domingo, 27 de maio de 2018

A Profissão de Fé de Bernardo

Um ano se passou desde que Bernardo entrou em Cister. Sua provação tinha terminado; ele agora faz sua profissão de fé. Essa cerimônia era realizada com grande solenidade, e cercada com tudo o que poderia transmitir admiração e majestade. O noviço era chamado para dentro da congregação e, diante de todos, abria mão de todos os bens mundanos que possuísse. Sua cabeça era raspada, e seu cabelo queimado pelo sacristão em um utensílio usado para tal propósito. Indo para os degraus do presbitério, ele então lia a forma da profissão, fazia o sinal da cruz e, inclinando seu corpo, se aproximava do altar. Ele colocava a profissão no lado direito do altar, que ele beijava, curvava novamente seu corpo, e retirava-se para os degraus. O abade, em pé do outro lado do altar, retirava dele o pergaminho, enquanto o noviço implorava perdão sobre suas mãos e joelhos, repetindo três vezes as palavras: "Recebe-me, ó Senhor". Todo o convento respondia com "Gloria Patri", e o cantor começava o salmo: "Tem misericórdia de mim, ó Deus", que era cantado alternadamente pelos dois coros. O noviço então se humilhava aos pés do abade, e depois fazia o mesmo perante o prior, e sucessivamente perante toda a irmandade -- até mesmo perante os doentes, se houvesse algum. Próximo ao fim do salmo, o abade, portando seu báculo, se aproximava do noviço e o fazia levantar. Um capuz era abençoado e aspergido com água benta, e, retirando do noviço suas vestes seculares, as substituía pela vestimenta monástica. O "Credo" era entoado, o noviço tinha se tornado monge, e tomava seu lugar junto ao coro.*

{* Estes relatos são extraídos principalmente de The Life and Times of St Bernard, por James Catter Morrison, M.A.}

Os Mosteiros Cistercienses

Estêvão Harding, um inglês, nascido em Sherborne em Dorsetshire, foi abade no monastério cisterciense em Cister. Ele seguiu as regras de São Bento, mas com severidades adicionais. Eles tinham somente uma refeição comum no dia, e tinham doze horas de trabalho antes de recebê-la. Eles nunca provavam carne, peixe ou ovos, e leite apenas raramente.

Era comum, quando alguém desejava se tornar um monge em Cister, de acordo com o biógrafo de Bernardo, fazê-lo esperar por quatro dias antes de ser levado à presença do convento reunido. Depois disso, ele se prostrava diante do púlpito e o abade lhe perguntava sobre o que ele queria. Ele então respondia: "A misericórdia de Deus e a vossa". O abade ordenava que ele se levantasse e o expunha à severidade das regras do mosteiro, e então perguntava novamente sobre suas intenções; e, se ele respondesse que guardaria tudo, o abade dizia: "Que Deus, que começou uma boa obra em ti, a termine". Esta cerimônia era repetida por três dias, e após o terceiro ele passava da case de hóspedes para as celas dos noviços, e então imediatamente começava o ano de provação.

A seguir veremos a rotina comum no mosteiro durante o ano em que Bernardo esteve ali. Às duas da manhã o grande sino tocava, e os monges imediatamente se levantavam de seus leitos duros e se apressavam pelos claustros escuros em silêncio solene para a igreja. Uma única pequena lâmpada, suspensa no teto, fornecia uma luz cintilante, apenas o suficiente para indicar-lhes o caminho através do edifício. Após a oração ou o serviço divino eles se retiravam, e após um breve repouso se levantavam novamente para as matinas, que demoravam cerca de duas horas; então realizavam outros serviços, em parte regulados de acordo com a estação do ano -- verão ou inverno; mas eles eram empregados em vários exercícios religiosos até às nove, quando saíam para trabalhar nos campos. Às duas eles jantavam, no cair da noite eles se reuniam para a oração das vésperas; às seis ou oito, de acordo com a estação, eles terminavam o dia com as orações da última hora canônica, e então se recolhiam imediatamente ao dormitório.

No entanto, por mais severas que pareçam ter sido essas práticas e austeridades, elas estavam longes de satisfazer o zelo e espírito de auto-mortificação de Bernardo. Ele passava seu tempo em solidão e estudo. O tempo dado ao sono ele considerava como perdido, e costumava comparar o sono à morte, afirmando que dorminhocos podiam ser considerados como mortos entre os homens, assim como os mortos estão dormindo diante de Deus. Ele lia diligentemente as Escrituras e se esforçava em trabalhar em sua própria concepção de religião perfeita e angelical. Ele tinha tão absolutamente isolado seus sentidos da comunhão com o mundo exterior que parecia morto para qualquer impressão externa: seus olhos não podiam distinguir se sua câmara estava celada ou não ou se ela tinha uma janela ou três. Da escassa comida que ele comia, seu paladar inconsciente tinha perdido totalmente a percepção do estado da comida, se estava estragada ou saudável. Ele bebia óleo e não podia distingui-lo da água. E ainda assim, este homem iludido, embora não duvidemos de que já fosse salvo pela graça, estava fazendo isso tudo pela salvação; e ainda assim, como de costume, ele não estava satisfeito. Ele falava de si mesmo como se fosse apenas um noviço: outros poderiam tê-la alcançado, mas ele estaria ainda apenas começando sua santificação.

São Bernardo e o Monasticismo

Como o cristianismo e o entusiasmo monástico, na teoria da igreja romana, era, nessa época, a única verdadeira perfeição cristã, apresentaremos ao leitor algumas particularidades desse sistema, para que possa julgar, por si mesmo, a extrema cegueira até mesmo de verdadeiros crentes como Bernardo, e a terrível perversão do sagrado nome do Cristianismo. Se as provas não fossem inquestionáveis, seria difícil crer em tais fatos. A renúncia ao mundo, a solidão, o asceticismo, a mortificação severa, eram coisas pregadas quase como se fossem o único caminho seguro para o céu. Os supostos méritos do monastério, e não da obra consumada de Cristo, era a base de admissão por São Pedro aos reinos de glória. Por isso, quanto mais sincero fosse o monge, mais ele infligia a si mesmo todo tipo de tortura e miséria. Este era o engano: "Quanto mais longe do homem, mais próximo de Deus. A santidade era medida pelo sofrimento. Toda a simpatia humana, todos os sentimentos sociais, todos os laços de parentesco, todas as afeições, deveriam arrancadas pelas raízes do espírito que geme; dor e oração, oração e dor, deveriam ser as únicas e incansáveis ocupações de uma vida santa."

Certamente está é uma obra-prima de Satanás, a mais profunda ilusão dos conselhos do inferno. Que a tua santa Bíblia seja teu guia, querido leitor; e descanse com a certeza de que todo o que crê no Senhor Jesus Cristo é, e não apenas será, mas é salvo, e que todo aquele que verdadeiramente crê deve cuidar em manter boas obras, em virtude da natureza divina e do poder do Espírito Santo.  

São Bernardo, Abade de Claraval

O mais celebrado desses homens [do século XII] é o famoso São Bernardo. Ele é considerado o mais brilhante representante da religião católica romana que a igreja teve desde os dias de Jerônimo, Ambrósio, Agostinho, e Gregório. Por meio século, ele aparece diante de nós como o chefe dirigente e governante da Cristandade -- o oráculo de toda a Europa. Os papas são perdidos de vista sob a luz mais clara do abade. "Ele é o centro", diz um de seus biógrafos, "sobre os quais se reúnem os grandes eventos da história cristã, de cuja mente fluem os impulsos que animam e guiam a Cristandade latina, a quem convergem os pensamentos religiosos dos homens. Ele governa, da mesma forma, o mundo monástico, os concílios dos soberanos seculares, e os desenvolvimentos intelectuais da era. Acredita-se, por uma era de admiração, que ele tenha confundido o próprio Abelardo, e que tenha reprimido as mais perigosas doutrinas de Arnoldo de Bréscia". Para aqueles que já leram sobre sua vida, essa imagem não parecerá exagerada. Mas, ao lançarmos luz sobre aqueles tempos, tomaremos nota primeiramente sobre sua criação e educação.

Bernardo nasceu de nobre parentesco na Borgonha. Seu pai, Tescelin, era um cavaleiro de grande bravura e piedade, de acordo com as ideias religiosas predominantes na época. Sua mãe, Alèthe, era também bem nascida, e um modelo de devoção e caridade. Bernardo, o terceiro filho deles, nasceu em Fontaines, perto de Dijon, em 1091. Desde sua infância ele era pensativo e devotado à religião e ao estudo. Sua piedosa mãe morreu enquanto ele ainda era jovem, deixando seis filhos e uma filha. Ele foi, então, deixado livre para escolher sua ocupação de vida. Qual seria? Ele não tinha muita escolha: ou seria um cavaleiro lutador ou um monge em jejum e oração. Ele resolveu se retirar do mundo e devotar-se à vida monástica. Aos vinte e três anos, ele entrou para o mosteiro de Cister.

Quando sua família ouviu pela primeira vez sobre sua decisão, ele sofreu muita oposição. Seu pai, Tescelin, e seus dois irmãos, Guido e Geraldo, estavam seguindo o grande Duque da Borgonha em suas guerras, como militares nobres. Mas tal era a força de caráter de Bernardo que ele influenciou seus irmãos, um após o outro, e também sua irmã, a fazerem o voto; e assim toda a família, em um curto período de tempo, desapareceu dentro das paredes do convento.

domingo, 20 de maio de 2018

A Concordata* de Worms

{* N. do T.: Concordata é uma convenção entre o Estado e a igreja acerca de assuntos religiosos de uma nação. }

O papa Calisto, embora fosse um defensor inflexível das reivindicações papais, vendo a ânsia geral por paz, deu instruções a seus legados para que convocassem um concílio geral com todos os bispos e clérigos da França e Alemanha em Mentz, com o propósito de que fosse levado em consideração o restabelecimento de uma concordância entre a Santa Sé e o Império. Quando tal celebrado tratado foi passado para o papel e tendo recebido o selo dourado do império, a assembleia foi suspensa de Mentz para um espaçoso prado perto da cidade de Worms. Ali, inúmeras multidões se reuniram para testemunhar a troca das cópias ratificadas do tratado que traria de volta a paz civil e religiosa a toda Europa. A cerimônia foi concluída, de acordo com os costumes da época, com uma missa solene e o entoar do Te Deum* pelo bispo-cardeal de Ostia, durante o qual o legado comunicou ao imperador e em nome do papa deu-lhe o beijo da paz.

{* Te Deum é um hino litúrgico católico atribuído a Santo Ambrósio e a Santo Agostinho. }

Esse tratado tem sido recebido desde aquele dia até hoje como a afirmação fundamental no que diz respeito aos direitos papais e imperiais. Tais eram suas estipulações:

"O imperador entrega a Deus, a São Pedro, e à igreja católica, o direito de investidura pelo Anel e pelo Báculo; ele concede ao clero por todo o império o direito à livre eleição; ele restaura à igreja de Roma, a todas as outras igrejas e nobres, a posse e soberanias feudais que foram apreendidas durante as guerras nos tempos de seu pai e nos seus próprios, aquelas em sua imediata posse, e promete sua influência a fim de obter restituição daquelas que não estão em sua posse. Ele concede paz ao papa e a todos os seus partidários, e se compromete a proteger, sempre que for convocado, a igreja de Roma em todas as coisas."

O papa concedeu, de sua parte, que todas as eleições de bispos e abades fossem realizadas na presença do imperador ou de seus comissários, desde que sem suborno e violência, com direito a apelo em casos de eleições contestadas aos bispos metropolitanos e provinciais. O bispo eleito na Alemanha deveria receber, pelo toque do cetro, todos os direitos seculares, os principados e as posses da Sé, com exceção daquelas sob domínio imediato da Sé Romana. O bispo também deveria cumprir fielmente com todos os deveres, assumidos com o imperador, incidentes a esses principados. Em todas as outras partes do império, os direitos do soberano deveriam ser concedidos ao bispo consagrado dentro de seis meses. O papa concede paz ao imperador e aos seus partidários, e promete ajuda e assistência em todos os assuntos legais."*

{*Milman, vol. 3, p. 320; Greenwood, book 11, p. 673.}

Assim acabou a disputa que tinha desgastado a Alemanha por uma guerra civil por cinquenta anos, e a Itália pelas mais desastrosas invasões. E uma momentânea reflexão sobre os ajustes durante a batalha e as ligeiras concessões feitas de cada lado mostram a terrível iniquidade daqueles que prolongaram a luta. Mas nem Calisto nem Henrique sobreviveram muito tempo após a Concordata de Worms. O papa morreu em 1124, e o imperador em 1125.

Não é necessário falar muito mais sobre os eventos desse século. As grandes características pelas quais foi marcado são as cruzadas e seus resultados, o que já examinamos. Mas pode ser interessante observar brevemente dois ou três homens notáveis que apareceram nessa época, cujos nomes são familiares entre nós até hoje, e cujas histórias nos conduzem aos segredos e profundidades do claustro. Além disso, aprendemos mais sobre o estado geral da religião, literatura e costumes a partir de tais histórias individuais do que de meras declarações abstratas.

domingo, 1 de abril de 2018

A Doação de Matilda

No ano de 1115, "a grande condessa" Matilde da Toscana morreu. Antes de sua morte, ela entregou à Sé romana suas vastas posses. Esta ação era inteiramente contrária à lei feudal, mas estava em total concordância com a lei pontifica. Assim, um novo assunto de conflito entre os papas e os imperadores surgiu dessa doação. Se o papa tivesse permissão de tomar posse pacificamente das propriedades dela, ele se tornaria como um rei na Itália. Mas, não obstante o quão devota a grande mulher fosse à igreja de Roma e sincera em sua doação, a ação era contrária à lei e nunca entrou em vigor completamente, embora tenha contribuído muito para com o poder secular dos papas. Mas não precisamos dar detalhes. O mundo estava se cansando da história dos papas e antipapas, com as facções, perjúrios e hipocrisias; do derramamento de sangue e devastação, que tinha durado mais de um século. "Todos os corações ansiavam por paz", disse alguém, e o amor pela guerra se extinguiu em ambos os lados; a chama da discórdia civil e religiosa, que foi acesa por Gregório e atiçada por seus sucessores, foi extinta em meio às inundações de calamidades. Após muito esforço, a paz foi ratificada entre os legados do papa e o imperador, no ano de 1122, nas condições que veremos a seguir.

Henrique V e os Sucessores de Gregório (1186 - 1122 d.C.)

Capítulo 21 - Roma (1106 - 1190 d.C.)


Apresentamos uma história consecutiva das Cruzadas, o que nos levou ao final do século XIII. Retornemos, agora, um pouco, ao ponto em que paramos, para reunirmos as linhas de nossa história geral.

As guerras longas e assoladoras ocasionadas pela disputa entre Gregório e Henrique quanto ao direito de investidura falharam completamente em trazer essa questão a qualquer acordo. Os sucessores de Gregório, profundamente imbuídos desse espírito, esforçaram-se, por todos os meios possíveis, para levar o esquema adiante. Por outro lado, o novo rei Henrique V estava igualmente determinado a se opôr às exigências papais, e também a recuperar tudo o que sua coroa tinha perdido para a tirania espiritual dos papas. Ele investiu bispos com o anel e o báculo, como seus ancestrais haviam feito, e obrigou o clero da Alemanha a consagrá-los. Anátemas e inúmeras excomunhões dos papas e concílios foram fulminados contra o imperador rebelde, mas ele pacificamente permitiu que assim procedessem. Assim continuou a disputa, embora com menos derramamento de sangue do que nos tempos de Gregório. 

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