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domingo, 18 de setembro de 2022

A Situação da Igreja no Início do Século XVI

Tal, como descrevemos na seção anterior, era o poder ilimitado do sacerdócio romano no início deste século. Nenhum homem era independente do padre. Ele era o senhor da consciência humana. Seu poder era absoluto tanto sobre o corpo quanto sobre a alma, sobre o tempo e a eternidade. Ninguém podia se dar ao luxo de incorrer em seu desagrado ou de cair sob sua censura. A excomunhão separava o homem, qualquer que fosse sua classe ou posição, da igreja, além de cujas fronteiras não havia possibilidade de salvação. 

Não é pouco notável que até este ponto em que estamos estudando a História da Igreja nenhum perigo parecia ameaçar esse sistema monstruoso e imponente de iniquidade. Do Vaticano até a menor congregação, a soberania e a tranquilidade da Igreja pareciam estar completamente asseguradas. As várias heresias e comoções que a perturbaram durante séculos foram suprimidas a fogo e espada, as queixas e petições de seus filhos mais fiéis foram rejeitadas com impunidade insolente; e as advertências de seus amigos mais sinceros foram negligenciadas ou desprezadas. Onde estavam agora os valdenses, os albigenses, os begardos, os lolardos, os boêmios e os vários sectários? Eles foram silenciados ou extintos pela administração papal. É verdade que houve muitos murmúrios particulares contra a injustiça, as fraudes, a violência e a tirania da corte de Roma; também contra os crimes, ignorância e licenciosidade de todo o seu sacerdócio; mas os pontífices se acostumaram a esses murmúrios e podiam ou conciliar com seus favores ou desafiar com suas censuras, conforme melhor convinha à sua política. 

Podemos imaginar a falsa mulher, segundo a linguagem do Apóstolo João, examinando com exultação os pilares e baluartes de sua força. "Estou assentada como rainha, e não sou viúva, e não verei o pranto." Ela não deu atenção à voz que havia dito: "Porque já os seus pecados se acumularam até ao céu, e Deus se lembrou das iniquidades dela". (Ap 18:7,5

O tempo de Deus havia chegado para pelo menos um cumprimento parcial desta profecia. O mandado de prisão foi proclamado. Justo quando pensava que tudo estava seguro e resolvido para sempre, o fim de sua dominação descontrolada estava próximo. Mas como isso ocorreria? Uma reforma da igreja em sua cabeça e membros havia sido o clamor geral por eras; mas todas essas exigências e reclamações ela desafiava. O que agora deveria ser feito? Será que algum anjo poderoso deveria descer do céu para derrubar o despotismo de Roma e quebrar o jugo do papado que há tanto tempo prendeu em grilhões os corpos e almas dos homens? Não! Tais meios não foram necessários e não foram utilizados, para que Deus seja glorificado. Naquilo que os soberanos mais poderosos com suas legiões armadas falharam completamente, Deus realizou plena e gloriosamente por meio de um desconhecido monge na Saxônia, sozinho. 

Este foi Martinho Lutero de Eisleben. Ele foi a voz de Deus que despertou a Europa para esta grande obra e chamou os trabalhadores para o campo. Mas se quisermos formar uma estimativa justa do principal instrumento de Deus nesta obra poderosa, e da graça que o qualificou, devemos olhar para o que é importante no início da vida do grande reformador. D'Aubigné, em seu amor por Lutero, fala dele como tendo experimentado em sua própria alma as diferentes fases da Reforma antes de serem realizadas no mundo, e exorta seu leitor a estudar sua vida antes de prosseguir para os eventos que mudaram o rosto da Cristandade. 

domingo, 15 de novembro de 2020

A Conexão entre as Testemunhas

Antes de deixar os morávios, podemos lembrar à mente do leitor o fato interessante de uma conexão antiga entre eles e os valdenses, se não também entre eles e os paulicianos. A Boêmia e a Morávia continuaram no paganismo até o século IX, quando receberam o evangelho dos missionários orientais; provavelmente também dos paulicianos. Pedro Valdo, no século XII, expulso de Lyon pela perseguição, encontrou refúgio na Boêmia, onde trabalhou por vinte anos com grande sucesso. No século XIV, seus seguidores na Boêmia e Passau somavam oitenta mil e, em toda a Europa, cerca de oitocentos mil. A corte de Roma, irritada com o zelo e ofendida pelas práticas dos unidos paulicianos, valdenses, boêmios e morávios, resolveu que deveriam ser submetidos ao jugo romano. O celibato foi ordenado, o cálice foi proibido aos leigos e o serviço religioso realizado em latim. Uma luta começou, os boêmios protestaram, Roma perseguiu e, embora muitos continuassem firmes, outros gradualmente declinaram e perderam muito de sua pureza original de doutrina e simplicidade de adoração. Assim, as coisas continuaram por cerca de trezentos anos, quando Jan Hus e Jerônimo de Praga levantaram novamente o estandarte da verdade, testemunharam contra as corrupções de Roma e acenderam, pelas chamas de seu martírio, uma luz que logo se espalhou por toda a Europa, e que continua a brilhar em nossos dias, pela boa providência de Deus. Rastrearemos em seguida o caminho misterioso pelo qual essa luz viajou.* 

{* Ver "Moravians" em Dictionary of Sects, de Marsden; Waddington, vol. 3, pág. 196; Latin Christianity, vol. 6, pág. 200; Milner, vol. 3, pág. 336; J.C. Robertson, vol. 3, pág. 284; Mosheim, vol. 3, pág. 17; Variations of Popery, de Edgar, pp. 202, 533.}

domingo, 18 de outubro de 2020

O Exame de Jan Hus

No primeiro movimento contra Hus, o arcebispo de Praga instituiu uma busca vigilante pelas traduções dos escritos de Wycliffe; e, tendo coletado cerca de duzentos volumes, muitos deles ricamente encadernados e decorados com preciosos ornamentos, fez com que fossem queimados publicamente no mercado de Praga. Tanto foi dito quanto à identidade das doutrinas de Hus com as de Wycliffe, que o concílio condenou como heréticos sob quarenta e cinco proposições; e decretou que os ossos de Wycliffe deveriam ser tirados de sua sepultura e queimados. Hus também foi acusado de estar "infectado com a lepra dos valdenses". Sob esses dois nomes, o do wycliffismo e do valdensianismo, um vasto número de acusações especiais, grosseiramente ofensivas à hierarquia, foram contidas. 

O concílio, embora empenhado na destruição de Hus, teria evitado de bom grado o escândalo de um exame público. Certas passagens que seus inimigos extraíram de seus escritos foram consideradas suficientes para sua condenação sem uma audiência pública. Consequentemente, ele foi continuamente assediado e perseguido em sua cela por visitas privadas, incitando-o a se retratar ou confessar; e não raramente foi escarnecido e insultado. Ele protestou contra esta inquisição secreta e exigiu para sua defesa uma audiência de todo o concílio. Seu fiel amigo, John de Chlum, com outros nobres da Boêmia, pediram ao imperador que interferisse, e com sua ajuda o objetivo dos padres foi derrotado e um julgamento público foi obtido. 

Em 5 de junho de 1415, Jan Hus foi levado acorrentado ao grande senado da Cristandade. As acusações contra ele foram lidas. Mas quando ele propôs manter suas doutrinas pela autoridade das Escrituras e do testemunho dos Pais, sua voz foi afogada em um tumulto de desprezo e escárnio. A assembleia foi obrigada a encerrar seus trabalhos. Dois dias depois, ele foi trazido novamente, e o próprio Sigismundo compareceu para preservar a ordem. 

Os acusadores de Hus eram numerosos, embora menos clamorosos do que no dia anterior. Com exceção de dois ou três nobres boêmios, o reformador ficou sozinho. Ele estava grandemente exausto pela doença e enfraquecido pelo longo confinamento, mas seu nobre espírito recusou-se a se curvar diante da violência de seus perseguidores. Ele respondeu com grande calma e dignidade: "Não me retratarei, a menos que você prove o que eu disse ser contrário à Palavra de Deus", foi sua resposta usual. Quando acusado de ter pregado as doutrinas wycliffitas, ele admitiu ter dito que "Wycliffe era um verdadeiro crente, que sua alma agora estava no céu, que ele não poderia desejar que sua própria alma estivesse mais segura do que a de Wycliffe." Essa confissão provocou uma explosão de risos desdenhosos dos reverendos padres; e, após algumas horas de discussão turbulenta, Hus foi retirado e a assembleia se desfez; ele voltou para sua prisão, e eles, ou pelo menos muitos deles, para suas cenas da mais grosseira devassidão.

domingo, 27 de setembro de 2020

O Tenebroso Ano de 1560

Por volta do ano 1560, o papa Pio IV foi tomado por um acesso de grande zelo contra a disseminação da heresia. Havia relatos de que os valdenses criaram raízes profundas em várias partes da Itália, além dos vales de Piemonte. As comunidades subalpinas e todos os distritos “infectados” foram colocados sob interdições papais. Outra cruzada foi pregada, e grandes preparativos foram feitos para o extermínio completo dos hereges. O vice-rei espanhol de Nápoles, comandando as tropas pessoalmente e auxiliado por um inquisidor e vários monges, entrou nos assentamentos valdenses na Calábria. Emanuel Felisberto, duque de Saboia, marchou com uma força armada em Piemonte; e o rei francês em Delfinado. "Os pobres homens dos vales", com suas esposas e filhos, agora se viam expostos ao poder hostil do rei francês de um lado dos Alpes, e ao do duque de Saboia do outro. Os lavradores industriosos da Calábria, com seus ministros, professores e famílias, foram cercados pelas tropas do vice-rei espanhol.

Assim preparados para a matança dos santos, foi ordenado aos valdenses que banissem seus ministros e professores, se abstivessem do exercício de suas próprias formas de adoração e comparecessem aos serviços da igreja romana. Eles nobremente recusaram. Foram dadas as ordens para confisco, prisão e morte. A espada impiedosa da perseguição foi abertamente desembainhada e não voltou à bainha por mais de cem anos. O terrível trabalho de sangue e carnificina começou. Duas companhias de soldados, chefiadas por agentes do papa, continuaram matando, queimando e devastando os camponeses indefesos da Calábria, até que o trabalho de extermínio estivesse quase concluído. Um remanescente clamou por misericórdia, por suas esposas e filhos, prometendo deixar o país e nunca mais voltar; mas os inquisidores e monges não sabiam como mostrar misericórdia. As crueldades mais bárbaras foram infligidas a muitos, todo o aparato das perseguições pagãs foi revivido, até que os protestantes foram exterminados no sul da Itália. Um de seus principais ministros, Luís Pascal, que afirmava que o papa era um anticristo, foi levado a Roma, onde foi queimado vivo, na presença de Pio IV, para que pudesse deleitar seus olhos com a visão de um herege em chamas. Mas a piedade e os sofrimentos de Pascal despertaram a piedade e a admiração dos espectadores.

Centenas de valdenses nos vales pereceram no palanque ou na fogueira; as aldeias fervilharam de rufiões que, em nome dos oficiais da justiça, saquearam os habitantes indefesos e os arrastaram para a prisão, até que as masmorras ficassem lotadas com as vítimas. As planícies estavam desertas; as mulheres, crianças, débeis e idosos foram enviados para refúgios nas alturas das montanhas, nas rochas e nas florestas. Os homens, aproveitando a natureza do país, decidiram resistir. Todos os homens e meninos que sabiam manejar uma arma se juntaram em pequenas brigadas e posicionaram-se para se defenderem das tropas. O duque não estava muito inclinado a continuar uma guerra de guerrilha e logo retirou seus soldados; mas isso foi só por um pouco de tempo. De acordo com antigos tratados, os homens dos vales tinham certos direitos e privilégios que seus soberanos relutavam em violar, mas muitas vezes cediam à importunação e às deturpações da hierarquia romana. A partir das seguintes datas, o leitor verá como foram breves seus períodos de descanso: "Os anos 1565, 1573, 1581, 1583 e o período entre 1591 e 1594 são memoráveis ​​como datas de conflito religioso e civil. Mas nunca a majestade da verdade e da inocência se destacaram com mais clareza à vista do que durante as tempestades de perseguição que assolaram em intervalos pelos próximos cem anos e mais."*

{* Enciclopédia Britânica, vol. 21, pág. 543.}

O testemunho do Dr. Beattie, que visitou os vales protestantes de Piemonte, Delfinado e do Ban de la Roche, vai no mesmo sentido: "Mas a ferocidade da perseguição parecia apenas aumentar a medida de sua fortaleza... Embora marcadas como vítimas de massacre indiscriminado, de pilhagem sem lei, de tortura, extorsão e fome, a resolução deles de perseverarem na verdade permaneceu inabalável. Cada punição que a crueldade poderia inventar, ou que a espada poderia infligir, havia gasto sua fúria em vão; nada poderia subverter a fé ou subjugar a coragem deles. Em defesa de seus direitos naturais como homens -- em apoio de seu credo insultado como membros da igreja primitiva em resistência àqueles decretos exterminadores que tornaram suas casas desoladas e inundaram seus altares com sangue -- os valdenses exibiram um espetáculo de fortaleza e resistência que não tem paralelo na história."*

{* Scenery of the Waldenses, William Beattie M.D. Veja também um extenso relato dos valdenses em Church History, de Milner, vol. 3.}

Tendo trazido a história das testemunhas até o século XVI, iremos deixá-las por agora, na esperança de reencontrá-las quando chegarmos novamente a esse período em nossa história geral.

Os Missionários Valdenses

Com o duplo objetivo de espalhar a pura verdade do evangelho e de encontrar novos e mais pacíficos assentamentos, muitos deles, no final do século XIV, deixaram seus vales nativos e se estabeleceram na Suíça, Morávia Boêmia, várias partes da Alemanha, e provavelmente na Inglaterra. Mas a mais extensa dessas colônias foi formada na Calábria no ano de 1370. Sendo pacíficos em seus modos, industriosos em seus hábitos e estritamente morais em todos os seus caminhos, eles logo ganharam a confiança de seus senhores feudais e o afeto de seus vizinhos. Os senhores do país viram suas terras enriquecidas e fertilizadas pela lavoura superior dos novos colonos, e concederam-lhes muitos privilégios.

Eles foram autorizados a convidar pastores da igreja matriz nos Alpes e a introduzir professores para seus filhos. Mas essa prosperidade temporal e espiritual, com tanto conforto social, era uma ofensa intolerável para o mau-olhado do papado. Os padres rosnaram e murmuraram muito. Eles reclamaram com os senhores feudais que os estranhos não se conformavam com os ritos da igreja romana; que eles não guardavam missas para o repouso de seus mortos, que eram hereges. Os senhores, porém, não estavam dispostos a ouvir os padres. "Eles são um povo muito justo e honesto", disseram eles, "todos sabem que são temperantes, industriosos e, em suas palavras, peculiarmente decentes. Quem já os ouviu proferir uma expressão blasfema? E enquanto enriquecem nossas terras e pagam seus aluguéis pontualmente, não vemos razão para condená-los. "

Em todos os países e em todas as épocas, os sacerdotes de Roma foram os maiores inimigos da religião pura e simples da Bíblia; e também da educação, da tolerância, da luz, da liberdade e de toda forma de melhoria social. Seu poder, seus interesses, sua sensualidade e todas as suas paixões malignas são necessariamente expostas e minadas pela introdução da luz ou pela tolerância da liberdade. Mas os interesses temporais dos senhores os levaram a proteger seus inquilinos e mantê-los em seus privilégios. Temos aqui uma das passagens misteriosas da providência divina, sobre a qual a mente se deleita em se demorar um pouco. Por quase duzentos anos, esses não-conformistas foram autorizados a permanecer e se multiplicar nos distritos da Calábria, nos arredores de Roma. Mas, por fim, o papa ouviu as queixas dos padres, e a nuvem negra, que há muito se formava nas planícies pacíficas da Calábria e da Apúlia, irrompeu sobre eles com toda a sua fúria.

As Perseguições Valdenses

No ano de 1380, um monge inquisidor chamado Francisco Borelli foi nomeado por Clemente VII para procurar os hereges nos vales do Piemonte. Armadas com esta bula papal, as comunas de Fraissinières e Argentière foram saqueadas em busca de hereges. No espaço de treze anos, cento e cinquenta valdenses foram queimados em Grenoble, e oitenta em torno de Fraissinières. Havia agora um motivo duplo para a perseguição: uma lei foi feita para que metade dos bens dos condenados fossem para o tribunal dos inquisidores e a outra metade para seus senhores seculares. Assim, a avareza, a malícia e a superstição foram unidas contra os inofensivos camponeses. Mas essas queimadas foram muito poucas e distantes entre si para satisfazer a sede de Roma pelo sangue dos santos de Deus.

No inverno de 1400, o massacre estendeu-se de Delfinado até o vale italiano de Pragela. Os pobres, vendo suas cavernas nas montanhas possuídas por seus inimigos, fugiram pelos Alpes. Mas a severidade da estação e o tempo frio das altas altitudes foram fatais para quase todos os que escaparam das mãos da matança. Muitas mães carregavam seus filhos e conduziam pela mão as crianças que já andavam. Mas o frio e a fome rapidamente trouxeram seu alívio. Diz-se que cento e oitenta bebês morreram nos braços de suas mães, e logo foram seguidos, com outras crianças, por suas mães com o coração partido. Nenhuma estimativa pode ser feita do número que pereceu pelas tiranias e crueldades de Roma. Mas o céu não adivinha seu número, nem mesmo seus nomes. Os pais e filhos martirizados têm seu registro e recompensa eterna nos céus, enquanto seus perseguidores tiveram tempo para avaliar sua culpa e sentir sua punição nestes últimos séculos, no lugar de uma desgraça sem esperança. Em alusão a tais cenas, o mais nobre de nossos poetas compôs o seguinte soneto:

"Vinga, ó Senhor, teus santos massacrados, cujos ossos

Jazem espalhados no frio das montanhas alpinas;

Mesmo aqueles que mantiveram a Tua verdade tão pura no passado,

Quando todos os nossos pais adoravam troncos e pedras,

Não te esqueças; em Teu livro registra seus gemidos,

Quem eram as Tuas ovelhas, e em seu antigo redil,

Mortos pelo sangrento piemontês, que rolou

Mãe com filho para as rochas abaixo. Seus gemidos

Os vales redobraram para as colinas, e eles

Ao céu. Seu sangue martirizado e cinzas semeiam

Sobre todos os campos italianos, onde ainda prevalece

O triplo tirano; que destes possa crescer

Centenas, que, tendo aprendido o Teu caminho,

Logo possam fugir da desgraça babilônica." – MILTON (Tradução livre)

Os fogos da perseguição foram novamente acesos no vale de Fraissinières, no ano de 1460, por um monge da ordem dos Frades Menores, armado com a autoridade do Arcebispo de Embrun. Privados das relações sociais, expulsos de seus locais de culto, cercados de inimigos, eles não tinham recursos, nem refúgio, mas viviam em uma boa consciência para com o Deus vivo. Os inquisidores fizeram seu trabalho cruel.

Em Piemonte, o arcebispo de Turim trabalhou incessantemente para promover as perseguições aos valdenses. A acusação contra eles era que não faziam oferendas pelos mortos, não davam valor a missas e absolvições, e não tomavam o cuidado de redimir seus parentes das dores do purgatório. Mas os príncipes de Piemonte, que eram duques de Saboia, não estavam dispostos a perturbar seus súditos, de cuja lealdade, paz e diligência haviam recebido tão bons relatos. No entanto, todo método que a fraude e a calúnia poderiam inventar foi praticado contra eles. Os padres finalmente prevaleceram, e o poder civil permitiu que a hoste do dragão satisfizesse sua sede de sangue.

Por volta do ano de 1486, a memorável Bula de Inocêncio VIII deu poderes ilimitados a Alberto de Capitaneis, arquidiácono de Cremona, para levar o confisco e a morte para os vales “infectados”. Um exército de dezoito mil foi levantado e precipitado sobre os retiros nas montanhas dos valdenses. Levados ao desespero, e aproveitando as vantagens naturais de sua posição geográfica, eles se defenderam com bastões de madeira e bestas -- as mulheres e crianças rezando -- e transformaram em confusão essa grande força militar.

A casa de Saboia -- que foi estabelecida como autoridade suprema em Piemonte em meados do século XIII -- agiu de maneira branda e tolerante para com o povo banido; mas, é triste dizer, a mãe-regente, assim como foi com Teodora e Irene, durante a juventude de seu filho, foi a primeira a assinar um documento oficial para sua perseguição. Ela apelou às autoridades de Pinerolo para ajudar os inquisidores a obrigar os hereges a regressar ao seio da igreja – mostrando-se uma filha digna de sua mãe Jezabel! Mas não conseguiram que nenhum dos habitantes fosse forçado a retornar aos braços de Roma. A espada foi então lançada sobre eles; e logo os riachos dos vales ficaram tingidos com o sangue dos santos. Decretos subsequentes dos filhos foram mais tolerantes. Eles começaram a falar de seus súditos valdenses, não sob a detestável denominação de hereges, mas como religiosos, homens dos vales e vassalos fiéis, a quem eles reconheceram como súditos privilegiados por causa de antigas estipulações.

Até então, Roma havia falhado completamente em realizar seu objetivo cruel e demoníaco. Ela havia decidido exterminar esses obstinados oponentes do papado, mas fiéis testemunhas da verdade, e erradicar o nome deles dos vales. Mas, é maravilhoso dizer, nem as execuções individuais nem os massacres indiscriminados, nem a traição secreta nem a violência aberta puderam prevalecer para sua extinção. Mas Jezabel continuou tramando; e a tiara e a mitra geralmente mostraram-se fortes demais frente à coroa.

Os Valdenses

Nossa história naturalmente sempre remete à cruzada fatal contra os albigenses no século XIII. Essa região outrora bela, em alguns aspectos a província mais rica e civilizada do império espiritual de São Pedro, vimos ser despovoada e desolada. Os pacíficos habitantes ousaram questionar os dogmas do Vaticano e a autoridade do sacerdócio, o que era um pecado imperdoável contra a majestade de Roma. Os decretos de Inocêncio, a espada de Monforte, as fogueiras de Arnaldo, a traição de Fouquet e a Inquisição de Domingos fizeram seu terrível trabalho. Mas os poderes combinados da Europa, com fogo e espada e masmorras sufocantes, não conseguiram tocar a raiz do que Inocêncio chamou de heresia. O princípio divino e vital do Cristianismo estava muito, muito além de seu alcance. A espada pode cortar os galhos e o fogo pode consumi-los; mas a raiz viva está na verdade e graça de Deus, que nunca pode falhar. O espírito do Cristianismo é mais forte do que a espada do perseguidor, e o braço no qual a fé se apoia é mais poderoso do que as forças combinadas da terra e do inferno. A fraqueza do papado se manifestou em seus aparentes triunfos em Languedoque. Os hereges, como Jezabel pensava, foram afogados em sangue, mas um remanescente ensanguentado foi poupado, na boa providência de nosso Deus, para dar testemunho, em todas as partes da Europa, da injustiça, das crueldades e do despotismo espiritual da Roma papal.

Os exilados do sul da França que haviam escapado da espada foram até os limites extremos da Cristandade pregando as doutrinas da cruz e testemunhando, com santa indignação, contra as falsidades e corrupções da igreja dominante. Em diferentes partes da França, na Alemanha, Hungria e regiões vizinhas, os sectários apareceram em grande número, e os papas encontraram muitos dos reis pouco inclinados a se esforçarem pela supressão dos cátaros, como os chamavam, ou das várias seitas religiosas. Também é mais do que provável que muitos dos perseguidos nessa época procurassem um lugar para descansar nos vales tranquilos do Piemonte. A mais isolada dessas regiões parece ter sido um asilo seguro para as testemunhas de Deus até o século XIV. Embora conhecidos de Cláudio, bispo de Turim, no século IX, eles parecem ter escapado da notoriedade e do conflito até por volta do século XIII, se não mais tarde. Mas à medida que a escuridão do papado se adensava ao redor deles, o brilho do exemplo deles tornou-se mais visível e sentido. Calúnias foram inventadas e os piedosos valdenses foram taxados de cismáticos réprobos. Estavam espalhados pelos vales de ambos os lados dos Alpes Cócios -- Delfinado do lado francês e Piemonte do lado italiano das montanhas.

Desde tempos imemoriais, essas regiões alpinas foram habitadas por uma raça de cristãos que continuou a mesma de geração em geração, que nunca reconheceu a jurisdição do pontífice romano, e que passou através de todos os períodos da história eclesiástica como um ramo puro da igreja apostólica. Mas seus retiros pacíficos, seus lares felizes, sua adoração simples e seus hábitos industriais logo seriam invadidos e desolados pelos inquisidores romanos. A tragédia começa. Do século XV ao presente, sua história é uma narrativa de lutas sanguinárias pela existência, com poucos intervalos de repouso. Muitas vezes eram levados ao desespero, mas a igreja dos vales sobreviveu a tudo isso. Como o arbusto em chamas, queimou, mas não foi consumido. Sua fortaleza não era apenas as montanhas alpinas, mas a verdade do Deus vivo.

Reflexões Sobre os Escolásticos

É o bastante – sim, dizemos o bastante – sobre os doutores escolásticos e os filósofos em divindade para o nosso propósito atual. Percorrer vários e selecionar alguns como espécimes genuínos é um trabalho árido e cansativo. Mas eles constituem um certo elo na cadeia de eventos entre os séculos XII e XVI que tem sua importância; e o leitor verá o que significa o termo geral de "os escolásticos" nesse período de nossa história. Uma lição salutar que podemos aprender, pelo menos com os exemplos que temos diante de nós, é sobre a total escuridão e perplexidade da mente, por maior que seja o aprendizado e estudo, quando a Palavra de Deus, em sua divina simplicidade, não é conhecida nem crida. Um único texto, tal como "O justo viverá pela fé", quando usado por Deus nas mãos de Lutero, foi suficiente para limpar as trevas da Idade Média, enquanto os dezessete volumes in-fólio de Tomás de Aquino e todos os outros volumes de todos os grandes escolásticos apenas aprofundaram a escuridão da ignorância e perplexidade quanto ao conhecimento de Deus e o caminho da salvação. O maior desenvolvimento das faculdades naturais da mente humana não conduz nenhum pecador culpado à cruz de Cristo – ao precioso sangue que, somente ele, purifica de todo pecado. O inimigo das almas, aproveitando a crescente fama da filosofia aristotélica, seduziu os melhores dentre os doutores a acreditarem que a obra mais importante em que poderiam se dedicar era a reconciliação do ensino de Cristo com os decretos do filósofo grego, de forma que os estudiosos não pensassem mais deste último do que do primeiro. Tal era o trabalho miserável dos melhores escolásticos da época; mas sem dúvida muitas das mentes mais simples, que não foram cegadas pelas sutilezas da lógica, encontraram o caminho da verdade e da salvação em meio às trevas, embora muito perplexas e desnorteadas.

A igreja de Cristo mal era visível na Europa nessa época, com exceção das igrejas dos vales; ali a verdadeira luz continuou a arder, e milhares encontraram "o caminho mais excelente", apesar de toda a união dos poderes da Terra, tanto seculares como eclesiásticos, para extingui-la. Mas ali estava o verdadeiro edifício de Deus, e as portas do inferno nunca poderiam prevalecer contra as obras de Suas mãos. Agora nos voltamos para renovar nosso conhecimento sobre os valdenses e outros protestantes daquela época.

terça-feira, 24 de março de 2020

Os Procedimentos Internos da Inquisição

Sob a chefia do papado, como todos sabemos agora, os atos mais sombrios, as mais irresponsáveis tiranias e crueldades desumanas que já enegreceram os anais da humanidade puderam ser escritas. Mas longos detalhes, por mais dolorosamente interessantes, ficariam fora do escopo deste livro. Portanto, nos contentaremos com algumas breves declarações e extratos. Nenhum tribunal -- podemos seguramente afirmar -- tão alheio à justiça, humanidade e a qualquer relacionamento sagrado da vida jamais existiu nem mesmo nos domínios do paganismo ou islamismo.

Quando uma pessoa era levemente suspeita de heresia, os espiões, chamados Familiares da Inquisição, eram empregados para vigiá-la com o objetivo de descobrir a menor acusação possível que permitisse entregá-la ao tribunal do Santo Ofício. O homem podia até ser um bom católico, pois Llorente nos garante que nove décimos dos prisioneiros eram fiéis à fé católica, mas que, talvez, fossem suspeitos de manter opiniões liberais, ou por talvez terem demonstrado em suas conversas que conheciam mais de teologia do que os monges iletrados, ou porque discordavam deles em algum ponto da doutrina. Qualquer uma dessas coisas seria suficiente para criar suspeitas, pois nada era mais temido do que uma nova luz ou verdade; tal pessoa era então marcada e denunciada pelos Familiares.

À meia-noite, ouve-se uma batida, e o suspeito é ordenado a acompanhar os mensageiros do Santo Ofício. Sua esposa e família sabem o que isso significa; a angústia deles é grande; eles devem agora se despedir do amado marido e do amado pai. Nem uma palavra de súplica ou remorso se atreve a respirar. Assim, repentina e inesperadamente, essa instituição assustadora atacava suas vítimas. As esposas deixavam seus maridos; os maridos, as mulheres; os pais, os filhos; e os mestres, seus servos, sem uma pergunta ou murmúrio sequer. O terror constituía o grande elemento de seu poder. Ninguém, do monarca ao escravo, sabia quando a batida poderia chegar à sua porta. Um sigilo impenetrável caracterizava todos os procedimentos dessa instituição. Esse sentimento de insegurança e as maquinações da imaginação ajudaram a exagerar a terrível realidade. Nem a classe, nem a idade, nem o sexo ofereceriam qualquer defesa contra sua vigilância incessante e sua severidade impiedosa.

O prisioneiro, a vítima indefesa, está agora dentro dos portões da Inquisição; e poucos que já entraram de lá saíram absolvido e quites; diz-se que não mais do que um em mil. Certas formalidades eram tomadas com o objetivo de questionar a suposta culpa do acusado, mas todas não passavam de uma grosseira zombaria à justiça. "O tribunal se sentava em profundo segredo, nenhum advogado podia comparecer perante o tribunal, nenhuma testemunha era confrontada com o acusado; ninguém sabia quem eram os informantes, quais eram as acusações, a não ser a vaga acusação de heresia. O suspeito herege era convocado, pela primeira vez, para declarar sob juramento que falaria a verdade, toda a verdade, sobre todas as pessoas vivas ou mortas e sobre ele próprio, sob suspeita de heresia ou valdensianismo. Se recusasse, seria lançado em uma masmorra, a mais sombria, a mais suja, a mais barulhenta, naqueles tempos sombrios. Nenhuma falsidade era tão falsa, nenhuma artimanha tão astuta, nenhum truque tão baixo, do que essa tortura moral deliberada e sistemática que era torcer da pessoa mais confissões contra ela própria e denúncias contra os outros. Era o objetivo deliberado dos inquisidores esmagar o espírito das pessoas; a comida dada ao prisioneiro era diminuída lenta e gradualmente até que o corpo e a alma se prostrassem. Ele era então deixado na escuridão, na solidão e no silêncio." A próxima parte do procedimento do Santo Ofício nessas prisões secretas era a aplicação de tortura corporal. A vítima indefesa era acusada de ocultar e negar a verdade. Em vão a pessoa afirmava que havia respondido a todas as perguntas de maneira plena e honesta, na extensão máxima de seu conhecimento; ela era instada a confessar se alguma vez tinha tido algum pensamento maligno em seu coração contra a Igreja, ou contra o Santo Ofício, ou contra qualquer outra coisa que escolhessem nomear. Não importava a resposta que desse, a pessoa era denunciada como um herege obstinado. Após algumas expressões hipócritas quanto ao amor pela alma da pessoa e quanto ao sincero desejo deles de libertá-la do erro, para que a pessoa pudesse obter a salvação, um vasto aparato de instrumentos de tortura lhe era mostrado; a tortura agora deveria ser aplicada para fazer a pessoa confessar seu pecado.

domingo, 19 de janeiro de 2020

As Barbáries de Simão e Arnaldo

Simão de Monforte, como senhor feudal do Viscondado de Béziers e Carcassona, foi obrigado, por seu mandato eclesiástico, a extirpar os hereges. Ele, portanto, continuou sua campanha; muitas cidades e castelos caíram em suas mãos, alguns pela força, outros pelo pânico. Na diocese de Albi, sede principal daquelas doutrinas condenadas, a guerra foi conduzida com a mais selvagem crueldade. Quando La Minerve, perto de Narbona, após uma defesa obstinada, se rendeu, alguém em cujo coração ainda restava uma centelha de humanidade propôs que fosse permitido que os vencidos fossem deixados livres caso desistissem de sua heresia; mas termos tão brandos foram contestados pelos monges impiedosos. "Os termos são fáceis demais", exclamaram, "viemos para extirpar hereges, não para lhes mostrar favor!" "Não tenhais medo", respondeu o abade em uma zombaria cruel, "não haverá muitos convertidos". E ele estava certo, mas não no sentido em que falava. Sua intenção era matar todos eles; mas a intenção dos albigenses, ou melhor, o firme propósito que tinham, era aceitar a morte em vez dos termos papais. Enquanto isso, os albigenses se reuniram para orar. O abade de Vaux-Cernay encontrou várias mulheres cristãs em uma casa, silenciosamente envolvidas em oração, e esperando o pior que poderia lhes acontecer. Elas não esperavam piedade desses "santos padres", e estavam preparadas para morrer. Ele também encontrou vários homens de joelhos em outra casa, aguardando pacificamente seu fim. O abade começou a pregar-lhes as doutrinas do papado, mas, em uma só voz, eles o interromperam, e todos exclamaram: "Não queremos nada da sua fé; renunciamos à igreja de Roma, seu trabalho é em vão, pois nem a morte nem a vida nos farão renunciar à verdade que possuímos". Pediu-se que De Monforte falasse com eles. Ele visitou homens e mulheres, ao todo cento e quarenta. "Convertam-se à fé católica", disse ele, "ou subam nessa fogueira". Ele já havia ordenado que uma enorme pilha de madeira seca fosse amontoada. Nenhum dos albigenses vacilou por sequer um momento. Eles negaram a supremacia do papa e a autoridade do sacerdócio; eles não possuíam qualquer cabeça (chefe) senão Cristo, e nenhuma autoridade além de Sua santa Palavra. Irritado de raiva pela constância e calma firmeza deles, ele ordenou que o fogo fosse aceso, e a pilha logo se tornou um monte de chamas. Os destemidos confessores do nome de Jesus, entregando suas almas em Suas mãos, correram voluntariamente para as chamas, como se subissem ao céu em uma carruagem de fogo.

Quando o castelo chamado Brau se rendeu, De Monforte arrancou os olhos de mais de cem dentre os defensores e vergonhosamente mutilou os demais, deixando um deles com um olho para que pudesse guiar o resto para fora. Disse o abade de Vaux-Cernay que o conde não se deleitava com tais coisas, "pois dentre todos os homens ele era o mais brando", mas fazia essas coisas porque desejava retaliar o inimigo. Tal foi o julgamento do monge historiador. Em Lavaur, a cidade do bom Roger Bernardo, conde de Foix, as barbáries superaram todas as precedentes, até mesmo as dessa terrível guerra. O conde é tido pelos valdenses como sendo um deles. "De todos os príncipes provinciais", diz Milman, "o conde de Foix era o mais poderoso e o mais detestado pela Igreja como favorecedor de hereges. Nesse caso, a acusação era mais uma honra do que uma calúnia. Ele era um homem profundamente religioso, o primeiro a elevar seu estandarte contra De Monforte, e foi um cavaleiro de valor, representando a fé cristã ". Por fim, a cidade caiu nas mãos dos sitiantes; um massacre geral foi permitido; homens, mulheres e crianças foram esquartejados, até que não restasse nada para matar, exceto alguns da guarnição e outros reservados para um destino mais cruel. Quatrocentos foram queimados em uma grande pilha, o que causou uma grande alegria no acampamento inimigo. E em meio a todo esse tumulto, em diabólica crueldade, os bispos e legados cantavam: "Vem, Espírito Santo". Foi aqui que o senhor Almerico, com oitenta nobres, foi levado diante de De Monforte, que ordenou que fossem enforcados, como já vimos. A piedosa dona Geralda também sofreu aqui, uma mulher de quem se diz: "Nenhum homem pobre jamais saiu de sua porta sem ser alimentado".*

{*Latin Christianity, vol. 4, p. 223; Gardner's Faiths of the World, "Albigenses."}

domingo, 1 de dezembro de 2019

A Dispersão dos Seguidores de Valdo

Quando Valdo fugiu, seus discípulos o seguiram. A dispersão aconteceu de modo similar à que surgiu por ocasião da perseguição de Estêvão. Os efeitos também foram similares: o bendito evangelho acabou sendo ainda mais amplamente disseminado por toda a Europa. O maior poder deles era a posse das Escrituras Sagradas em sua própria língua. Eles liam os Evangelhos; eles pregavam e oravam na língua popular. Muitos deles, sem dúvida, chegaram aos vales de Piemonte e às cidades de Languedoque. Uma nova tradução da Bíblia era, sem dúvida, uma rica adesão aos tesouros espirituais daquele interessante povo.

A cena estava então pronta para o papa Inocêncio III: as ameaças papais, tendo sido transmitidas por sua vigorosa mão, foram executadas com uma mente disposta e implacável. Ele, que tinha humilhado os grandes reis da Alemanha, França e Inglaterra, e que tinha recebido submissão implícita de quase todas as partes da Cristandade, ainda era renegado como o supremo chefe da igreja pelos valdenses, onde quer que fossem achados. Dificilmente um espírito como o de Inocêncio continuaria a suportar com calma essa resistência a sua vangloriada supremacia universal. Mas qual era o crime deles? Onde eles poderiam ser encontrados? E como eles deveriam ser tratados?

1. Eles tinham a mais alta reputação em todos os lugares, até mesmo por parte de seus piores inimigos, por sua modéstia, simplicidade, honestidade, castidade e temperança. "Em nenhum caso", diz uma alta autoridade que não era muito favorável aos que ele chamava de anti-sacerdotalistas, "a moral e os costumes de Pedro Valdo e dos Cristão Bíblicos Alpinos podiam ser arranhados por seus mais amargos inimigos". O "pecado mortal" deles vinha do apelo que faziam às Escrituras, e somente às Escrituras, em todos os assuntos de fé e adoração. Eles rejeitavam o vasto sistema da tradição-religião mantido pela igreja de Roma. Tanto em vida quanto em doutrina eles eram nobres testemunhas de Cristo e da simplicidade do evangelho; mas isso acabava se constituindo como um poderoso protesto contra a riqueza, o poder e as superstições da religião dominante. Eles rejeitavam os quase inumeráveis sacramentos de Roma, e mantinham a posição de que havia só dois deles no Novo Testamento -- o batismo e a ceia do Senhor. Em geral, podemos dizer que eles anteciparam e defenderam as mesmas doutrinas que, após um lapso de três séculos, seriam promulgados pelos reformadores da Alemanha e da Inglaterra, e que constituem o credo dos protestantes na atualidade.

2. O progresso dos "homens pobres de Lyon", após a perseguição deles, parece ter sido rápido e amplamente estendido. Dizem que eles se espalharam pelo sul da França, para a Lombardia e Aragon. "Em Lombardia e Provença", diz Robertson, "os valdenses tinham mais escolas do que os católicos; seus pregadores disputavam e ensinavam publicamente, enquanto o número e a importância dos patronos que os protegiam fizeram com que fosse perigoso interferir no trabalho deles. Na Alemanha, eles tinham quarenta e uma escolas na diocese de Passau, e eram numerosos nas dioceses de Metz e Toul. Da Inglaterra ao sul da Itália, desde Helesponto até o Ebro, suas opiniões eram amplamente difundidas."*

{* J.C. Robertson, vol. 3, pp. 179-202. Waddington, vol. 2, p. 187. History of France de Sir. J. Stephen, vol. 1, p. 218.}

3. Tal era o estado de coisas quando o papa Inocente III subiu ao trono papal. Com pressentimentos ansiosos e um olho de águia, ele observava esse espírito de independência religiosa, mas a questão era como ele poderia efetivamente esmagá-lo. Além disso, nessa época, como o leitor se lembrará, suas mãos estavam cheias. Ele estivera buscando destruir o equilíbrio de poder na Alemanha e na Itália, contendia com os reis da França e da Inglaterra, dirigia a marcha dos cruzados, e derrubava, por meio deles, o império grego em Constantinopla; mesmo assim ele ficou observando, e se determinou a punir cada dissidência dos dogmas da igreja de Roma e cada exercício da faculdade de pensamento de seus súditos religiosos. Havia altos rumores, por volta dessa época, de que os dois principais focos de desafeto em relação a Roma vinham dos vales de Piemonte e do sul da França. Os cristãos piemonteses floresceram na obscuridade, enquanto os albigenses se tornaram mais notórios, assim como mais perigosos, por causa da proteção que conseguiram nas ricas cidades de Languedoque. Raimundo VI, conde de Toulouse, não apenas favorecia aqueles que eram do credo valdense, considerando-os seus melhores súditos, como também os empregava em sua família, embora declaradamente fosse católico romano. O conde de Foix casou-se com uma valdense e, de suas duas irmãs, uma dizia ser valdense, e a outra catarista, ou puritana.

Pedro Valdo

Por uma semelhança de nomes, Pedro Valdo, o reformador de Lyon, tem sido frequentemente mencionado como o fundador da seita valdense. Pensamos ser este um erro, embora um erro facilmente cometido, e um que os romanistas avidamente aumentaram como um argumento contra a antiguidade dos valdenses, e que, portanto, foi adotado pela maioria dos registros históricos gerais. Mas o Sr. Elliot, em seu livro "Horae Apocalypticae", e aqueles mencionados na nota acima (seção anterior), examinaram a questão com grande paciência e pesquisa e, cremos, claramente estabeleceram uma conclusão sobre a ortodoxia e antiguidade dos "homens dos vales"*.

{* Veja no Dicionário de Marsden o artigo sobre os "Albigenses". Veja também: Milner, vol. 3, p. 92; e Scenery of the Waldenses, de Bartlett, Introduction.}

Ao mesmo tempo, Pedro Valdo é digno de todo elogio por seus serviços abnegados pela causa da verdade e contra o erro. Sua piedade, zelo e coragem foram muito notáveis em um período em que a hierarquia papal começava a perseguir todos aqueles que questionavam sua autoridade e infalibilidade. Ele foi, sem dúvida, levantado por Deus justamente naquela época para dar maior distinção ao testemunho dos camponeses alpinos. A simplicidade da adoração deles e a cena de sua tranquilidade parecem não ter excitado a inveja de seus vizinhos ou a suspeita da igreja católica até a época em que Pedro Valdo entrou em cena. Aconteceu, sob a mão de Deus, da seguinte maneira:

Por volta do ano 1160, as práticas de idolatria que acompanhavam a doutrina da transubstanciação impressionaram Pedro profundamente com um senso alarmante da iniquidade daquela época e das perigosas corrupções do papado. Isso levou à verdadeira conversão de sua alma a Deus. Desde aquele momento, ele passou a se dedicar a servir a Deus e à Sua glória. Ele abandonou suas ocupações mercantis e distribuiu suas riquezas aos pobres, em imitação aos primeiros discípulos. Muitos se reuniram em torno dele, e ele sentiu a necessidade de instrução nas coisas de Deus; perguntou-se, então, onde a encontraria. Ele ficou profundamente desejoso de compreender os Evangelhos que estava acostumado a ouvir na igreja. Ele, então, empregou dois eclesiásticos para traduzi-los para a sua língua nativa, assim como outros livros das Escrituras, e algumas passagens dos pais apostólicos. Essa foi a maior obra de Valdo, pela qual ele merece os melhores agradecimentos da posteridade. As Escrituras, naquela época, eram em grande medida um livro selado na Cristandade, estando disponíveis somente em Latim. Os seguidores de Valdo, estando assim providos com cópias das Escrituras em sua própria língua, eram capazes de explicar às pessoas que eles não estavam promovendo doutrinas próprias, mas uma fé pura conforme realmente existia na Bíblia. Seguindo o exemplo dos setenta, ele enviou seus discípulos, dois a dois, às aldeias vizinhas para pregar o evangelho.

Isso despertou os trovões do Vaticano. Enquanto Valdo e seus amigos se limitavam a protestar contra as inovações, a hierarquia não os molestava seriamente; mas assim que eles empregaram o temido motor -- as Escrituras na língua popular -- eles foram imediatamente amaldiçoados e excomungados. Até esse momento, os valdenses não contemplavam qualquer secessão da igreja, mas apenas sua reforma. Eles persistiram em pregar o glorioso evangelho da graça de Deus aos pecadores perdidos: e então um interdito foi emitido contra eles pelo arcebispo de Lyon. Valdo respondeu resolutamente: "Devemos obedecer a Deus, e não ao homem". A partir de então, "os homens pobres de Lyon", como eram chamados, foram rotulados pelo clero com descrédito e desprezo como hereges. Por três anos após essa primeira condenação, que ocorreu em 1172, Valdo conseguiu permanecer escondido na cidade de Lyon ou nas cidades próximas, mas o papa Alexandre III fulminou suas ameaças e terrores tão efetivamente, não apenas contra Valdo, mas contra todos que ousassem manter a menor comunicação com o reformador que, por amor de seus amigos, Valdo fugiu de Lyon e tornou-se um andarilho pelo resto de sua vida. Após buscar abrigo em vários lugares, mas não encontrando descanso em nenhum lugar, ele passou, enquanto andava entre os alpinistas boêmios, os ancestrais de Huss e Jerônimo, para seu descanso eterno por volta do ano de 1179.

Os Valdenses e os Albigenses

4. A origem dos assim chamados sectários ocidentais sob o nome dos valdenses é assunto de muita controvérsia. Uma classe de escritores, favoráveis ao catolicismo, visando envolvê-los na acusação comum de maniqueísmo, se esforçaram em provar que suas opiniões eram de origem oriental, ou pauliciana, enquanto que os escritores opositores ao catolicismo afirmam que eles eram livres do erro maniqueísta, e que foram os herdeiros e mantenedores, sendo algo passado de pai para filho, de um cristianismo puro e bíblico, desde os tempos de Constantino, se não desde os dias dos apóstolos.*

{* Na primeira edição deste livro, ocorre a seguinte frase: "Parece também ser muito certo que os albigenses das províncias do sul da França devem sua origem aos paulicianos." A maioria dos registros históricos gerais dão essa impressão; mas após consultar os registros históricos específicos e pesquisas trabalhosas de Peter Allix, D.D., W.S. Gilly, M.A., W. Beattie, M.D, e outros, estamos plenamente persuadidos da maior antiguidade dos albigenses, da pureza de sua fé e de sua localização alpina -- de que existiam como um povo cristão distinto muito antes dos paulicianos, ou até mesmo do papado.}

Mas, como atualmente não é tanto nosso objetivo traçar a história desse povo cristão antigo, simples e devoto, mas sim trazer à tona mais uma característica do papado sob a direção de Inocêncio em sua mais plenamente expressa blasfêmia e crueldade, satisfaremos o leitor apenas quanto a quem eram essas pessoas e quanto à cena de seu extermínio. "Os termos", diz o Dr. Gilly, "Vaudois em Francês, Vallenses em Latim, Valdisi em Italiano, e Waldenses na história eclesiástica inglesa, significava mais ou menos a ideia de 'homens dos vales'; e como os vales de Piemonte tiveram a honra de produzir um grupo de pessoas que tinham permanecido verdadeiras à fé introduzida pelos primeiros missionários que pregaram o Cristianismo naquelas regiões, esses sinônimos foram adotados como o nome distintivo de uma comunidade religiosa, fiel ao credo primitivo, e livre das corrupções da igreja de Roma."

Os albigenses, embora fossem essencialmente idênticos aos valdenses em matéria de fé, eram assim chamados porque a maior parte da Gália Narbonense, onde habitavam, era chamada de Albigésio, ou de Albi, uma vila em Languedoque. Os Alpes separavam as duas comunidades. Deus encontrou um refúgio para os valdenses nos vales do lado ocidental daquela grande cordilheira, onde foram preservados e fortificados por muitos séculos.  

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

A Babilônia de Apocalipse 17

Tem sido nosso desejo, desde o início desta obra, estudar a história de um ponto de vista bíblico, mas mais especialmente à luz das epístolas às sete igrejas do Apocalipse. Os males que estavam apenas brotando estão agora totalmente desenvolvidos. Em Pérgamo, temos Balaão ensinando que "comessem dos sacrifícios da idolatria, e fornicassem"; e em Tiatira, temos Jezabel introduzida, que impunha a idolatria pela força. Mas esses e muitos outros males encontraremos agora concentrados no cálice da falsa mulher de Apocalipse 17.

Penso que não podemos duvidar do significado do símbolo aqui utilizado. Não apenas uma mulher, mas uma mulher indecente e entronizada em meio às corrupções da cidade dos sete montes. "Aqui está a mente que tem sabedoria. As sete cabeças são sete montes, sobre os quais a mulher está assentada" (Apocalipse 17:9, Almeida Atualizada). Aqui temos um ponto material -- aquilo que sempre caracterizou Roma, tanto na prosa quanto na poesia; como disse alguém, falando de Arnaldo de Bréscia: "No serviço da liberdade, sua eloquência trovejava sobre as sete colinas". Todo leitor sabe de que cidade o historiador está falando por sua descrição. Mas a Palavra de Deus é perfeitamente clara para "a mente que tem sabedoria". Roma é claramente indicada, e suas corrupções religiosas são simbolizadas pela "mãe das prostituições" (Apocalipse 17:5). Mas por que, pode-se perguntar, ela é chamada de Babilônia? O termo é aplicado figurativamente, cremos, assim como Sodoma e o Egito são aplicados a Jerusalém em Apocalipse 11:8: "E jazerão os seus corpos na praça da grande cidade, que espiritualmente se chama Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado". Além disso, a Babilônia literal, a capital caldeia, foi construída sobre uma planície -- a planície de Sinar -- e não sobre montes.

Tendo esclarecido esses pontos, e sendo Roma plenamente identificada, aceitamos Apocalipse 17 e 18 como descritivos do papado. O caráter, a conduta, os relacionamentos, e o juízo final de sua Babilônia espiritual, estão aqui colocados diante de nós, não pela pena parcial e imperfeita da história, mas pelo Espírito de Verdade que vê tudo do início ao fim. O sistema papal como um todo é visto moralmente do ponto de vista de Deus. Isto é uma imensa vantagem para o homem de fé. Examinaremos agora, brevemente, algumas de suas mais proeminentes características.

1. Ela é vista em visão como "assentada sobre muitas águas" (v. 1). Isto é explicado pelo anjo no versículo 15 como significando "povos, multidões, nações e línguas". A figura implica que esta falsa mulher, ou o sistema religioso corrupto de Roma, exercita uma influência que arruína a alma sobre essas multidões, nações e línguas. Mas Deus vê tudo e marca tudo: sua história maligna está escrita no céu.

2. Ela é representada como tendo relações sexuais da maneira mais sedutora e indecente com todas as classes. "Com a qual se prostituíram os reis da terra; e os que habitam sobre a terra se embriagaram com o vinho da sua prostituição [fornicação]" (v. 2). Que estado de coisas para aquela que professadamente leva o justo nome de Cristo! O termo "prostituição" ou "fornicação" aqui usado significa, sem dúvida, o poder sedutor do sistema romano em afastar as afeições de Cristo, que é o único verdadeiro objeto da fé para o coração. O padre se coloca entre o coração e o bendito Senhor; a Bíblia é escondida; a mente de Deus é desconhecida; o povo é intoxicado com suas falsidades excitantes; e a verdadeira adoração, não sabem o que é. Toda a terra está corrompida pelo vinho de sua prostituição. Mas seu fim, seu terrível fim, rapidamente se aproxima, "porque os seus pecados se acumularam até o céu, e Deus se lembrou das iniquidades dela. Tornai a dar-lhe como também ela vos tem dado, e retribuí-lhe em dobro conforme as suas obras; no cálice em que vos deu de beber dai-lhe a ela em dobro" (Apocalipse 18:5,6).

3. Ela é, em seguida, vista como governando e dirigindo o poder civil. "E vi uma mulher montada numa besta cor de escarlata, que estava cheia de nomes de blasfêmia, e que tinha sete cabeças e dez chifres" (v. 3). Seja o império romano ressuscitado (Apocalipse 13), ou os diferentes reinos que se ergueram a partir das ruínas de sua unidade imperial, ou todos os governos e principados da terra, a mulher balança seu cetro, ou melhor, sua espada manchada de sangue, sobre todos, como se fosse um domínio seu que foi dado divinamente. O púrpura dos Césares foi reivindicado pelos papas, e "Vossa Santidade" foi proclamado um monarca universal. E essa nova amante do mundo não era assim apenas pelo nome. Ela se vestia de seu antigo nome com um novo poder. A Roma imperial nunca inspirou tanto terror com seus exércitos quanto a Roma papal com suas anátemas. "A Cristandade", disse alguém, "através de todos os seus domínios estendidos de trevas mental e moral, tremia enquanto o pontífice fulminava excomunhões. Monarcas tremiam em seus tronos pelo terror do despotismo papal, e agachavam-se perante seu poder espiritual como os mais insignificantes escravos. O clero considerava o papa como a fonte de sua autoridade subordinada, e o caminho para uma futura promoção. O povo, imerso em profunda ignorância e superstição, via sua supremacia como uma divindade terrena, que decidia pelos destinos temporais e eternos dos homens. A riqueza das nações fluíam para o tesouro sacro, e permitia ao [suposto] sucessor do pescador galileu e chefe da comunidade cristã rivalizar contra o esplendor da pompa e grandeza orientais"*. A extensão de seus domínios excedia de longe as mais vastas conquistas do império. Muitas nações que tinham escapado das garras de ferro da Roma imperial eram mantidas sob o jugo papal. Isto vimos em nossa história das guerras religiosas de Carlos Magno. Dentre essas nações temos a Irlanda, o norte da Escócia, a Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Prússia, a Polônia, a Boêmia, a Morávia, a Áustria, a Hungria, e uma parte considerável da Alemanha. Essas, sabemos, foram reunidas como ovelhas no rebanho do pastor de Roma por missionários tais como Bonifácio; mas, aos olhos de Deus, elas foram escravizadas pela tirania e usurpação da grande corruptora.

{*Variations of Popery, de Edgar, p. 157.}

4. Mas há ainda mais do que apenas se assentar sobre muitas águas e sobre a besta. Ele é cheia de idolatrias e da imundícia de sua prostituição. "A mulher estava vestida de púrpura e de escarlata, e adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas; e tinha na mão um cálice de ouro, cheio das abominações, e da imundícia da prostituição" (v. 4). Apesar de toda a sua glória exterior -- aquela que o mundo considera preciosa e bonita -- ela é, aos olhos de Deus, uma mulher indecente com uma bela taça cheia de todas as abominações. Já vimos seu amor tenaz por imagens (de ídolos), as quais são aqui referidas pelo termo "abominações".

5. Suas grandes, ostensivas e exclusivas pretensões de possuir a verdade de Deus. "E na sua fronte estava escrito um nome simbólico: A grande Babilônia, a mãe das prostituições e das abominações da terra" (v. 5). Este é o mais grave e pesado dos pecados de Roma; a horrível falsificação de Satanás e a mais baixa de todas as suas hipocrisias. Sobre a verdade, o mistério celestial, lemos: "Grande é este mistério", diz Paulo, "mas eu falo em referência a Cristo e à igreja" (Efésios 5:32). Mas no lugar de sujeição a Cristo e fidelidade a Ele, ela -- como uma mulher abandonada e desavergonhada -- corrompe, com seu abominável abraço, os grandes da terra. E isso não é tudo. Ela é a mãe -- a mãe das prostituições, que tem muitas filhas. Todo sistema religioso da Cristandade que tende, em qualquer medida, a guiar as almas para longe de Cristo, a engajar suas afeições a coisas que se põem entre o coração e o Homem na glória, está relacionado a essa grande mãe da iniquidade espiritual.

6. Sua sede insaciável pelo sangue dos santos de Deus. "E vi que a mulher estava embriagada com o sangue dos santos e com o sangue dos mártires de Jesus. Quando a vi, maravilhei-me com grande admiração" (v. 6). Esta estranha visão -- uma mulher -- uma comunidade religiosa, professando ser a verdadeira esposa de Cristo, embriagada com o sangue dos mártires, os santos de Deus, enche a mente do apóstolo com grande admiração. Nem precisamos nos perguntar o porquê. Mas logo também teremos que ver essa estranha vista, não apenas em visão, mas em realidade sem precedentes. Inocêncio III foi o homem que declarou guerra aos camponeses do sul da França e virou a espada do notório Simão de Monforte contra os bem conhecidos Albigenses e Valdenses, e isto sob o pretexto de fazer a vontade de Cristo e de agir sob Sua autoridade.

A partir do versículo 7, temos a explicação que o anjo dá sobre a visão, e a terrível condenação da Babilônia vinda da mão tanto do homem quanto de Deus, até perto do fim do capítulo 18. Mas como não estamos interpretando todos esses detalhes, não precisamos prosseguir adiante com o solene tema desses capítulos. Acompanhemos agora os passos tenebrosos e manchados de sangue do historiador sob a luz das Escrituras Sagradas.*

{*Para maiores detalhes veja Estudos sobre o Apocalipse, de William Kelly.}

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