Após repetidas tentativas e falhas, da parte do papa, de introduzir um poder legatino* na Inglaterra, isso foi finalmente alcançado durante o reinado de Estêvão, em 1135 d.C. Era algo inteiramente novo no país e extremamente ousado da parte de Roma. Mas como isso diz respeito a uma época distinta e importante na história da igreja inglesa, devemos cuidadosamente tomar nota da mudança. E aqui, para assegurar precisão, citaremos algumas passagens de nosso historiador da área do direito inglês, Tomás Greenwood, livro 12, vol. 5.
{* N. do T.: poder legatino é um poder delegado a uma pessoa por outra, no caso, do papa a um legado. }
"A publicação e adoção dos decretos isidorianos mudou a ordem e distribuição dos poderes eclesiásticos. Toda função de administração eclesiástica tornou-se investida no clero, ou, o que era a mesma coisa, no papa de Roma como seu chefe supremo. A autoridade do Estado em todos os assuntos dos eclesiásticos, mesmo que remotamente conectados com a vida e costumes, seculares e espirituais, foi veementemente denunciado e repelido: as posses deles foram pronunciados como sagrados e inalienáveis; seus deveres não se submetiam a qualquer censura além daquelas de seus oficiais superiores, e tornaram-se isentos da jurisdição ou punição secular; toda interferência por parte do príncipe ou pessoa secular na nomeação de bispos, sacerdotes ou incumbentes espirituais, foi declarada como sendo de natureza de simonia. Embora esses princípios da legislação da igreja tenham sido cumpridos em poucos exemplos de maneira plena e prática, eles foram recebidos sem contradição, e parcialmente adotados pelo clero da França, da Itália e da Alemanha. Na Normandia, uma completa separação entre a jurisdição secular e eclesiástica já tinha acontecido. Na Inglaterra, no entanto, até então os únicos cânons conhecidos pelo clero ou pelos leigos eram aqueles pronunciados pela própria igreja nacional, com o consentimento e concordância do soberano... Os esforços dos bispos romanizadores da Inglaterra, após a conquista, foram constantemente voltados em direção à introdução dos mais importantes artigos do código isidoriano; mais especialmente no que diz respeito à emancipação da propriedade e dotes da igreja de sua dependência da coroa ou da ordenança secular, e das pessoas e causas de oficiais da interferência dos juízes do rei..."
"As primeiras ordenanças de Guilherme, o Conquistador, para a separação dos tribunais eclesiásticos dos tribunais leigos nunca foram realizados até o ponto de isentar os eclesiásticos da responsabilidade perante a lei. Mas é também verdade que ambos o Conquistador e seus sucessores, até João, esforçaram-se em manter um meio termo entre o canonismo e a prerrogativa do rei. Em sua prontidão em estar sempre bem com a corte de Roma, eles frequentemente tomavam passos que colocavam em perigo sua segurança, mas certamente nunca mudavam de sua base antiga, da lei da terra, ou dos direitos da coroa. Na amarga disputa entre o arcebispo Anselmo da Cantuária e Henrique I, este manteve seu direito de determinar quais dos dois rivais pretendentes ao papado o clero de seus domínios deveria reconhecer. E quando Anselmo, sem o consentimento do rei, insistiu na transferência de sua lealdade espiritual para Urbano II, em preferência ao seu rival Clemente III, Henrique, sem rodeios, o informou de que 'ele não conhecia qualquer lei ou costume que tratasse, sem a licença do rei, de estabelecer um papa próprio sobre o reino da Inglaterra; e que qualquer homem que presumisse tirar de suas mãos a decisão quanto a essa questão teria o mesmo direito de tomar a coroa de sua cabeça!'..."
"A disputa entre Henrique e Anselmo foi longa e obstinada. O bispo fugiu para Roma; o rei confiscou os poderes seculares de sua Sé. Enquanto a disputa estava ainda indecidida, um oficial papal apareceu na costa do país anunciando-se como o legado da corte de Roma, sobre quem foi confiado o poder legatino vindo do papa sobre toda a Inglaterra. Mas o rei tomou como prerrogativa especial de sua coroa aceitar ou rejeitar ao seu bel-prazer tais interferências, considerando ser nada mais do que a tentativa do governo eclesiástico por parte de um príncipe estrangeiro; e o legado foi, então, mandado embora sem ter sido admitido na presença do rei. Cerca de quinze anos depois, o mesmo papa fez uma segunda tentativa de introduzir um legado extraordinário no reino, mas sem melhor sucesso... Uma terceira tentativa do mesmo pontífice foi igualmente mal sucedida. Foi, de fato, nessa época, que ficou muito bem entendido que a lei e o costume da Inglaterra repudiava a comissão legativa como uma interferência ilegal no curso normal do governo eclesiástico, que a lei comum tinha colocado sob a superintendência do soberano."
Mas após a morte do sábio e capaz Henrique I, em 1135, o astuto e perseverante papa -- Alexandre III -- foi mais bem sucedido. No reinado de Estêvão, um monarca fraco, um legado de Roma conseguiu entrar na ilha da Inglaterra. Os clérigos anglicanos compreenderam totalmente a tendência do movimento, e um sínodo realizado em Londres protestou, na presença do legado, contra a presunção de um padre estrangeiro na tomada da cadeira presidencial sobre os arcebispos, bispos, abades, e sobre toda a nobreza de todo o reino da Inglaterra. O protesto, no entanto, permaneceu sem efeito. Um espírito tímido e que se desenvolveria com o tempo estava formigando no coração da igreja anglicana. A ignorância prevalecente da massa de pessoas, o caráter secular do clero, o estado miserável de todo o país durante o reinado de Estêvão, tudo isso favoreceu as sistemáticas invasões do partido romanizador sobre a prerrogativa da coroa e as liberdades da igreja nacional. Os bispos anglo-normandos, na época, eram barões em vez de clérigos, seus palácios eram castelos, seus vassalos pegavam em armas: quase todos usavam armas, se misturavam na guerra, e se entregavam a todas as crueldades e exações da guerra. Tal era o clero da Inglaterra quando Henrique II subiu ao trono em 1154. A oposição de Becket a esse rico e poderoso rei lança uma luz mais clara sobre a ambição secular de Roma do que qualquer dos conflitos que já recordamos.
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