Por volta do ano de 1349, quando Wycliffe completou 24 anos de idade e estava alcançando certa fama na faculdade, a Inglaterra foi visitada por uma terrível peste, chamada de Peste Negra. Supõe-se que ela tenha aparecido pela primeira vez na Tartária e, depois de devastar vários países da Ásia, prosseguiu pelas margens do Nilo até as ilhas da Grécia, levando devastação para quase todas as nações da Europa. Tão imensa foi a perda de vidas humanas que alguns dizem que um quarto da população foi eliminada, e outros, que metade da raça humana, além do gado, foi levada em certas partes. Essa visitação alarmante encheu a mente piedosa de Wycliffe com as mais sombrias apreensões e temerosos pressentimentos quanto ao futuro. Foi como o som da última trombeta em seu coração. Ele concluiu que o dia do julgamento estava próximo. Solenizado com os pensamentos sobre a eternidade, ele passou dias e noites em seu quarto, e sem dúvida em fervorosa oração por orientação divina. Ele se apresentou como defensor da verdade; encontrou sua armadura na Palavra de Deus.
Por seu zelo e fidelidade na pregação do evangelho,
principalmente ao povo comum aos domingos, adquiriu e mereceu o título de “doutor
evangélico”. Mas o que lhe trouxe tanta fama e popularidade em Oxford foi sua
defesa da universidade contra as invasões dos frades mendicantes. Ele corajosa
e impiedosamente atacou essas ordens, que ele declarava serem o grande mal da Cristandade.
Elas eram, então, quatro em número -- Dominicanos, Minoritas ou Franciscanos,
Agostinianos e Carmelitas – e se enxameavam nas melhores partes da Europa. Eles
se esforçaram muito em Oxford, como até então em Paris, para ali se elevarem.
Eles aproveitaram todas as oportunidades para atrair os alunos para seus
conventos, os quais, sem o consentimento de seus pais, se alistavam para as
ordens mendicantes. Esse sistema de lavagem cerebral prosseguiu a tal ponto que
os pais evitavam enviar seus filhos às universidades. Em certa época, trinta
mil jovens estudavam em Oxford, mas, por causa desses frades, o número foi
reduzido para seis mil. Bispos, padres e teólogos em quase todos os países e
universidades da Europa lutavam contra esses enganadores, mas com pouco efeito,
pois os pontífices os defendiam vigorosamente como seus melhores amigos e
conferiam-lhes grandes privilégios.
Wycliffe atacou ousadamente, e, cremos, fatalmente, a raiz
desse grande mal universal. Próximo ao declínio do poder papal, do qual já tomamos
nota, podemos começar a notar o das ordens mendicantes. Ele publicou alguns
artigos espirituais intitulados "Contra o mendigo saudável",
"Contra o mendigo ocioso" e "A pobreza de Cristo".
"Ele denunciou a mendicância em si, e todos os outros como mendigos
saudáveis, que não deveriam ser autorizados a infestar a terra. Ele os acusou
de cinquenta erros de doutrina e prática. Ele os denunciou por interceptarem as
esmolas que deveriam pertencer aos pobres; por seu sistema inescrupuloso de
proselitismo; por sua invasão de direitos paroquiais; por seu hábito de iludir
as pessoas comuns com fábulas e lendas; por suas pretensões hipócritas de
santidade; por sua lisonja para com os grandes e ricos, a quem deveriam na
verdade reprovar por seus pecados; por seu apego ao dinheiro por todos os
meios, pelo esplendor desnecessário de seus edifícios, enquanto as igrejas
paroquiais eram largadas à decadência. "*
{* J.C.
Robertson, vol. 4, pág. 201.}
Wycliffe tornara-se então o líder reconhecido de um grande
partido na universidade e na Igreja, e dignidades e honras foram-lhe conferidas.
Mas se ele tinha ganhado muitos amigos, tinha também muitos inimigos cuja ira era
perigoso provocar. Seus problemas e mudanças então começaram. Os frades
forneceram ao papa informações sobre tudo o que estava acontecendo. Em 1361,
ele foi promovido a mestre do Balliol College e à reitoria de Fillingham.
Quatro anos depois foi escolhido guardião do Canterbury Hall. Seu conhecimento
das escrituras, a pureza de sua vida, sua coragem inflexível, sua eloquência
como pregador, seu domínio da linguagem das pessoas comuns, tornavam-no objeto
de admiração geral. Ele afirmava que a salvação era pela fé, por meio da graça,
sem mérito humano de forma alguma. Isso foi impactante, não apenas contra os
males externos, mas contra os próprios fundamentos de todo o sistema papal.
Guiado pela sabedoria divina, ele começou sua grande obra no lugar certo e da
maneira certa. Ele pregou o evangelho e explicou a Palavra de Deus ao povo em
inglês vernáculo. Desta forma, ele plantou profundamente na mente popular
aquelas grandes verdades e princípios que eventualmente levaram à emancipação
da Inglaterra do jugo e da tirania de Roma.