terça-feira, 24 de março de 2020

Os Procedimentos Internos da Inquisição

Sob a chefia do papado, como todos sabemos agora, os atos mais sombrios, as mais irresponsáveis tiranias e crueldades desumanas que já enegreceram os anais da humanidade puderam ser escritas. Mas longos detalhes, por mais dolorosamente interessantes, ficariam fora do escopo deste livro. Portanto, nos contentaremos com algumas breves declarações e extratos. Nenhum tribunal -- podemos seguramente afirmar -- tão alheio à justiça, humanidade e a qualquer relacionamento sagrado da vida jamais existiu nem mesmo nos domínios do paganismo ou islamismo.

Quando uma pessoa era levemente suspeita de heresia, os espiões, chamados Familiares da Inquisição, eram empregados para vigiá-la com o objetivo de descobrir a menor acusação possível que permitisse entregá-la ao tribunal do Santo Ofício. O homem podia até ser um bom católico, pois Llorente nos garante que nove décimos dos prisioneiros eram fiéis à fé católica, mas que, talvez, fossem suspeitos de manter opiniões liberais, ou por talvez terem demonstrado em suas conversas que conheciam mais de teologia do que os monges iletrados, ou porque discordavam deles em algum ponto da doutrina. Qualquer uma dessas coisas seria suficiente para criar suspeitas, pois nada era mais temido do que uma nova luz ou verdade; tal pessoa era então marcada e denunciada pelos Familiares.

À meia-noite, ouve-se uma batida, e o suspeito é ordenado a acompanhar os mensageiros do Santo Ofício. Sua esposa e família sabem o que isso significa; a angústia deles é grande; eles devem agora se despedir do amado marido e do amado pai. Nem uma palavra de súplica ou remorso se atreve a respirar. Assim, repentina e inesperadamente, essa instituição assustadora atacava suas vítimas. As esposas deixavam seus maridos; os maridos, as mulheres; os pais, os filhos; e os mestres, seus servos, sem uma pergunta ou murmúrio sequer. O terror constituía o grande elemento de seu poder. Ninguém, do monarca ao escravo, sabia quando a batida poderia chegar à sua porta. Um sigilo impenetrável caracterizava todos os procedimentos dessa instituição. Esse sentimento de insegurança e as maquinações da imaginação ajudaram a exagerar a terrível realidade. Nem a classe, nem a idade, nem o sexo ofereceriam qualquer defesa contra sua vigilância incessante e sua severidade impiedosa.

O prisioneiro, a vítima indefesa, está agora dentro dos portões da Inquisição; e poucos que já entraram de lá saíram absolvido e quites; diz-se que não mais do que um em mil. Certas formalidades eram tomadas com o objetivo de questionar a suposta culpa do acusado, mas todas não passavam de uma grosseira zombaria à justiça. "O tribunal se sentava em profundo segredo, nenhum advogado podia comparecer perante o tribunal, nenhuma testemunha era confrontada com o acusado; ninguém sabia quem eram os informantes, quais eram as acusações, a não ser a vaga acusação de heresia. O suspeito herege era convocado, pela primeira vez, para declarar sob juramento que falaria a verdade, toda a verdade, sobre todas as pessoas vivas ou mortas e sobre ele próprio, sob suspeita de heresia ou valdensianismo. Se recusasse, seria lançado em uma masmorra, a mais sombria, a mais suja, a mais barulhenta, naqueles tempos sombrios. Nenhuma falsidade era tão falsa, nenhuma artimanha tão astuta, nenhum truque tão baixo, do que essa tortura moral deliberada e sistemática que era torcer da pessoa mais confissões contra ela própria e denúncias contra os outros. Era o objetivo deliberado dos inquisidores esmagar o espírito das pessoas; a comida dada ao prisioneiro era diminuída lenta e gradualmente até que o corpo e a alma se prostrassem. Ele era então deixado na escuridão, na solidão e no silêncio." A próxima parte do procedimento do Santo Ofício nessas prisões secretas era a aplicação de tortura corporal. A vítima indefesa era acusada de ocultar e negar a verdade. Em vão a pessoa afirmava que havia respondido a todas as perguntas de maneira plena e honesta, na extensão máxima de seu conhecimento; ela era instada a confessar se alguma vez tinha tido algum pensamento maligno em seu coração contra a Igreja, ou contra o Santo Ofício, ou contra qualquer outra coisa que escolhessem nomear. Não importava a resposta que desse, a pessoa era denunciada como um herege obstinado. Após algumas expressões hipócritas quanto ao amor pela alma da pessoa e quanto ao sincero desejo deles de libertá-la do erro, para que a pessoa pudesse obter a salvação, um vasto aparato de instrumentos de tortura lhe era mostrado; a tortura agora deveria ser aplicada para fazer a pessoa confessar seu pecado.

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