quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Lutero e a Bíblia Alemã

Quando a paz foi estabelecida, ele voltou-se para seu objeto favorito — a tradução do Novo Testamento, e, após uma revisão mais crítica feita por Melâncton, ele a publicou em setembro de 1522. A aparição de tal obra em um momento em que as mentes de todos estavam em um estado de grande excitação, produziu, como era de se esperar, os efeitos mais extraordinários. Como se carregada pelas asas do vento, ela se espalhou de um extremo ao outro da Alemanha e para muitos outros países. "Foi escrita," segundo D'Aubigné, "no próprio tom das Escrituras Sagradas, em uma língua ainda em seu vigor juvenil, e que pela primeira vez revelou suas grandes belezas, interessando, encantando e comovendo tanto as classes mais baixas quanto as mais altas." Mesmo o historiador papal, Maimbourg, confessa que "a tradução de Lutero era notavelmente elegante, e em geral tão bem aprovada que foi lida por quase todos em toda a Alemanha. Mulheres da mais alta distinção a estudaram com a mais industriosa e perseverante atenção, e defenderam obstinadamente as doutrinas do Reformador contra bispos, monges e doutores católicos." Era um livro nacional. Era o livro do povo — o livro de Deus. Esta obra serviu mais do que todos os escritos de Lutero para a disseminação e consolidação das doutrinas reformadas. A Reforma estava, então, assentada em seu próprio e adequado fundamento — a Palavra de Deus que vive e permanece para sempre.

As seguintes estatísticas mostram o extraordinário sucesso da obra: "Uma segunda edição apareceu no mês de dezembro; e até 1533, dezessete edições foram impressas em Wittemberg, treze em Augsburgo, doze em Basileia, uma em Erfurt, uma em Grimma, uma em Leipzig e treze em Estrasburgo."

Enquanto isso, Lutero prosseguia na realização de sua grande obra — a tradução do Antigo Testamento. Com a assistência de Melâncton e outros amigos, a obra foi publicada em partes à medida que eram concluídas, sendo totalmente finalizada no ano de 1530. A grande obra de Lutero estava então concluída. Até então ele havia falado, mas agora o próprio Deus falaria aos corações e consciências dos homens. Um pensamento vasto, maravilhoso, poderoso! Os testemunhos divinos da verdade apresentados a uma grande nação, que até então "perecia por falta de conhecimento." A palavra divina não mais seria ocultada sob uma língua desconhecida; o caminho da paz não mais seria obscurecido pelas tradições dos homens; e o testemunho do próprio Deus acerca de Cristo e da salvação seria resgatado das superstições do sistema romano.

O Retorno de Lutero a Wittemberg

Durante sua ausência no Wartburg, não houve ninguém entre seus seguidores que estivesse devidamente qualificado para sustentar as doutrinas reformadas ou dirigir a comunidade reformada. O gentil e pacífico estudioso Filipe Melâncton tinha uma mente delicada e frutífera, bem adequada para enriquecer os outros, mas inadequada para o tumulto e a tempestade das ideias republicanas combinadas com o fanatismo religioso. Andreas Karlstadt, um doutor de Wittemberg, amigo antigo de Lutero e de modo algum ignorante da verdade, foi levado a liderar um grupo de pessoas fanáticas que imaginavam estar em comunicação direta com a divindade e arrogavam para si os títulos de profetas e apóstolos. Seus números aumentaram; jovens da universidade se juntaram a eles. Eles denunciavam a tentativa de Reforma de Lutero como insuficientemente ampla e profunda. Em seu entusiasmo extravagante, proclamavam "Ai! Ai! Ai!" à falsa igreja e aos bispos corruptos. Entraram nas igrejas, quebraram e queimaram imagens, e partiram para tantos outros excessos que puseram em perigo o alvorecer da liberdade e a paz da sociedade. As autoridades civis intervieram, e vários dos zelotes foram lançados na prisão.

O clamor por Lutero era universal. Ele o ouviu em Wartburg. Sem o consentimento do Eleitor, e com grande risco para sua vida, ele apressou-se ao cenário de confusão. Entre os nomes que ficaram registrados na história por esta loucura, os mais conhecidos são Nicholas Stork, Mark Stübner, Martin Cellary, e Thomas Müntzer. Este último — Müntzer — aparece novamente em 1525 à frente de uma rebelião de camponeses, conhecida como a guerra dos camponeses.

Lutero retornou de seu "Patmos" para Wittemberg no mês de março de 1522. Foi recebido por doutores, estudantes e cidadãos com sinceras demonstrações de alegria e afeição. Seu triunfo foi fácil, mas todo baseado em poder moral. "Pregarei," ele disse, "falarei, escreverei; mas não forçarei ninguém, pois a fé é um ato voluntário. Levantei-me contra o papa, as indulgências e os papistas, mas sem violência ou tumulto. Propus a palavra de Deus, preguei e escrevi — isso foi tudo que fiz." Ele subiu ao púlpito, e sua poderosa voz ressoou mais uma vez entre as multidões agitadas. Nos sete dias seguintes, ele proferiu sete sermões. "Eles foram seguidos pelo mais completo sucesso", diz o historiador. "Todo sintoma de desordem desapareceu imediatamente; a cidade foi restaurada à sua tranquilidade anterior, a universidade aos seus estudos legítimos e princípios racionais; e Carlstadt, o infeliz autor da confusão, esmagado pela predominância de um gênio superior, retirou-se pouco tempo depois do campo de sua desgraça." Lutero era fortemente contrário à violência. Seu princípio fundamental era: antes de podermos remover vantajosamente os objetos de idolatria, como as imagens, você deve primeiro remover os erros das mentes dos adoradores. E ele sinceramente acreditava que isso só poderia ser feito pela Palavra de Deus, que ele ansiava apresentar à sua nação em sua própria língua.

Reflexões sobre o Cativeiro de Lutero

Aqui podemos fazer uma pausa e aprender uma lição útil. Como uma águia acorrentada, Lutero passa o dia todo no meio das sombrias florestas da Turíngia, meditando sombriamente sobre o estado degradado da igreja e do clero, e agitado violentamente quanto aos resultados da dieta de Worms, ao bem-estar de seus amigos e ao progresso da verdade. A corrente o fere; ele não a aceitou do Senhor; sua saúde sofre; ele passa noites inteiras sem dormir; as tendências melancólicas de sua mente aumentam, e ele imagina que é incessantemente atacado por Satanás. "Acredite em mim," escreve ele, "fui entregue a mil demônios de Satanás nesta solidão; e é muito mais fácil lutar contra demônios encarnados—ou seja, homens—do que contra espíritos malignos nos lugares elevados." Ele anseia por liberdade, e por estar na linha de frente da batalha; e, temendo ser acusado de abandonar o campo, exclamou: "Eu preferiria ser esticado sobre brasas do que ficar aqui meio morto." E toda a humanidade poderia dizer: "Uma crise chegou; os esforços ativos, os apelos irresistíveis de Lutero são mais necessários agora do que nunca; pois se o líder deste grande movimento for forçado a se retirar em um momento como este, a causa da verdade acabará por sofrer, e seus inimigos triunfarão." Mas, apesar de todo o raciocínio humano, o Mestre diz: "Não. Meus caminhos não são os seus caminhos, nem meus pensamentos os seus pensamentos. O cativeiro do Meu servo será a liberdade de milhões." E assim foi. Nenhum evento em sua história contribuiu tanto para enriquecer sua mente ou amadurecer suas opiniões sobre a natureza e extensão da reforma que a situação ao seu redor exigia quanto os livros que ele escreveu e as Escrituras que ele traduziu. Que possamos aprender a nos inclinar, bem satisfeitos, quando as ordens do Mestre são para ficarmos quietos, assim como quando Ele diz: Vá e sirva no campo para o qual Eu te chamei, e para o qual Eu te preparei. Moisés em Midiã, Paulo na Arábia e João em Patmos são lições divinas para todos os servos do Senhor.

Lutero em Wartburg

Capítulo 35 - Lutero: A Reforma na Alemanha (1521-1529 d.C.)

A súbita e misteriosa desaparição de Lutero causou grande ansiedade entre seus amigos e triunfo entre seus inimigos. Os rumores mais extraordinários circulavam por todas as províncias, de modo que o nome, o caráter e as obras de Lutero eram agora discutidos com mais fervor do que nunca. No entanto, como o sigilo era essencial para sua segurança, tanto amigos quanto inimigos permaneceram por meses sem saber o local de seu esconderijo.

O castelo de Wartburg, o lugar de seu cativeiro, que ele chamava de seu "Patmos", havia sido a antiga e inexpugnável residência dos landgraves da Turíngia, e, de sua localização montanhosa, dominava a vizinhança de Eisenach, a terra natal de sua mãe e o cenário de sua própria educação. Para não levantar suspeitas quanto à sua verdadeira identidade, ele foi obrigado a abandonar o hábito monástico, deixar a barba e o cabelo crescerem, e adotar as vestes e o título de um nobre rural—o Escudeiro Jorge. Para o monge rigoroso, o reformador ativo, o audacioso antagonista de Roma, a mudança foi extrema. Frequentemente, ele sofria graves crises de enfermidade física e angústia mental. Em algumas de suas cartas, datadas como provenientes da Ilha de Patmos, ele se queixava amargamente dos hábitos indolentes que estava adquirindo e das consequências de sua vida confortável. Mas, embora estivesse afastado de suas atividades públicas na universidade e no púlpito, ele se manteve diligente na escrita. Seus inimigos o consideravam excessivamente ativo em seu retiro. Trabalhou com incansável dedicação e publicou muitos novos livros. Foi nesse retiro que ele iniciou a maior e mais útil de todas as suas obras— a tradução da Bíblia para a língua alemã. Durante sua solidão, nos meses de verão de 1521, ele acabou por concluir o Novo Testamento; além disso, dedicou-se intensamente a aprimorar seus conhecimentos das línguas grega e hebraica, com o propósito de tornar sua versão da Bíblia ainda mais completa.

domingo, 23 de outubro de 2022

Reflexões sobre o Comparecimento de Lutero em Worms

Que tal coisa tivesse acontecido era por si só uma vitória notável sobre o papado. Sua entrada em Worms foi como uma procissão triunfal. Lá, embora um herege duas vezes condenado, excomungado e isolado de toda a sociedade humana, ele tem o privilégio de estar diante da assembleia mais augusta do mundo. O papa o condenou ao silêncio perpétuo, e agora ele é convidado, na linguagem mais respeitosa, a falar diante de milhares. E, pela boa providência de Deus, ele foi autorizado a dirigir-se a ouvintes atentos de todas as partes da Cristandade, em extensão considerável e com grande ousadia, mas sem interrupção e quase sem reprovação. "Uma imensa revolução", diz D'Aubigné, "foi assim efetuada pela instrumentalidade de Lutero. Roma já estava descendo de seu trono, e foi a voz de um monge que causou essa humilhação". O simples fato de seu julgamento em Worms anunciou ao mundo que o feitiço do papado estava quebrado e que a vitória da Reforma estava garantida. Um monge pobre, perseguido, sem amigos e solitário se opõe à majestade da tríplice coroa. O braço secular é convocado, mas o imperador se recusa a executar o decreto do papa. A proibição cai por terra. Um poder espiritual superior a ambos prevalece, e o grito de triunfo é ouvido em muitas terras. 

É perfeitamente claro que nem o papa, nem o prelado, nem o soberano conheciam a real condição da mente pública. Uma geração havia crescido até a idade adulta que havia sido ensinada pelos homens letrados a pensar por si mesmos e a ter opiniões próprias. Lutero sabia que seus próprios pensamentos sobre o papado e a Palavra de Deus eram os pensamentos de milhares. No entanto, ele ficou sozinho naquela assembleia como testemunha de Deus para a verdade. Ele manteve o direito privado de ler e interpretar a Palavra de Deus, o dever de se submeter à sua autoridade, em face da arbitrária presunção tanto da igreja quanto do imperador. Entre todos os príncipes presentes, Lutero não tinha sequer um protetor abertamente declarado, ou mesmo um único advogado de qualquer posição ou influência na assembleia. Mas o Deus que fortaleceu Elias para resistir aos sacerdotes de Baal no Monte Carmelo, e que ficou ao lado de Paulo quando ele apareceu diante dos nobres e príncipes deste mundo, e diante do próprio César, deu uma sabedoria e poder ao monge de Wittemberg que nada poderia vencer, e que fez todos os homens verem que o verdadeiro poder espiritual e a feliz liberdade só podem ser encontrados em uma boa consciência, pela fé na verdade, mas mais especialmente pela fé no Senhor Jesus Cristo, e pela presença e poder do Espírito Santo.* 

{* Universal History, de Bagster, vol. 7, pág. 18. Waddington, vol. 1, pág. 364. D'Aubigné, vol. 2, pág. 347. Para maiores detalhes, ver Milner, vol. 4.} 

O Segundo Comparecimento de Lutero à Assembleia em Worms

Os frutos de sua oração logo seriam vistos. Encontrando-se novamente diante de Carlos, o chanceler começou dizendo: "Martinho Lutero, ontem você implorou por um tempo, que agora expirou... Responde, portanto, à pergunta feita por Sua Majestade. Defenderás teus livros, ou vais retratar-te acerca deles?" Lutero voltou-se para o Imperador e, com um semblante sério, onde modéstia, brandura e firmeza se misturavam de maneira surpreendente, discorreu completamente sobre o conteúdo de seus livros. Muito do que ele disse deve ter sido muito gratificante para os alemães, mas muito irritante para os romanos. Tome o seguinte como exemplo: – “Em uma classe de meus livros escrevi contra o papado e as doutrinas dos papistas, como de homens que por seus princípios e exemplos iníquos desolaram o mundo cristão com calamidades temporais e espirituais. Suas falsas doutrinas, suas vidas escandalosas, seus maus caminhos, são conhecidos por toda a humanidade. E não é evidente que as doutrinas e leis humanas dos papas enredam, atormentam e entristecem as consciências dos fiéis, enquanto ao mesmo tempo o clamor e as extorsões perpétuas de Roma engolem as riquezas da Cristandade, e especialmente desta ilustre nação!" Mas tais explicações sobre seus livros não eram o que a assembleia exigia. Ele foi pressionado para uma declaração distinta de retratação. "Vais ou não te retratar?", exclamou o orador da assembleia. 

Lutero respondeu então sem hesitação. "Já que Vossa Sereníssima Majestade e os príncipes exigem de mim uma resposta clara, simples e precisa, eu a darei assim: — Não posso submeter minha fé nem ao papa nem aos concílios, porque é claro como o dia que eles frequentemente erraram e se contradizem. A menos que, portanto, eu esteja convencido pelo testemunho das Escrituras, ou por um raciocínio mais claro, e a menos que eles tornem minha consciência vinculada pela Palavra de Deus, eu não posso e não vou me retratar, pois não é seguro para um cristão falar contra sua consciência”. E então, olhando em volta para a assembleia -- para tudo o que era poderoso em poder, para tudo o que era venerável pela antiguidade -- ele disse nobremente: "Aqui tomo minha posição; não posso fazer de outra forma: que Deus seja minha ajuda! Amém"

Espantados com uma demonstração de coragem e veracidade inteiramente nova para eles, muitos dos príncipes acharam difícil esconder sua admiração, enquanto outros ficaram totalmente confusos. Mas -- como disseram alguns -- nestas palavras, no protesto honesto de Lutero, estava todo o coração e significado da Reforma. Os homens continuariam dizendo que isso e aquilo era verdade, simplesmente porque o papa disse? Ou será que os decretos dos papas e os cânones dos concílios deveriam ser julgados, como as palavras de homens comuns, pelas leis ordinárias da evidência, e pelo padrão infalível da Palavra de Deus? A sentença de morte do Absolutismo foi tocada. 

Quando Lutero parou de falar, o chanceler disse: "Já que não te retratas, o imperador e os Estados do império considerarão o curso que devem adotar em relação a um herege obstinado. A assembleia se reunirá amanhã de manhã para ouvir a decisão do imperador". 

O efeito geral produzido na assembleia, tanto pelo discurso quanto pelo comportamento de Lutero, foi inquestionavelmente favorável à sua posição. Ele deu a seus inimigos motivo para temê-lo. Na presença de tantos eclesiásticos poderosos, sedentos de seu sangue, ele temeu não denunciar com seu vigoroso estilo habitual as iniquidades do papado. Mas o que foi ainda mais para a causa da Reforma, ele inspirou seus amigos com sua própria confiança na verdade. Depois de uma noite de ansiedade inquieta e discussão por todas as partes, a manhã chegou, e com ela notícias pesadas para Lutero. A política do Vaticano prevaleceu nos concílios de Carlos. O seguinte edito ele apresentou à assembleia: 

"Descendente dos imperadores cristãos da Alemanha, dos reis católicos da Espanha, dos arquiduques da Áustria, dos duques da Borgonha, todos conhecidos como defensores da fé romana, estou firmemente decidido a imitar o exemplo de meus ancestrais. Um único monge, enganado por sua própria loucura, levantou-se contra a fé da Cristandade. Para deter tal impiedade, sacrificarei meus reinos, meus tesouros, meus amigos, meu corpo, meu sangue, minha alma e minha vida. Estou prestes a destituir o agostiniano Lutero, proibindo-o de causar a menor desordem entre o povo. Então procederei contra ele e seus adeptos, como hereges contumazes, por excomunhão, por interdito e por todos os meios calculados para destruí-los. Apelo aos membros dos Estados para que se comportem como cristãos fiéis". 

Por mais severa que esta declaração possa parecer, estava longe de satisfazer os papistas. Eles se esforçaram para obter a violação do salvo-conduto e reencenar a tragédia perpetrada por seus ancestrais em Constança. "O Reno", diziam eles, "deveria receber suas cinzas como recebeu as de João Hus há um século." Mas essas sugestões traiçoeiras foram derrubadas pelo espírito de honra nacional que prevalecia entre os príncipes alemães e que animava a maior parte da assembleia. Restava agora uma única esperança para o partido papal, e esse — envergonhamo-nos de escrever — era o assassinato. "Uma conspiração", diz Froude, "foi formada para assassinar Lutero em seu retorno à Saxônia. A majestade insultada de Roma poderia ser justificada pelo menos pelo punhal. Mas isso também falhou. O Eleitor ouviu o que se pretendia. Um grupo a cavalo, disfarçados de bandidos, emboscaram o reformador na estrada e o levaram para o castelo de Wartburg, onde permaneceu fora de perigo até que a insurreição geral da Alemanha o colocou fora do alcance do perigo."*

{* Short Studies on Great Subjects.} 

A Oração de Lutero

Por um momento, Lutero sentiu-se perturbado; seu olho estava longe do bendito Senhor; ele estava pensando nos muitos grandes príncipes diante dos quais teve que se apresentar; sua fé enfraqueceu; ele foi como Pedro quando olhou para as ondas em vez da Pessoa de Cristo, sentiu como se fosse afundar. Nesse estado de alma, ele caiu de bruços e gemeu pensamentos profundos que não podiam ser expressos. Era o Espírito fazendo intercessão por ele. Um amigo que ouviu sua angústia, escutou e teve o privilégio de ouvir os gritos de um coração quebrantado subindo ao trono de Deus. 

"Ó Deus Todo-Poderoso e Eterno! Quão terrível é este mundo! Eis que ele abre sua boca para me engolir, e eu tenho tão pouca confiança em Ti! ... Quão fraca é a carne, e quão forte é Satanás! Se somente na força deste mundo eu pudesse colocar minha confiança, tudo estaria acabado! ... Minha última hora chegou; minha condenação foi pronunciada! ... Ó Deus! Ó Deus! ... Ó Deus! ajuda-me contra toda a sabedoria do mundo! Faz isso; Tu deves fazer isso... Tu sozinho... pois esta não é minha obra, mas Tua. Eu não tenho nada a fazer aqui, nada para disputar com esses grandes. Eu gostaria de ver meus dias fluindo pacíficos e felizes, mas é Tua a causa... E é uma causa justa e eterna. Ó Senhor! ajuda-me! Deus fiel e imutável! em nenhum homem coloco minha confiança. Seria em vão! Tudo o que é do homem é incerto, tudo o que vem do homem falha... Ó Deus! meu Deus! Não me ouves? ... Tu te escondes! Tu escolheste me para este trabalho. Eu sei bem... Age, pois, ó Deus! ... Fica ao meu lado, por amor de Teu bem-amado Jesus Cristo, que é minha defesa, meu escudo e minha torre forte”. 

Após um curto período de luta silenciosa com o Senhor, ele novamente irrompeu naquelas palavras curtas, profundas e quebradas, que devem ser experimentadas antes que possam ser compreendidas. É a quebra dos ossos da confiança carnal e da autoimportância; isso é ser quebrantado na presença de Deus. "Senhor! onde estás Tu? ... Ó meu Deus! por Tua verdade... paciente como um cordeiro. Pois és a causa da justiça -- é Tua! ... Jamais te separarei de mim, nem agora nem pela eternidade! ... E ainda que o mundo se enchesse de demônios...  ainda que meu corpo, que ainda é obra de Tuas mãos, fosse morto, estendido sobre o pavimento, cortado em pedaços... reduzido a cinzas... minha alma é Tua?... Sim! Tua palavra é a minha certeza disso. Minha alma pertence a Ti! Ela permanecerá para sempre contigo... Amém... Ó Deus! ajuda-me! ... Amém." 

Esta oração explica o estado de espírito de Lutero e o caráter de sua comunhão com Deus muito melhor do que qualquer descrição da pena de seu biógrafo. Aqui o Deus vivo está qualificando Seu servo para Sua obra, dando-lhe o gosto da amargura da morte (2 Coríntios 4:7-12). Lutero estava apenas emergindo das trevas da superstição; ele não havia aprendido completamente a bendita verdade da morte e ressurreição, de sua unidade com Cristo, de sua aceitação no Amado. Mas sua proximidade com Deus, o poder de sua oração e a realidade de sua comunhão ainda refrescam nossos corações, mesmo após terem se passado quinhentos anos desde então.  

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