A agitação gerada por esses acontecimentos não foi dissipada quando o Concílio de Constança se reuniu. O imperador Sigismundo, que havia convocado o concílio, pediu a seu irmão, o rei Venceslau, que enviasse Hus a Constança, e prometeu-lhe um salvo-conduto. Os termos deste passaporte eram muito explícitos: exigia que todos os súditos do imperador permitissem que o doutor entrasse e saísse em plena segurança. Hus obedeceu prontamente à convocação do imperador, pois sempre desejara a oportunidade de apelar a um concílio geral. Ele chegou a Constança antes do imperador e foi imediatamente levado perante o papa João XXIII para exame. Suas doutrinas eram bem conhecidas, uma longa lista de acusações foi feita contra ele; e como se recusou a retratá-las, foi lançado na prisão sob a acusação de heresia, apesar do salvo-conduto do imperador. E para justificar sua flagrante violação de honra e pacificar Sigismundo, eles aprovaram um decreto de que nenhuma fé deveria ser mantida com um herege.
Queixas ruidosas vindas da Boêmia foram enviadas ao imperador. Ele recebeu a primeira intimação sobre a prisão de Hus com indignação, e ameaçou escancarar a prisão. Mas, ao chegar a Constança, ele foi confrontado com argumentos da lei canônica, insistindo que o poder civil não se estendia à proteção de um herege, e os padres traiçoeiros absolveram o imperador de toda responsabilidade, que então permitiu que os inimigos de Hus seguissem seu curso. Na escuridão de uma masmorra repugnante, sem um sopro de ar fresco e assediado por padres e monges, o reformador ficou muito doente. Mas o iludido imperador não se importou com nenhuma dessas coisas. No entanto, não faltaram historiadores que condenam totalmente a conduta infiel do imperador e o acusam de ter violado a verdade, a honra e a humanidade, ao entregar Hus à vontade dos padres. "A violação de fé", diz Milman, "não admite desculpa; e a perfídia é duas vezes pérfida em um imperador." Outros afirmam que, ao sacrificar Hus dessa maneira, ele acumulou para si muitos problemas que surgiram durante o resto de seu reinado. Mas o que devemos dizer do futuro -- do futuro sombrio sob a sombra terrível daquele abandono sem coração de um verdadeiro servo de Cristo aos impiedosos padres de Roma? O Mestre não se esquecerá de reconhecer naquele dia Sua identificação com Seu servo, e da maneira mais comovente. "Em verdade vos digo que quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes."* Mas se essa foi a culpa do imperador, imagine qual deve ser a culpa do papa e dos prelados? Devemos deixar a resposta para o grande trono branco**.
{* N. do T.: Mateus 25:40. Embora a passagem citada se refira especificamente ao remanescente judeu no final da grande tribulação, pode ser aplicada também à igreja, como vemos em exemplos no livro de Atos (vide o caso de Herodes em Atos 12:23) e no decorrer da história da igreja.}
{** N. do T.: Apocalipse 20:11-15.}
Os pressentimentos mais sombrios já estavam se formando em torno do papa. Na primeira sessão do concílio, foi proposto que os três papas deveriam renunciar antes da eleição de um novo pontífice. João, o único dos três presentes, prometeu renunciar pela paz da igreja e ler sua própria abdicação no dia seguinte. Mas promessas, juramentos ou honra não significavam nada para o papa João. Com a ajuda de alguns amigos, ele escapou de Constança disfarçado de um postilhão*. O imperador se sentiu traído e indignado. Houve uma grande perseguição atrás de João; ele foi pego na Suíça e trazido de volta como prisioneiro; mas, ao contrário de sua vítima, Hus, ele estava com a consciência pesada, sem honra, sem dignidade, sem coragem. Ele foi compelido a desistir da insígnia do poder espiritual universal, o selo papal e o anel de pescador. Robert Hallam, bispo de Salisbury, à frente dos ingleses, em uma explosão de justa indignação, declarou que um papa tão coberto de crimes merecia ser queimado na fogueira. Ele foi levado para o castelo de Gotleben, onde o bom Jan Hus vinha sofrendo a ferros por alguns meses. Lá o papa João adoeceu até o encerramento do concílio, que durou quase quatro anos; mas, depois de se humilhar aos pés do pontífice reinante, foi elevado à categoria de cardeal e teve permissão para encerrar seus dias em paz. Mas nenhuma leniência foi exercida para com o reformador justo e irrepreensível, cujo exame e execução iremos agora rapidamente relatar.
{* N. do T.: Um postilhão era o condutor de uma carruagem que distribuía correspondências.}
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