O leitor tem agora diante de si o verdadeiro, embora oculto, objetivo desses homens inspirados por Satanás. É a velha e cruel história de Nabote e sua vinha: Jezabel queria as regiões encantadoras do sul como sua própria vinha, e portanto o sangue de Nabote, o jizreelita, tinha que ser derramado. Verá-se pelas ordens secretas do papa a seus legados que a ruína, não somente de Raimundo, mas de todos os príncipes em Languedoque, estava determinada, e que ele tinha enganado o conde Raimundo por uma reconciliação fingida, de modo a separá-lo do resto dos nobres de Languedoque para que pudessem ser destruídos um por um com maior facilidade. Essa era a política de Inocêncio, como vemos escrita de seu próprio punho, e seus legados eram aptos discípulos de seu mestre. Mas os espólios do conde de Toulouse e de todos os seus partidários eram uma questão de necessidade para Simão e para seus aliados, os legados; nada menos do que toda a região sul da França podia satisfazer a avareza de De Monforte e o fanatismo dos ávidos padres. Foi, portanto, determinado que se envolvessem os condes de Foix, Cominges e Beam, com todas as suas dependências territoriais.
O conde de Toulouse era suserano de cinco grandes feudos subordinados. As cortes desses soberanos mesquinhos disputavam umas com as outras em esplendor e bravura. Conta-se que a vida era, para eles, um banquete ou torneio perpétuo. Alguns deles estavam entre os mais distintos dos cruzados no Oriente e tinham trazido para casa muitos costumes de luxo oriental. Não se tratava de hereges, valdenses ou albigenses. Eles eram bons católicos por fora; mas a religião deles não passava de música de trovador. Ainda havia algumas exceções honrosas; podemos traçar a linha prateada da rica graça soberana de Deus nas cortes desses príncipes sensuais. Lemos sobre sobre Almerico, senhor de Montreuil, e sua irmã, dona Geralda de Vetville, que eram albigenses, e que defendiam suas próprias cidades contra os católicos, mas que foram subjugados; e esses senhores e senhoras com muitos outros foram rapidamente destruídos. Almerico, com oitenta nobres, foi trazido perante De Monforte. Ele ordenou que todos eles fossem enforcados, mas a armação de madeira da forca se quebrou, e então eles foram esquartejados. A senhora Geralda foi lançada em um poço e jogaram grandes pedras encima dela. Apenas alguns escaparam do massacre generalizado de Vetville para contar a história. Mas toda aquela região teve um destino similar. O verdadeiro cristão, o cortesão gentil, o cavaleiro galante, a multidão amante dos prazeres que estava tão envolvida com os hábitos luxuosos da região para serem hereges ou fanáticos -- todos tinham de se submeter aos termos papais, ou então deveriam enfrentar a forca, a fogueira ou a espada do carrasco.
Toda a região do sul da França ficou então carregada com a culpa de proteger os hereges; e Raimundo, como senhor suserano, foi convocado a aparecer perante o concílio de Arles. A máscara que até então ocultava a iniquidade selvagem do papa foi tirada. O conde foi ao concílio acompanhado de seu amigo Pedro, rei de Aragão, um católico bom e devoto, que defendeu sua causa e se ofereceu para ser fiador dele. Mas os termos de reconciliação fixados pelos clérigos foram os seguintes -- deixaremos o leitor observá-los cuidadosamente como uma amostra da arrogância e audácia papal naqueles dias: "Que o conde Raimundo deveria dissolver seu exército; que ele deveria demolir todos os seus castelos, despedir todos os comandantes de suas cidades muradas e fortalezas; que ele deveria renunciar a todos os impostos e taxas das quais deriva a principal parte de suas receitas, que ele deveria compelir toda a nobreza e comunidade em seus domínios a vestirem o manto penitencial; que ele deveria entregar todos os seus súditos suspeitos de heresia para serem convertidos ou queimados, conforme o caso; que ele deveria se manter pessoalmente pronto para ir para a Palestina servir sob a irmandade de São João de Jerusalém até que fosse dispensado pelo papa; que cada cabeça de cada família deveria pagar o equivalente a quarenta centavos anualmente ao legado; que ele deveria ser obediente à igreja, pagar todas as despesas que lhe foram cobradas, e durante toda sua vida se submetesse sem contradições. Se todos esses termos forem devidamente satisfeitos, então o legado e o Conde de Monforte lhe restaurará todas as suas terras."*
{* Greenwood, livro 3, cap. 7, p. 546; Milman, vol. 4, p. 218; Sir James Stephen`s Lectures, vol. 1, p. 225. }
A intenção desse novo ultraje era inconfundível; o infeliz conde, desafiando a ordem do concílio, partiu em companhia de seu intercessor, o rei de Aragão. O julgamento foi então dado. "O Conde de Toulouse foi condenado como um herege declarado -- um inimigo da igreja e um apóstata da fé, e seus domínios e propriedades, sejam públicas ou pessoais, serão de posse dos primeiros ocupantes que delas se apropriarem." Esses termos e decretos darão ao leitor uma fraca ideia de como a igreja, usando a mais santificada linguagem e pretensões, conseguia a ruína de um nobre naqueles dias, para que obtivesse posse de suas terras e suas riquezas. Era assim em todo lugar. O príncipe e seu povo deveriam ser afogados em sangue ou consumidos com fogo se suas posses não pudessem ser obtidas por meios mais brandos. Cada Nabote tinha que entregar seu campo a Jezabel, se ela o desejar. E antes de deixar esse ponto, que o leitor tenha em mente que, exatamente nesse momento em que o papa e seus legados trabalhavam pela ruína do conde e dos seus chefes vassalos, os inquisidores Domingos e Reinerius estavam ocupados em um "reconhecimento religioso de toda a área da heresia", tendo a total autoridade do próprio papa para infligir pena de morte aos hereges. Esse terrível tribunal, que então obteve, e até hoje retém, o nome de Inquisição, foi aberto pela primeira vez nesse ano -- um ano de terrível memória, 1210 d.C., em um castelo perto de Narbona.
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