Como pensamos ser mais satisfatório conhecer o início das coisas, vamos agora descrever brevemente a origem e o caráter desses dois grandes pilares do orgulhoso templo de Roma. Até esta época -- o início do século XIII -- os esforços dos papas foram quase inteiramente confinados à construção deste templo -- o estabelecimento de sua própria supremacia na Igreja e de sua autoridade secular sobre o Estado. Mas a crescente luz dos séculos XI e XII e a crescente depravação da igreja trouxeram ao campo do testemunho muitas nobres testemunhas de Cristo e de Seu evangelho. O templo começou a se abalar. O clero havia alienado os corações das pessoas comuns por seu poder opressor e ganancioso; e sua indolência, indulgência e imoralidades contrastavam desfavoravelmente com a laboriosidade, humildade, abnegação e consistência dos acusados de heresia. Todo o tecido do catolicismo romano estava em perigo, pois esses heresiarcas estavam espalhados por todas as províncias e entre todas as classes da sociedade, até mesmo na própria Roma. O inimigo, percebendo as necessidades do momento, apressou-se em resgatar a hierarquia ameaçada. Os dois homens da época adaptados a essas exigências eram Domingos e Francisco.
Domingos nasceu em 1170, na aldeia de Calaroga, na Velha
Castela. Seus pais eram de nome nobre, o de Gusmão, se não de sangue nobre. De
acordo com alguns escritores, o efeito de sua ardente eloquência como pregador
foi previsto por sua mãe em um sonho, no qual ela dera à luz um filhote carregando
um tição de fogo na boca, com o qual ele incendiou o mundo. Mas quer tenha sido
sua mãe ou seu monge historiador que teve tal visão, ele respondeu fielmente à
semelhança. O aviso de "Cuidado com os cachorros" nunca teve uma
aplicação tão verdadeira quanto em Domingos; e o fogo literal, não apenas o
fogo de sua eloquência, foi seu agente de destruição escolhido e favorito desde
o início de sua carreira. As chamas do inferno, como assim chamava Domingos e
seus seguidores, eram reservadas para todos os hereges, e eles consideravam ser
uma boa obra iniciar as queimadas eternas ainda aqui neste mundo. Desde a
infância, sua vida foi rigidamente ascética (voltada ao monasticismo). Sua
natureza, em um período inicial, mostrou sinais de ternura e compaixão, mas seu
zelo religioso, com o passar do tempo, fortaleceu-o contra todo impulso bondoso
da natureza. Suas noites eram, em sua maior parte, passadas em severos
exercícios penitenciais; ele se açoitava todas as noites com uma corrente de
ferro, uma vez por seus próprios pecados, uma vez pelos pecadores deste mundo e
uma vez pelos do purgatório.
Domingos tornou-se cônego na rigorosa casa de Osma e logo
superou os demais em austeridades. Por causa de sua reputação, o bispo espanhol
de Osma -- prelado de grande habilidade e forte entusiasmo religioso --
convidou Domingos a acompanhá-lo em uma missão na Dinamarca. Ele então havia
atingido os trinta anos de idade e, embora fosse considerado brando para com os
judeus e infiéis, ardia em ódio implacável pelos hereges. Tendo cruzado os
Pirineus, o zeloso bispo e seu companheiro se encontraram no meio da heresia
albigense; não conseguiam fechar os olhos para o estado vergonhoso do clero
romano, para o desprezo em que haviam caído e para a prosperidade dos sectários.
A missa não era celebrada em alguns lugares havia trinta anos. Também a
comissão papal, que havia sido nomeada por Inocêncio III, por volta do ano
1200, foi encontrada em um estado muito abatido. Essa missão, deve-se lembrar,
consistia em homens como Reinerius, Gui, Castelnau e o infame Arnaldo, todos
monges cistercienses, a descendência espiritual de São Bernardo. Eles
lamentaram amargamente sua falta de sucesso: a heresia era surda às suas
advertências e ameaças; não respeitavam a autoridade do papa.
Essa foi a profunda sutileza de Satanás. O poder do Espírito
Santo era manifestado pelos homens dos vales e pelos Pobres Homens de Lyon, que
se espalharam pelas províncias; e agora vem uma grande demonstração de falsa
humildade e falso zelo, uma vil imitação dos dons e graças do Espírito Santo. Era
apenas por meio de tais mentiras e hipocrisia que a autoridade de Roma poderia
ser mantida, ou que o inimigo poderia esperar manter as nações da Europa no
cativeiro.
Já falamos sobre os trabalhos de Domingos no território
albigense. Lá ele passou dez anos se esforçando para erradicar a heresia.
Formou-se então uma pequena fraternidade, cujos membros saíam de dois em dois,
imitando a comissão do Senhor para os setenta. (Lucas 10; Mateus 10) As
queimadas em Languedoque então começaram. Como cães de olfato agudo, os
dominicanos iam de casa em casa em busca de presas para alimentar a espada de Monforte
e as fogueiras que haviam acendido. As grandes realizações de Domingos
garantiram-lhe o favor dos pontífices, Inocêncio III e Honório III, que o
estabeleceu nos privilégios de um "Fundador". Ele morreu em 1221; mas,
antes de abandonar o cenário de suas crueldades, não menos que sessenta
mosteiros de sua ordem surgiram em várias regiões da cristandade. Ele foi
canonizado por Gregório IX em 1233. O temível tribunal da Inquisição, direta ou
indiretamente, sem dúvida, deve sua origem a Domingos, e os mais numerosos e
impiedosos de seus oficiais pertenciam a sua irmandade. Mais alguns detalhes
poderão ser mencionados ao falarmos sobre os franciscanos, pois tinham coisas
em comum.