No início do século XV, a Igreja Católica Romana tinha duas cabeças -- dois papas rivais, Bento XIII em Avignon e Gregório XII em Roma. Cada um alegava ser o representante de Cristo na terra e cada um acusava o outro de falsidade perante o mundo, perjúrio e dos mais nefastos desígnios secretos. Tão escandalosa foi a conduta desses dois velhos prelados de cabelos grisalhos, cada um com mais de setenta anos de idade, que toda a Europa contemplou com vergonha e indignação a obstinação e perversidade dos pontífices em conflito. O que deveria ser feito para que as feridas da igreja dividida fossem curadas? Reis e cardeais começaram a usar tanto a força quanto a súplica para induzir os dois papas a renunciarem às suas reivindicações para que alguém pudesse ser escolhido por unanimidade em seu lugar. Eles prometeram, sob juramento, que renunciariam voluntariamente se os interesses da igreja assim o exigissem; mas, mal haviam prometido, eles dissimularam, enganaram seus cardeais e violaram suas promessas. Descobrindo que nenhuma confiança poderia ser colocada na palavra deles, que eles eram homens sem verdade, honra ou religião, os cardeais de Bento se revoltaram e se juntaram aos cardeais de Gregório, e os dois colégios reuniram-se em Livorno a fim de considerar o que poderia ser feito para colocar um fim a este longo e vergonhoso cisma. Eles chegaram à conclusão de que, naquelas circunstâncias, eles tinham o direito indubitável de convocar um concílio que pudesse julgar entre os dois competidores pelo papado e restaurar a unidade da igreja.
Pisa, uma cidade murada no centro da Itália, foi selecionada como o lugar mais adequado para o concílio proposto. Isso era algo totalmente novo na Cristandade. Cerca de uma dúzia de cardeais, sem a sanção do papa ou do imperador, convocou o famoso Concílio de Pisa. Sua infalibilidade estava agora sujeita a um novo tribunal, e a mais alta prerrogativa de seu trono usurpada; mas ele havia perdido tanto o respeito da humanidade que toda a igreja justificou os cardeais em assumirem o poder sobre ele.
O concílio foi aberto em 25 de março de 1409. A assembleia foi uma das mais augustas e numerosas já vistas na história da Cristandade. Daremos alguns detalhes para mostrar ao leitor o que era um Concílio Ecumênico naqueles dias em que o Catolicismo Romano era a religião da Europa. Estavam presentes vinte e dois cardeais; os patriarcas latinos de Alexandria, Antioquia, Jerusalém e Grau; doze arcebispos estiveram presentes pessoalmente e quatorze por seus procuradores; oitenta bispos e os procuradores de cento e dois; oitenta e sete abades e os procuradores de outros duzentos; além de priores; generais de ordens; o grão-mestre de Rodes, com dezesseis comandantes; o prior geral dos cavaleiros do santo sepulcro; o deputado do grão-mestre e cavaleiro da Ordem Teutônica; os deputados das Universidades de Oxford, Cambridge, Paris, Florença, Cracóvia, Viena, Praga e muitas outras; mais de trezentos doutores em teologia; e embaixadores dos reis da Inglaterra, França, Portugal, Boêmia, Sicília, Polônia e Chipre, e dos duques de Brabante da Borgonha, etc. Estradas e rios por todos os lados foram cobertos por semanas com a pompa e esplendor desses dignitários. Alguns deles entraram em Pisa com duzentos cavalos na comitiva.*
{* Manual of Councils, de Landon.}
A assembleia realizou suas sessões de março a agosto. Depois de muita deliberação na forma devida, os papas contestadores foram condenados por unanimidade. No dia 5 de junho foi proferida a sentença. Ambos foram declarados heréticos, perjuriosos, contumazes, proibidos de assumir o pontificado soberano e indignos de qualquer honra: o papado foi declarado vago. O próximo passo foi eleger um novo papa. Este era um assunto mais difícil. Onde estaria o homem, possuindo tais qualidades, que reconquistaria a reverência da humanidade pelo supremo pontífice? Esta era agora a grave questão. Vinte e quatro cardeais, após ficarem encerrados por dez dias, decidiram por Pedro de Candia, cardeal de Milão, com setenta anos de idade, que adotou o nome de Alexandre V. Mas os dois antigos pontífices desprezaram os decretos do concílio e continuaram a desempenhar suas funções como papas legítimos. Bento fulminou seus anátemas contra o concílio e seus rivais; Gregório fez o mesmo, tendo entrado em aliança com o ambicioso Ladislau, rei de Nápoles. Alexandre, que ainda não estava em posse da cátedra e do patrimônio de São Pedro, emitiu seus anátemas e excomunhões contra Bento, Gregório e Ladislau, que tinha tomado posse dos domínios da Sé Romana.
Murmúrios foram ouvidos por todos os cantos de que o concílio, em vez de extinguir o cisma, havia na verdade apenas acrescentado um terceiro papa. Onde está agora a alardeada unidade da Igreja Católica Romana? podemos inquirir; e por meio de qual papa flui a sucessão apostólica? Os três papas, dos quais a Cristandade estava envergonhada e cansada, atacaram ferozmente uns aos outros com recíprocas excomunhões, reprovações e anátemas. Alexandre V viveu apenas cerca de um ano após ter sido eleito, e seu lugar foi preenchido por João XXIII, “um homem” -- diz Mosheim – “destituído de princípios e piedade”. As dificuldades foram maiores do que nunca; o reino papal assim dividido contra si mesmo não podia resistir: estava às vésperas da ruína total. Alguns aconselharam que as potências europeias deveriam se unir e varrer o nome e o poder do pontífice, ou pelo menos limitar sua autocracia. Era então evidente que os próprios papas não fariam nenhum sacrifício pessoal pela paz da Igreja; então, o que poderia ser feito a seguir para deter a guerra vergonhosa dos pontífices e curar as feridas da Igreja dividida? Esta era então a desconcertante questão. Se a igreja tivesse sido deixada sozinha, Ladislau poderia então ter tomado posse completa de Roma e de todas as províncias papais, e deixado a cátedra de São Pedro como um trono apenas no nome. Mas os príncipes da terra ainda não estavam preparados para uma derrubada tão sacrílega. Algo parecido só aconteceria séculos mais tarde nos dias de Vítor Emanuel II da Itália.
Sigismundo, imperador da Sacro Império Romano-Germânico, o rei da França e outros reis e príncipes da Europa, que mostraram mais preocupação com o crédito e o bem-estar da Igreja do que os papas egoístas, prevaleceram sobre João XXIII para reunir um concílio geral de toda a igreja com o propósito de encerrar esta grande controvérsia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário