Tendo surgido algumas disputas entre o vigário-geral e vários dos mosteiros agostinianos, Lutero foi escolhido como uma pessoa apta para representar todo o assunto perante Sua Santidade em Roma. Era necessário, na sabedoria de Deus, que Lutero conhecesse Roma. Como monge no norte, ele só pensava no papa como o pai santíssimo e em Roma como a cidade dos santos; e esses preconceitos e ilusões só podiam ser dissipados pela observação pessoal: as informações não circulavam naquela época como agora.
No ano de 1510, sem um tostão e descalço, Lutero cruzou os Alpes. Uma refeição e uma noite de descanso ele pedia nos mosteiros ou nas casas de fazenda enquanto caminhava. Mas mal havia descido os Alpes, quando encontrou mosteiros de mármore e os monges alimentando-se da comida mais suntuosa. Tudo isso era novo e surpreendente para o frugal monge de Wittemberg. Mas quando chegou a sexta-feira, qual foi seu espanto ao encontrar as mesas dos beneditinos repletas de carnes saborosas? Ele ficou tão indignado que se aventurou a dizer: "A Igreja e o papa proíbem essas coisas". Por este protesto, alguns dizem, ele quase pagou com sua vida. Tendo recebido um convite amigável para se retirar, ele deixou o mosteiro, viajou pelas quentes planícies da Lombardia e chegou a Bolonha, gravemente doente. Aqui o inimigo fez com que ele voltasse seus pensamentos para si mesmo, deixando-o muito perturbado com o senso de sua própria pecaminosidade, pois a perspectiva da morte o enchia de medo e terror. Mas as palavras do apóstolo, "o justo viverá pela fé", como um raio de luz do céu, afugentou as nuvens escuras, mudou a corrente de seus pensamentos e restaurou sua paz de espírito. Com o retorno de suas forças, retomou sua jornada, e depois de passar por Florença, e labutando sob um opressivo sol italiano pela longa extensão dos Apeninos, ele finalmente se aproximou da cidade das sete colinas*.
{* N. do T.: Roma. }
Devemos prefaciar a entrada de Lutero em Roma lembrando aos nossos leitores que, embora ele tivesse recebido a verdade do evangelho, ele ainda era um papista, e que sua devoção ao papado partilhava da veemência do fanatismo. Roma, para o rude alemão, era a cidade santa, santificada pelos túmulos dos apóstolos, pelos monumentos dos santos e pelo sangue dos mártires. Mas, infelizmente, a Roma da realidade era muito diferente da Roma de sua imaginação. Ao se aproximar dos portões, seu coração batia violentamente. Ele caiu de joelhos e, com as mãos levantadas para o céu, exclamou: "Santa Roma, eu te saúdo! Bem-aventurada Roma, três vezes santificada pelo sangue de teus mártires!" Com todo tipo de termos afetuosos e respeitosos ele saudou assim a metrópole da Cristandade. E sob a influência desse grande entusiasmo ele se apressou para os lugares sagrados, ouvindo todas as lendas pelas quais eles são consagrados; e tudo o que ele viu e ouviu, ele creu com muita devoção. Mas seu coração logo adoeceu com a profanação dos padres italianos. Um dia, quando ele estava repetindo a missa com grande seriedade, ele descobriu que os padres em um altar adjacente já haviam repetido sete missas antes que ele terminasse uma. "Rápido, rápido!" exclamou um deles, "devolva a Nossa Senhora o seu Filho", fazendo uma alusão ímpia à transubstanciação do pão no corpo e sangue de Jesus Cristo. A profanação dificilmente poderia alcançar um tom mais alto. O desencanto de Lutero foi completo, e o propósito de Deus em sua educação foi cumprido.
Lutero esperava encontrar em Roma uma religião austera. "Sua fronte rodeada de dores, repousando sobre a terra nua, saciando sua sede com o orvalho do céu, vestida como os apóstolos, andando por caminhos pedregosos, e o evangelho debaixo do braço; mas em lugar disso ele viu a triunfal pompa do pontífice; os cardeais em liteiras, a cavalo ou em carruagens, brilhando com pedras preciosas e cobertos do sol por um dossel de penas de pavão. As igrejas esplêndidas, os rituais mais esplêndidos e o esplendor pagão das pinturas eram para Lutero, cujo coração estava pesado com os pensamentos das profanações dos padres, totalmente insuportáveis. O que era a Roma de Rafael, de Michelangelo, de Perugino e de Benvenuto, para o pobre monge alemão, que havia percorrido quatrocentas léguas a pé, esperando encontrar aquilo que aprofundaria sua devoção e fortaleceria sua fé?
No entanto, tal era o poder da superstição que Lutero recebeu em sua educação, não obstante seu conhecimento das Escrituras e seu amargo desapontamento por Roma, que um dia, desejando obter uma indulgência prometida pelo papa a todos os que subissem de joelhos o que é chamado de escada de Pilatos, lá estava ele humildemente subindo aqueles degraus, que lhe disseram terem sido milagrosamente transportados de Jerusalém para Roma. Foi então que ele pensou ter ouvido uma voz, alta como um trovão, clamando: "O justo viverá pela fé". Espantado, ele se levanta dos degraus pelos quais arrastava o corpo; envergonhado de ver a que profundidade a superstição o havia mergulhado, ele foge com toda a pressa da cena de sua loucura.
Tendo resolvido o negócio para o qual foi enviado, ele virou suas costas para a cidade pontifícia, para nunca mais lá voltar. "Adeus! Roma", disse ele; "que todos os que desejam levar uma vida santa afastem-se de Roma. Tudo é permitido em Roma, exceto ser um homem honesto." Ele não pensava ainda em deixar a igreja católica romana, mas, perplexo e perturbado, voltou para a Saxônia.
Logo após o retorno de Lutero a Wittemberg, a pedido urgente de Staupitz, ele obteve o grau de Doutor em Divindade. O Senado também lhe deu o púlpito da igreja paroquial, o que lhe abriu imediatamente uma esfera da maior utilidade. Mas Lutero, alarmado com a responsabilidade, mostrou alguma relutância em aceitar uma dignidade de tal importância espiritual. Como o seu amigo vigário procurou tirar-lhe a hesitação, forçando-o a esse serviço, submeteu-se, e no desempenho das suas funções de púlpito teve a rara oportunidade de pregar a Palavra de Deus e o Evangelho de Cristo nos claustros do seu convento, na capela do castelo, e na igreja colegiada. Sua voz, diz a história, era boa, sonora, eletrizante; suas gesticulações eram simples e nobres. Uma ousada originalidade sempre marcou a mente de Lutero, encantando muitos por suas novidades e dominando outros por sua força. Ele adquirira nos últimos quatro ou cinco anos um conhecimento respeitável tanto do grego quanto do hebraico; ele havia lido profundamente o Novo Testamento; ele estava plenamente seguro de que a justificação pela fé era a verdadeira doutrina do evangelho; que a Palavra de Deus era o meio primário e fundamental para o reavivamento e reforma da igreja.
Do ano de 1512 ao memorável ano de 1517, Lutero foi um arauto intrépido da Palavra de vida. Em todas as coisas ele desejava apenas conhecer a verdade, livrar-se e expulsar de si as falsidades e superstições de Roma. E assim deixamos Lutero por um tempo, engajado em sua gloriosa obra, enquanto nos voltamos por alguns momentos ao estado de coisas na igreja que trouxe Johann Tetzel e suas indulgências para as redondezas de Wittemberg.*
{*D'Aubigné, vol. 1. Short Studies, de Froude, vol. 1. Reformation, de Waddington, vol. 1. Universal History, vol. 6, de Bagster e Filhos.}
(Fim do Capítulo 33)