da mais poderosa tentação.

Quando Sisto IV foi elevado ao trono pontifício, não se esquecendo de que conhecera Wessel na França, ofereceu-se para conceder-lhe qualquer pedido que fizesse. O piedoso holandês respondeu gravemente: “Que aquele que é considerado o pastor supremo da igreja na terra aja de tal modo que, quando o Sumo Pastor aparecer, ele possa ouvi-Lo dizer: ‘Muito bem, servo bom e fiel.’” “Isso deve ser meu cuidado”, respondeu Sisto, “mas peças algo para ti mesmo.” “Dá-me, então”, disse Wessel, “da Biblioteca do Vaticano uma Bíblia em grego e uma em hebraico.” “Tu os terás”, respondeu o papa, “mas isso não é loucura? Por que não pedes um bispado, ou algo assim?” “Porque”, disse o professor pouco ambicioso, “não desejo essas coisas.”

Ele teve permissão de terminar seus dias em paz no ano de 1489, tendo atingido a idade de setenta anos. Suas últimas palavras foram “Louvado seja Deus! Tudo o que conheço é Jesus Cristo e Ele crucificado.”*

{* Milner, vol. 3, pág. 421.}

domingo, 24 de novembro de 2019

A Cadeia de Testemunhas

Quando comentamos sobre os paulicianos -- as testemunhas de Deus e de Sua verdade no Oriente -- falamos que os encontraríamos novamente no Ocidente. Afirma-se que, em seu zelo missionário, eles se espalharam por toda a Europa; mas se eles continuaram sendo uma seita distinta e característica ou se misturaram-se com outros sectários do Ocidente, esta é uma questão em que não há consenso por parte dos historiadores. Dentre as várias formas de heresia que eram denunciadas pela igreja dominante, dificilmente alguma delas escapou da acusação de maniqueísmo -- o rótulo que era afixado sobre os emigrantes do Oriente. Mas não seria correto dizer, como faziam, que todas as seitas ocidentais eram fruto da missão deles, apesar de serem taxados com o mesmo nome. É mais do que provável, no entanto, que eles tenham encontrado muitos com espírito separatista em relação à igreja católica, embora não o demonstrassem abertamente, e que em tais casos os paulicianos podem ter se tornado seus mestres, podendo, desse modo, perpetuar seus princípios.

As testemunhas ocidentais, sem dúvida, foram o resultado do mesmo espírito de graça e verdade que tinham os paulicianos, através da fidelidade de Deus, que nunca permitiu-Se ficar sem um testemunho na terra, mas não vemos fundamento para falar deles como descendentes dos mal-representados paulicianos. É mais provável que eles fossem uma mistura desses dissidentes da igreja estabelecida.

Procuraremos agora traçar a linha prateada da graça de Deus, que estava trabalhando ativamente, embora sob diferentes formas e nomes, durante o período mais sombrio da opressão papal. Não há dificuldade em identificar as testemunhas de Deus, desde o início da igreja até a Reforma, ou em traçar a cadeia ininterrupta de testemunhas que eram contra a iniquidade de Roma e a favor do verdadeiro evangelho da graça de Deus. Já vimos essa cadeia de testemunhas desde a história dos paulicianos até o século X; veremos agora as seitas mais proeminentes que surgiram no Ocidente antes de e desde esse período.

1. Cláudio de Turim, nascido espanhol, foi um famoso comentarista das Escrituras na corte de Luís, na Aquitânia. Seu patrono, o imperador, o promoveu ao bispado de Turim no ano de 814. Ele é tido na história como o Wycliffe do século IX e um vigoroso defensor do cristianismo primitivo. Ao chegar à diocese, ele encontrou as igrejas cheias de imagens e embelezamentos com flores e guirlandas. Imediatamente e sem cerimônia, ordenou que todos esses ornamentos fossem removidos. Nenhuma distinção deveria ser feita em favor de qualquer imagem, relíquia ou crucifixo; todos deveriam ser retirados para destruição. Ele denunciou a adoração a tais coisas como uma renovação da adoração aos demônios sob outros nomes, o que estava substituindo a pregação da gloriosa ressurreição do Senhor Jesus. Ele declarava também que o ofício apostólico de São Pedro tinha cessado com o fim da vida do apóstolo. Ele, portanto, desprezava as censuras papais e o alegado poder das chaves de São Pedro. Dizem que ele separou sua igreja da comunhão romana.

Mas, como muitos outros reformadores, Cláudio era duro e intemperante em seu zelo. As terríveis corrupções do clero e as idolatrias do povo o levaram a falar e escrever em termos fortes e cheios de paixão, o que não é de se admirar. Mas o Senhor cuidou dele do modo mais maravilhoso possível. Embora fosse um ousado reformador e um destemido iconoclasta em uma cidade italiana, a invisível mão da providência divina permitiu que terminasse seus labores permanecendo ainda nos plenos privilégios de um bispo, apesar de não ter sido livre de oposições.

Como um elo na cadeia de testemunhas, Cláudio ocupa um lugar muito distinto. Sua influência foi grande e amplamente difundida. Teodomiro, abade de um monastério perto de Nismes, ingenuamente confessou, de acordo com Milman, que a maioria dos grandes clérigos transalpinos* pensavam como Cláudio. Assim, a hostilidade contra a igreja católica e seus muitos sacramentos, que mais tarde prevaleceu nos vales alpinos, tem sido geralmente traçada desde esse reformador, Cláudio. Ele morreu no ano de 839. 

{*Transalpino: que se situa além dos Alpes}

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