Mostrando postagens com marcador papa Bonifácio VIII. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador papa Bonifácio VIII. Mostrar todas as postagens

domingo, 16 de outubro de 2022

O Ano Dourado

É difícil calcular com precisão os números, mas asseguram-nos os que assistiram à cerimónia, que sempre estiveram presentes na cidade cerca de duzentas mil pessoas, e que a quantidade total no ano foi fixada em dois milhões. A riqueza que fluiu desse jubileu para os cofres papais foi enorme. Supondo que cada indivíduo desse apenas uma pequena soma, que tesouro real deve ter sido coletado! As ofertas se empilhavam nos altares. Foi chamado pelos romanos de Ano Dourado. Uma testemunha ocular nos diz que viu dois sacerdotes com ancinhos nas mãos, ocupados dia e noite em varrer, sem contar, os montes de ouro e prata que foram colocados sobre os túmulos dos apóstolos. E esse tributo nem mesmo era dedicado a usos especiais, como provisões ou carregamentos para os exércitos -- como eram as ofertas ou subsídios para as cruzadas --, mas estava inteiramente à disposição livre e irresponsável do papa. Ainda assim, dos benefícios dessa indulgência deveriam ser excluídos os inimigos da igreja, ou melhor, os inimigos de Bonifácio. 

A Cristandade, com exceção de alguns notáveis rebeldes contra a Sé de Roma, havia recebido agora o dom do perdão e da vida eterna e, em troca, por sua própria vontade, amontoou aos pés do papa essa extraordinária riqueza. As autoridades haviam tomado medidas sábias e eficazes contra a fome para essas multidões acumuladas, mas muitos foram pisoteados e morreram sufocados. 

O experimento superou em muito as expectativas do papa e de seus partidários. Bonifácio havia proposto que o Jubileu fosse celebrado a cada cem anos, mas as vantagens para a igreja eram tão grandes que o intervalo acabou sendo naturalmente considerado muito longo. O Papa Clemente VI, portanto, repetiu o Jubileu em 1350, atraindo vastas multidões de peregrinos a Roma, e uma riqueza incrível. Os números eram quase tão grandes quanto em 1300. As ruas que levavam às igrejas que deveriam ser visitadas – de São Pedro, de São Paulo e de São João de Latrão -- ficaram tão cheias que não permitiam movimento, exceto com o fluxo das multidões. Preços altos eram cobrados pelos romanos por comida e hospedagem, muitos tinham que passar a noite nas igrejas e ruas, e não poucos dos pobres peregrinos iludidos pereceram. O Papa Urbano VI, em 1389, reduziu o intervalo para trinta e três anos, a suposta duração a que se estendia a vida de nosso Senhor na terra. Finalmente, o Papa Paulo II, em 1475, estabeleceu que a festa do Jubileu deveria ser celebrada a cada vinte e cinco anos, que continua até hoje a ser o intervalo em que se celebra a grande festa. 

Com as grandes imposturas religiosas da Idade das Trevas, e com o pecado de iludir um povo crédulo, já nos tornamos familiares; mas é verdadeiramente desolador descobrir que tais blasfêmias são cridas e praticadas em nossos dias, não obstante o estado de educação e o número de testemunhas da verdade da Palavra de Deus e da obra consumada de Cristo. O seguinte extrato de uma bula que foi emitida pelo papa em 1824, nomeando o Jubileu para o ano seguinte, explicará o que queremos dizer*.  

"Resolvemos, em virtude da autoridade que nos foi dada do céu, abrir totalmente esse tesouro sagrado composto dos méritos, sofrimentos e virtudes de Cristo nosso Senhor, e de sua virgem mãe, e de todos os santos que o Autor da salvação humana confiou à nossa dispensação. Portanto, a vós, veneráveis irmãos, patriarcas, primazes, arcebispos, bispos, cabe explicar com perspicuidade o poder das indulgências; qual é a sua eficácia na remissão, não só da penitência canônica, mas também do castigo temporal devido à justiça divina pelos pecados passados; e que socorro é proporcionado deste tesouro celestial, dos méritos de Cristo e Seus santos, para aqueles que partiram verdadeiros penitentes no amor de Deus, mas antes que eles foram devidamente satisfeitos por frutos dignos de penitência, pelos pecados de omissão e comissão, e que agora estão se purificando no fogo do purgatório.”** 

{* O autor viveu no século XIX.} 

{** Faiths of the World, de Gardner, vol. 2, pág. 252.}  

O Primeiro Jubileu Papal

Capítulo 34: Lutero: A Reforma na Alemanha (1517-1521 d.C.)

A avareza do clero romano e a superstição do povo foram grandemente excitadas pelas Cruzadas. Por duzentos anos, elas foram a fonte de enorme riqueza e poder para a igreja, e de incalculável miséria, ruína e degradação para as nações da Europa. Nessas chamadas guerras santas, cerca de seis milhões de europeus morreram e cerca de duzentos milhões de dinheiro foram gastos; além disso, a propriedade de um cruzado era comumente colocada, durante a expedição, sob a proteção do bispo e, no caso de sua morte -- o que geralmente acontecia -- ficava em suas mãos. Mas felizmente aquilo que "está singularmente marcado no templo da história como um monumento do absurdo humano, de uma paixão unânime", chegou ao fim no final do século XIII. 

No ano de 1291, o Acre, o último posto militar ocupado pelos cristãos na Palestina, caiu nas mãos dos turcos. Os incrédulos ficaram então de posse do sepulcro de Cristo e de todos os lugares santos e objetos de peregrinação. Assim terminou o grande esquema papal e a alardeada glória das Cruzadas à Terra Santa. 

Duas questões graves surgiram então: Como o tesouro papal deveria ser nutrido e como o desejo do povo por indulgências deveria ser satisfeito? O papa quer dinheiro, o povo quer que seus pecados sejam perdoados e está disposto a pagar por isso. Para atender a esses dois importantes objetivos, o papa descobriu um novo e mais bem-sucedido caminho. “Chegamos ao último ano do século XIII”, disse o Papa Bonifácio, “que o primeiro ano do décimo quarto século seja ano de jubileu”. A Palestina estava irremediavelmente perdida; a cruz e o sepulcro do Salvador estavam nas mãos dos sarracenos; mas a cidade santa de Roma e os túmulos dos apóstolos estavam abertos aos peregrinos. Ao mudar habilmente o local de peregrinação de Jerusalém para Roma, o fim desejado foi alcançado. Nunca a superstição obteve tanto sucesso. 

Em 22 de fevereiro de 1299, foi emitida uma bula, prometendo indulgências de extraordinária plenitude a todos que, no ano seguinte, com a devida penitência e devoção, visitassem os túmulos de São Pedro e São Paulo -- os romanos uma vez por dia, por trinta dias sucessivos, e os estrangeiros por quinze. A bula foi imediatamente promulgada em toda a Cristandade. Afirmava que todos os que confessassem e lamentassem seus pecados, e fizessem devotamente uma peregrinação ao túmulo do "chefe dos apóstolos", receberiam uma indulgência plenária; ou, em outras palavras, uma remissão completa de todos os pecados, passados, presentes e futuros. Uma indulgência desse tipo até então estava limitada aos cruzados; a consequência foi que toda a Europa entrou em um frenesi de excitação religiosa. Multidões de todas as partes apressaram-se a Roma. O som de boas-vindas do Jubileu atraiu toda a Cristandade ocidental para esta vasta e pacífica cruzada. "Durante todo o ano, as estradas nas partes mais remotas da Alemanha, Hungria e Grã-Bretanha estavam cheias de peregrinos de todas as idades, de ambos os sexos, que procuravam expiar seus pecados, não por uma peregrinação armada e perigosa a Jerusalém, mas por uma menos dispendiosa, e menos perigosa, viagem a Roma."  

domingo, 4 de outubro de 2020

John Wycliffe

Capítulo 30: O Testemunho e o Triunfo de Wycliffe  (1324-1417 d.C)

Todo leitor atento da história deve ser frequentemente lembrado daquela importante palavra de advertência dada pelo apóstolo: "Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará". As ilustrações mais solenes e práticas desta lei divina nos assuntos dos homens podem ser vistas em todas as páginas da história. Quem semeia joio na primavera não pode esperar colher trigo no outono; e aquele que semeia trigo na primavera não terá que colher joio no outono. Podemos ver a verdade desse princípio do governo divino ao nosso redor diariamente. Quantas vezes os hábitos da juventude determinam a condição da velhice! Nem mesmo as riquezas da graça divina detêm a aplicação dessa lei. O rei de Israel teve que ouvir da boca do profeta a sentença solene: “não se apartará a espada jamais da tua casa”; mas isso não impediu o fluir da terna misericórdia de Deus para o penitente real: "E disse Natã a Davi: Também o Senhor perdoou o teu pecado; não morrerás" (2 Samuel 12). Tal é a graça ilimitada e incomensurável de Deus para o verdadeiro penitente; mas permanece também a lei imutável de Seu governo.

Embora não possamos falar com a mesma confiança sobre o sistema geral da sociedade humana, podemos reverentemente identificar a mão do Senhor na sabedoria de Seus caminhos e no cumprimento de Seus propósitos. Um exemplo disso é dado a seguir.

Os triunfos sanguinários do papado em Languedoque provaram ser o que desencadeou seu rápido declínio e queda. Ao esmagar o conde de Toulouse e os outros grandes senhores feudais no sul da França, os domínios da coroa francesa foram grandemente aumentados, e os reis da França, a partir daquele momento, se tornaram os adversários inevitáveis do papa. Luís IX publicou imediatamente a Pragmática Sanção, que estabeleceu as liberdades da Igreja Galicana, e Filipe, o Belo, obrigou o altivo papa Bonifácio a beber da taça da humilhação que os papas frequentemente preparavam para os poderes seculares da Europa. De 1305 a 1377, os papas de Avignon foram pouco melhores do que os vassalos de Filipe e seus sucessores. E de 1377 a 1417, o próprio papado foi dividido pelo grande cisma. Assim, por uma retribuição justa na providência de Deus, aqueles que buscavam a destruição dos outros acabaram por ser seus próprios destruidores.* Vemos a mesma coisa acontecer na Inglaterra.

{* History of France de Sir James Stephen, vol. 1 pág. 240.}

domingo, 27 de setembro de 2020

Os Precursores da Reforma

Capítulo 29: Os Precursores da Reforma (1150-1594 d.C.)

Em um capítulo anterior, apresentamos a linha de testemunhas da verdade de Deus e do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo até a grande guerra albigense, durante a qual muitos deles foram mortos. Também trouxemos a história do papado até sua humilhação e queda em Bonifácio VIII, e até seu banimento do trono de São Pedro com toda a sua majestade e glória tradicionais em Clemente V. Agora retornaremos à cadeia de testemunhas que acreditamos ter sido mantida ininterrupta desde os primeiros tempos, embora a linha prateada da graça de Deus muitas vezes tenha sido tão sobreposta e obscurecida a ponto de se tornar difícil traçar seu caminho. Ainda assim, sempre foi brilhante aos olhos de Deus e ao espelho no qual Sua própria graça e glória se refletiam.

domingo, 20 de setembro de 2020

Os Papas de Avignon

Temos feito o possível para apresentar aos nossos leitores, tão completamente quanto nosso espaço admite, a briga entre Bonifácio e Filipe, por ser um dos grandes marcos da história papal. A partir dessa época, afundou rapidamente e nunca mais subiu à mesma altura dominante. Mas a degradação da cadeira papal ainda não estava completa de acordo com o espírito duro e implacável de Filipe. Seu próximo objetivo era ter o papa sob seus próprios olhos e como seu escravo abjeto. Isso ele realizou em Clemente V, que foi elevado à cátedra no ano de 1305. Sua eleição levou ao período mais degradante da história da igreja romana. Clemente, que era natural da França e servo obediente do rei, transferiu imediatamente a residência papal de Roma para Avignon. O papa era agora um prelado francês, Roma não era mais a metrópole da cristandade. Esse período de banimento durou cerca de setenta anos e é conhecido na história como o cativeiro babilônico dos papas em Avignon. A grande linhagem de pontífices medievais, os Gregórios, os Alexandre e os Inocêncios, expirou com Bonifácio VIII. Depois de setenta anos de exílio, eles saíram de seu estado de escravidão aos reis da França, mas apenas para retomarem uma supremacia modificada.

Filipe sobreviveu após seu adversário por onze anos; ele morreu em 1314 d.C. A história fala dele como um dos reis mais sem princípios e de mau coração que já reinou. Mas nada entenebrece tanto sua memória quanto seu ataque cruel à ordem dos templários. Sua avareza foi estimulada por sua riqueza, e ele decidiu pela dissolução da ordem, pela destruição dos líderes e pela apropriação da riqueza deles. Ele sabia que milhares dos melhores solares da França pertenciam à instituição e que os despojos de tal companhia o tornariam o rei mais rico da Cristandade. Para colocar suas mãos em tais tesouros, ele primeiro procurou desacreditar os cavaleiros por sua derrota em Courtrai. Em seguida, ele exigiu o consentimento de sua cria, o papa Clemente V, e convocou um concílio do reino para sancionar a supressão da ordem. Tendo então essas autoridades para apoiá-lo -- o sagrado e o civil -- seus objetivos gananciosos e cruéis foram alcançados. Muitos desses bravos cavaleiros cristãos -- pois assim eram, embora tivessem degenerado grandemente de seus votos originais -- foram apreendidos e lançados na prisão sob a acusação de terem desonrado a cruz e pisoteado o símbolo da salvação. As torturas mais severas foram aplicadas para forçar confissões de culpa, muitos foram condenados e queimados vivos; sessenta e oito foram queimados vivos em Paris em 1310. O grão-mestre, Jacques de Molay, também foi queimado em Paris em 1314. Cartas foram enviadas para todos os outros reis e príncipes, sob a sanção do papa e de Filipe, para seguirem o mesmo curso; mas os soberanos europeus em geral ficaram satisfeitos com os despojos e adotaram métodos mais suaves para dissolver a ordem.

O leitor pode observar aqui, para um exame mais aprofundado, o que podemos chamar de uma nova divisão na história da Europa. O papado, o feudalismo e a cavalaria, que haviam surgido e florescido juntos desde a época de Carlos Magno, caíram juntos durante o reinado de Filipe, o Belo.

Mas uma nuvem pesada estava se formando sobre a casa do mais cruel e pior dos reis. As sombras mais negras da imoralidade cobriram de vergonha e desgraça toda a sua família. A profunda desonra da casa real da França pela infidelidade de sua rainha e de suas três noras afundou em seu coração e apressou seu fim. As pessoas agora diziam ser a vingança dos céus pelo ultraje a Bonifácio, outras diziam que era pela iníqua perseguição e extinção dos templários. Mas ele estava então perante um tribunal sem a proteção de um papa, ou a sanção de uma assembleia nacional, e deveria responder a Deus por cada ato feito no corpo e por cada palavra pronunciada por seus lábios; pois até mesmo os pensamentos e conselhos do coração devem ser levados a julgamento. E nem o povo nem o cavaleiro podem proteger um pecador ali; nada, exceto o sangue de Cristo, aspergido, por assim dizer, nas ombreiras do coração antes de deixarmos este mundo, pode ter alguma utilidade nas águas da morte. Aqueles que negligenciam aplicar o sangue de Cristo pela fé agora devem ser engolfados para sempre nas águas frias, profundas e escuras do julgamento eterno. Mas o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus, purifica a nós, os que cremos, de todo pecado.

Deixamos agora esta nova divisão de nossa história e nos ocuparemos com a linha de testemunhas e os precursores da Reforma.

Reflexões Sobre a Morte de Bonifácio

Quinhentos e setenta e dois anos passaram desde que Bonifácio morreu por seu próprio curso suicida*. Que tempo para reflexão, reprovação, remorso, desespero! Por que, oh, por que os homens, homens inteligentes, arriscariam uma eternidade de miséria por alguns poucos anos de glória terrena, ou gratificação própria, ou qualquer forma de amor a si mesmos? Mas, infelizmente, as advertências mais solenes são desconsideradas; os mais graciosos convites de misericórdia são rejeitados, na busca ansiosa de seu próprio objetivo egoísta. E quando eles o alcançam, o que é? Quanto eles desfrutam disso? Por quanto tempo eles o possuem? Apenas nove anos Bonifácio reinou como supremo pontífice e, para garantir aquele brilho sombrio de glória, ele executou em particular o assassinato de seu predecessor Celestino, a quem ele havia suplantado. Mas, assim como o homem semeia, também deve colher. Celestino tem a compaixão e a simpatia da posteridade; mas sobre o túmulo de Bonifácio toda a posteridade escreveu: "Ele subiu na cadeira como uma raposa, reinou como um leão, morreu como um cachorro". E assim foi, sem as consolações da misericórdia de Deus e sem os ternos ministérios do homem, ele morreu. Quando a porta do quarto foi aberta, ele foi encontrado frio e rígido. Seus cabelos brancos estavam manchados de sangue, a ponta de seu cetro tinha as marcas de seus dentes e estava coberto de espuma.

{* Este livro foi escrito no século XIX}

Quão bem-aventurados -- estamos prontos a exclamar -- os que têm uma herança incorruptível, imaculada e que não se desvanece, reservada no céu para todos cuja fé e esperança estão firmemente fixadas em Cristo somente. Eles são filhos de Deus pela fé em Cristo Jesus; eles pertencem à família real do céu; eles não precisam buscar glória terrena; eles são herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo. Eles têm um trono que nunca pode ser abalado, uma coroa que nunca pode ser lançada ao chão, um cetro que nunca pode ser arrancado de suas mãos, uma herança que nunca pode ser alienada. Mesmo assim, eles são capazes de lamentar o fim melancólico de um companheiro pecador com profunda piedade, e procurar transformar aquela cena de tristeza tão sombria e profunda em uma ocasião de ganho espiritual para outros. Um olhar de fé para o Salvador teria sido vida para sua alma, embora ele fosse o principal pecador, e o primeiro olhar de fé é a vida eterna para o principal dos pecadores hoje. "Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro." (Isaías 45:22)

Mas devemos agora retornar à nossa história.

A Humilhação do Pontífice

Ardendo de raiva, Bonifácio repetiu e redobrou suas ameaças. Mas Filipe decide então seguir um caminho mais curto para encerrar a disputa. Ele despachou um oficial de confiança, Nogaret, com Sciarra Colonna, um membro de uma nobre casa italiana que Bonifácio havia arruinado e desolado, e que era, é claro, inimigo jurado do papa. Estes, juntamente com outros aventureiros e trezentos cavaleiros armados, tinham ordens estritas para prender o papa onde quer que fosse encontrado e trazê-lo como prisioneiro para Paris. O perplexo velho, então com 86 anos de idade, retirou-se para seu palácio em Anagni, sua terra natal, para compor outro touro, no qual ele afirmava, "que como vigário de Cristo, ele tinha o poder de governar reis com um cetro de ferro, e para despedaçá-los como um vaso de oleiro." Mas sua suposição blasfema de onipotência logo se transformou em um espetáculo de fraqueza humana e morte.

Um grito foi ouvido; o papa e os cardeais, que estavam todos reunidos ao seu redor, ficaram assustados com a declaração de guerra e o terrível grito: "Morte ao papa Bonifácio! Viva o rei da França!" Os soldados imediatamente dominaram palácio pontifício. Quase todos os cardeais, e até mesmo os assistentes pessoais do papa, fugiram. Ele foi deixado sozinho, mas não perdeu o domínio próprio. Assim como o inglês Thomas Becket, ele esperou o golpe final com coragem e resolução. Ele apressadamente jogou o manto de São Pedro sobre os ombros, colocou a coroa de Constantino na cabeça, agarrou as chaves com uma das mãos e a cruz com a outra, e sentou-se no trono papal. Sua idade, intrepidez e majestade religiosa espantaram os conspiradores. Quando Nogaret e Colonna viram a forma venerável e a compostura digna de seu inimigo, eles se abstiveram de seu propósito sanguinário e se satisfizeram com insultos vulgares contra o desgraçado velho pontífice. As injustiças infligidas às famílias e amigos desses oficiais pelo cruel papa extinguiram todo sentimento em relação a ele, exceto vingança. Mas, pela providência de Deus, foram impedidos de derramar o sangue de um velho indefeso aos oitenta e seis anos.

Enquanto os líderes estavam com isso ocupados, o corpo dos conspiradores se dispersou pelos recintos esplêndidos do palácio em busca de saque. "Os palácios do papa", diz Milman, "e de seu sobrinho foram saqueados, e tão vasta era a riqueza que as receitas anuais de todos os reis do mundo não teriam sido iguais aos tesouros encontrados e levados pelos soldados mercenários de Sciarra. Sua câmara particular foi saqueada; nada foi deixado, exceto paredes nuas. "

Por fim, o povo de Anagni foi levado à rebeldia. Eles agrediram os soldados por quem foram intimidados. Mas, como agora estavam de posse dos despojos do palácio e o papa estava preso, eles não estavam dispostos a se retirar. O papa foi posto novamente em liberdade; enfurecido pela desgraça de seu cativeiro, ele correu para Roma ardendo de vingança. Mas a violência de sua paixão subjugou sua razão; ele recusou ajuda; ele chorou por vingança; mas ele agora estava impotente como os demais homens. Ele removeu todos os seus assistentes, trancou-se em uma sala para que ninguém pudesse vê-lo morrer -- mas morreu; e morreu sozinho; e estará diante do tribunal de Deus sozinho; e tem que responder sozinho pelas ações feitas no corpo, e sob uma responsabilidade inteiramente sua. Não podemos cruzar essa linha, mas qual será a porção eterna daquele de quem a história imparcial diz: "De todos os pontífices romanos, Bonifácio deixou o nome mais sombrio por sua astúcia, arrogância, ambição, e até mesmo pela avareza e crueldade."*

 {* Ver Dean Milman, vol. 5, pág. 143; Dean Waddington, vol. 2, pág. 319; Greenwood, vol. 6, pág. 277.}

Bonifácio VIII e Filipe, o Belo (1295 a 1303 d.C.)

Em menos de quarenta anos desde a promulgação desse famoso decreto, conhecido na história como a "Pragmática Sanção", o orgulhoso e imperioso pontífice Bonifácio VIII foi abertamente desafiado pelo rei da França. Ele foi o primeiro a ensinar às nações da Europa que os bispos romanos podiam ser derrotados e pisoteados pelo soberano, como haviam pisoteado durante séculos os soberanos da Europa. Filipe, o Belo -- assim chamado por sua aparência pessoal, certamente não por suas ações -- era tanto altivo como teimoso, tão arrogante, tão ciumento, tão violento, tão implacável quanto Bonifácio, e até o superava em astúcia e sutileza. O orgulho de Bonifácio foi sua ruína; não reconhecia limites e desdenhava-se a se curvar às circunstâncias, e nenhuma consideração de religião, política ou humanidade poderia reprimir sua violência e crueldade. Mas a aparência elevada e o orgulho altivo do prelado logo seriam abatidos. Ele estava profundamente envolvido em muitas brigas com muitas nações, soberanos e famílias nobres; mas o astuto e poderoso rei da França provou ser mais do que seu adversário. Quando Bonifácio enviou uma exigência extravagante a Filipe, ele respondeu com desprezo. E quando touro após touro, em ira ardente, saiu do Vaticano contra o rei, ele fez com que fossem queimados publicamente em Paris e mandou de volta uma mensagem a sua santidade de que era a função de um papa exortar, não ordenar, e que ele não toleraria nenhum ditador em seus negócios.

Mas as coisas não podiam parar por aí; Filipe decidiu humilhar seu adversário. Para fortalecer sua posição contra os procedimentos de Roma, ele recorreu aos meios mais constitucionais. Enquanto Bonifácio ofendia a população da França com seus ataques destemperados ao rei, o rei político estava atraindo a admiração de seu povo ao defender a dignidade de sua coroa e o bem-estar da nação contra as usurpações do papa. Ele reuniu os nobres e prelados da França, e com eles convocou os representantes do terceiro estado, os burgueses da França -- dita ser a primeira convocação dos Estados Gerais. Este plano foi logo seguido por outros reis, o que afetou profundamente a futura história do papado. O rei teve a satisfação de obter um forte protesto contra as exigências papais e a afirmação da independência da coroa.

Bonifácio, não percebendo essa crise em sua própria história e na do papado, seguiu cegamente, com uma arrogância inoportuna, sua conduta anterior. Dirigindo-se a Filipe em uma carta, ele diz: "Deus me colocou sobre as nações e os reinos, para arrancar e derrubar, para destruir, para construir, para plantar em Seu nome e por Sua doutrina. Que ninguém te persuadas, meu filho, que não tens superior, ou que não estás sujeito ao chefe da hierarquia eclesiástica. Aquele que tem essa opinião é insensato, e quem a defende obstinadamente é um infiel, separado do rebanho do bom pastor. Portanto, declaramos, definimos e pronunciamos que é absolutamente essencial para a salvação de todo ser humano que ele esteja sujeito ao pontífice romano." A resposta do rei foi moderada, mas firme e desafiadora. As perplexidades aumentaram. Não satisfeito com essas afirmações, o papa declarou um interdito na França, excomungou o rei e ofereceu sua coroa a outro. Mas Filipe, de forma alguma incomodado com tais censuras, que agora eram impotentes, publicou um decreto que proibia a exportação de todo ouro, prata, joias, armas, cavalos ou outras munições de guerra do reino. Por esse decreto, o próprio papa foi privado de suas receitas da França.

A Sobrepujante Mão de Deus

Na providência de Deus, esse crime odioso, que nunca poderia ser esquecido pelos monarcas e pelo povo da Europa, deve ter tendido muito a desacreditar e enfraquecer o poder papal e a fortalecer as mãos do governante civil contra as usurpações e invasões da igreja de Roma. A mudança se torna mais aparente a partir dessa data. A trágica morte de Conradino de Hohenstaufen e de Frederico da Baden ocorreu em 1268, e a famosa "Pragmática Sanção" tornou-se a "Carta Magna" da igreja galicana em 1269. Este documento foi emitido pelo mais piedoso rei, Luís IX da França, que é comumente chamado de São Luís. O tom por completo desse decreto é antipapal. Limita a interferência do tribunal de Roma nas eleições do clero e nega diretamente o seu direito de tributação eclesiástica, exceto com a sanção do rei e da Igreja da França. Nada poderia ser mais justo e liberal, mas nada poderia se opor mais diretamente às pretensões da Sé de Roma. Sob os cuidados dos advogados civis, que agora estavam estabelecendo nas mentes dos homens uma autoridade rival à da hierarquia e da lei canônica, a Pragmática Sanção tornou-se uma grande carta de independência para a igreja galicana.

Este édito antipapal, vindo do mais religioso dos reis -- um santo canonizado -- não despertou oposição por parte da Sé Romana. Se tal lei tivesse sido promulgada por Frederico II, ou por qualquer um de sua raça, o efeito teria sido muito diferente. Mas é mais do que provável que nem Luís nem o papa previram o que aconteceria com esse piedoso decreto -- originalmente destinado ao benefício e à reforma do clero. Mas nas mãos de parlamentos, advogados e monarcas ambiciosos, tornou-se a barreira contra a qual as usurpações e pretensões elevadas de Roma estavam destinadas a se despedaçar.

Antes de concluir nosso capítulo já bastante longo, devemos fazer uma breve consideração sobre o pontificado de Bonifácio VIII, pois é a evidência culminante do declínio papal, e a dobradiça sobre a qual gira a história que está por vir.

Postagens populares