domingo, 22 de novembro de 2020

A Invenção da Prensa e a Melhoria do Papel

Justamente neste período, o Senhor estava fazendo "todas as coisas cooperarem para o bem" de uma forma notável. Dois agentes silenciosos de imensa influência e poder foram ordenados para preceder as vozes vivas de Seus pregadores do evangelho -- a invenção da prensa* e da manufatura de papel. Essas invenções harmoniosas foram levadas a grande perfeição durante a última metade do século XV, pelas quais podemos elevar nossos corações em louvor e gratidão a Deus.

{*N. do T.: Leia mais sobre a prensa de Gutenberg em https://pt.wikipedia.org/wiki/Prensa_m%C3%B3vel }

Chegamos agora a um ponto decisivo em nossa história; e não apenas na história da Igreja, mas da civilização, da condição social dos Estados europeus e da família humana. É bom parar em tal eminência e olhar ao nosso redor por um momento. Vemos uma mão divina para o bem de todos juntando as peças, embora estivessem aparentemente desconectadas. A queda de um império, a fuga de alguns gregos com seus tesouros literários, o despertar da mente há muito adormecida do mundo ocidental, a invenção da impressão de tipos móveis* e a descoberta da manufatura de papel branco fino com trapos de linho. Por mais incongruente que "trapos de linho" possa soar com a literatura dos gregos e com a habilidade de Guttenberg, ambos teriam se mostrado de pouca utilidade sem o papel melhorado. Os meios, os mais insignificantes na conta do homem, quando usados ​​por Deus, são todos suficientes. Por um poder milagroso, uma vara seca na mão de Moisés sacode o Egito do centro à circunferência, divide o Mar Vermelho e tira água viva da rocha dura: uma pedra lisa do riacho, ou um chifre de carneiro vazio, realiza grandes livramentos em Israel. O poder é de Deus e a fé olha apenas para Ele.

{*N. do T.: Tipos são os moldes de caracteres letras usadas em uma prensa, isto é, em uma máquina de impressão antiga. Veja mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/Tipo_(tipografia). }

É um fato profundamente interessante para o cristão que o primeiro livro completo que Gutenberg imprimiu com seus tipos de metal lapidado foi uma edição in-fólio da Bíblia na vulgata latina, consistindo de seiscentos e quarenta e uma folhas. Hallam, em sua História Literária, observa belamente: "É uma circunstância muito surpreendente que os inventores da grande arte tenham tentado desde o início um voo tão ousado como imprimir uma Bíblia inteira, e o executaram com grande sucesso... Podemos ver na imaginação este volume venerável e esplêndido conduzindo as miríades de seus seguidores e implorando, por assim dizer, uma bênção sobre a nova arte, ao dedicar suas primícias ao serviço do céu."*

{* Literature of Europe, vol. 1, pág. 153.}

Embora dificilmente se enquadre no escopo de nosso livro, mesmo que brevemente, esboçaremos a história da grande descoberta para o bem de alguns de nossos leitores que podem não ter tais histórias em mãos, mencionando apenas alguns detalhes, pois foi um dos agentes mais poderosos da Reforma.

Desde antigamente, o modo de impressão a partir de blocos de madeira já era praticado. Às vezes, as gravuras ou impressões eram acompanhadas por algumas linhas de letras recortadas no bloco. Gradualmente, estes foram estendidos a algumas folhas e chamados de blocos de livros. Um ferreiro engenhoso, dizem, inventou no século XI letras separadas de madeira. O célebre Johannes Gutenberg, nascido em um vilarejo próximo a Mainz, no ano de 1397, substituiu as letras de madeira pelo metal, e seu sócio Schoeffer recortou os caracteres em uma matriz, após a qual os tipos eram fundidos, completando assim a arte da impressão como até hoje permanece*.

{* Este livro foi escrito no século XIX, quando não havia ainda outros métodos de impressão, como o offset e a impressão digital, que são mais comuns hoje. Leia mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/Impress%C3%A3o. }

O pergaminho, as preparações de palha, casca de árvore, papiro e algodão foram suficientes para o impressor e o transcritor até o século XIV. Mas esses preparativos teriam sido totalmente inadequados para suprir a demanda do novo processo. Felizmente, no entanto, a descoberta do papel feito com trapos coincidiu com a descoberta da impressão por meio da prensa. A primeira fábrica de papel da Inglaterra foi erguida em Dartmouth por um alemão chamado Spielmann, em 1588, que acabou sendo nomeado cavaleiro pela Rainha Isabel.

A Captura de Constantinopla

Capítulo 32: A Palavra de Deus Impressa (1397-1516 d.C.)

No ano de 1453, após um cerco fechado de 53 dias, a capital da Cristandade oriental caiu nas mãos dos vitoriosos turcos. O imperador, que tinha o nome do fundador de Constantinopla, demonstrou grande bravura durante o cerco; ele jogou fora sua púrpura e lutou na brecha, até que ele, com os nobres que o cercavam, caiu entre os mortos. Este foi o último dos Constantinos e o último imperador cristão de Constantinopla. A maioria dos habitantes que restaram foi vendida como escravos ou massacrada, e cinco mil famílias turcas foram trazidas para a cidade como colonos. Seguiram-se destruição, violência e palavrões, excedendo em muito nossa capacidade de descrevê-los. A antiga igreja de Santa Sofia foi despojada de todas as valiosas oferendas de séculos, as imagens foram quebradas em pedaços e, depois de ter sido palco de grosseiras profanações, foi transformada em uma mesquita. Os tesouros da erudição grega – que alguns dizem terem chegado a cento e vinte mil livros manuscritos – foram destruídos ou dispersos. A conquista estava completa, e Maomé II imediatamente transferiu a sede de seu governo para Constantinopla.

Mas a ambição ilimitada do feroz otomano estava longe de ser satisfeita: ele contemplava nada menos do que a conquista de toda a Cristandade. E de suas vitórias rápidas e fáceis sobre muitos dos principados cristãos menores no Oriente, pareceria que, se a morte não tivesse livrado o mundo de tal tirano, ele poderia ter seguido seu caminho de conquista através do coração da Europa. Que cidade, que reino, que poder, iria prender o invasor feroz? Toda a Europa estremeceu, especialmente a Itália. Dizem que a morte de Nicolau V foi antecipada pela notícia da captura de Constantinopla. A tristeza e o medo partiram o coração do velho. Mas depois de derrubar impérios, reinos e cidades sem número, Maomé II morreu, aos cinquenta anos, de dores internas, supostamente efeitos de veneno.

As notícias sobre essas pesadas calamidades no Oriente espalharam uma profunda escuridão sobre todo o Ocidente. Mas aquilo que ameaçava deter o progresso da civilização e a propagação do Cristianismo foi sobrepujado por uma Providência sábia e boa para o avanço de ambos de uma maneira maravilhosa. A queda de Constantinopla nas mãos dos infiéis levou muitos gregos eruditos para a Itália, e da Itália para muitos outros países da Europa. Aconteceu, justamente nessa época, que o papa reinante, Nicolau V, se distinguiu por seu amor pela literatura, o que ele muito promoveu por sua posição e riqueza. Os refugiados trouxeram os livros que conseguiram resgatar das ruínas de seu império caído. O estudo do grego foi revivido por esses meios e se tornou extremamente popular. Entre esses alunos, aprouve a Deus suscitar homens de mente altamente cultivada e coração devoto, que muito fizeram no preparo do caminho para a grande Reforma.

domingo, 15 de novembro de 2020

A Conexão entre as Testemunhas

Antes de deixar os morávios, podemos lembrar à mente do leitor o fato interessante de uma conexão antiga entre eles e os valdenses, se não também entre eles e os paulicianos. A Boêmia e a Morávia continuaram no paganismo até o século IX, quando receberam o evangelho dos missionários orientais; provavelmente também dos paulicianos. Pedro Valdo, no século XII, expulso de Lyon pela perseguição, encontrou refúgio na Boêmia, onde trabalhou por vinte anos com grande sucesso. No século XIV, seus seguidores na Boêmia e Passau somavam oitenta mil e, em toda a Europa, cerca de oitocentos mil. A corte de Roma, irritada com o zelo e ofendida pelas práticas dos unidos paulicianos, valdenses, boêmios e morávios, resolveu que deveriam ser submetidos ao jugo romano. O celibato foi ordenado, o cálice foi proibido aos leigos e o serviço religioso realizado em latim. Uma luta começou, os boêmios protestaram, Roma perseguiu e, embora muitos continuassem firmes, outros gradualmente declinaram e perderam muito de sua pureza original de doutrina e simplicidade de adoração. Assim, as coisas continuaram por cerca de trezentos anos, quando Jan Hus e Jerônimo de Praga levantaram novamente o estandarte da verdade, testemunharam contra as corrupções de Roma e acenderam, pelas chamas de seu martírio, uma luz que logo se espalhou por toda a Europa, e que continua a brilhar em nossos dias, pela boa providência de Deus. Rastrearemos em seguida o caminho misterioso pelo qual essa luz viajou.* 

{* Ver "Moravians" em Dictionary of Sects, de Marsden; Waddington, vol. 3, pág. 196; Latin Christianity, vol. 6, pág. 200; Milner, vol. 3, pág. 336; J.C. Robertson, vol. 3, pág. 284; Mosheim, vol. 3, pág. 17; Variations of Popery, de Edgar, pp. 202, 533.}

A Unidade dos Irmãos

A primeira migração para a Morávia foi em 1451. Muitos dos cidadãos de Praga, com alguns da nobreza e homens eruditos, e até mesmo alguns dos mais piedosos dos calixtinos, juntaram-se a eles. Eles então assumiram o nome de Unitas Fratrum, ou Unidade dos Irmãos. Esta foi a origem de uma comunidade que continua até os nossos dias. Pelo espaço de três anos, eles desfrutaram de paz e liberdade de consciência. O espírito missionário, pelo qual os morávios sempre se destacaram, manifestou-se naquele período inicial de sua história. Agora, a linha prateada do amor do Salvador e o zelo cristão deles brilha intensamente. Não pudemos ver nenhum traço disso quando eles estavam usando armas carnais para a defesa da verdade de Deus. Mas assim que a graça brilhou e seu número aumentou, os sacerdotes romanos os olharam com suspeita. Muitas almas foram convertidas por meio de sua pregação, e congregações foram formadas em diferentes partes do país. 

Falsas acusações foram divulgadas pelos monges e frades, obra maligna que sempre convinha às suas línguas mentirosas. “Sedição!”, foi o clamor. “Os morávios estão reunindo números”, disseram os monges, “para que possam renovar as guerras taboritas e tomar o governo”. O rei ficou alarmado; o sem princípios Rokyzan, com medo de perder sua dignidade na igreja, aliou-se aos católicos e influenciou os calixtinos a se voltarem contra seus irmãos. Eles foram denunciados como hereges incorrigíveis. Uma perseguição amarga irrompeu em toda a sua fúria sobre os irmãos missionários. Mas o joio parece ter sido separado do trigo, pois, ao contrário dos dias de Žižka, a nova geração dos antigos hussitas decidiu não usar nenhuma arma carnal em defesa de si mesmos ou de sua religião. Mas a coragem destemida, que caracterizava seus antepassados ​​no campo de batalha, era agora exibida em sua perseverança paciente de sofrimento por amor de Cristo. Sob suas mais pesadas aflições, a energia deles nunca falhou. Eles foram declarados como tendo perdido os direitos comuns de súditos do rei; suas propriedades foram confiscadas; eles foram até mesmo expulsos de suas casas no auge do inverno, e compelidos a vagar pelos campos abertos, onde muitos morreram de frio e fome. Todas as prisões na Boêmia, especialmente em Praga, estavam lotadas com os irmãos. Vários tipos de tortura foram infligidos aos prisioneiros: alguns tiveram suas mãos e pés decepados; outros foram rasgados no cavalete*, queimados vivos ou assassinados barbaramente. Esses ultrajes continuaram por quase vinte anos com pouca redução, mas a morte do rei em 1471 e o remorso de Rokyzan, o arcebispo, trouxeram um certo alívio. Eles não foram mais expostos à tortura, mas foram expulsos do país. 


Os Irmãos Unidos, assim compelidos a deixarem suas casas em Lititz e outras cidades e vilas, foram obrigados a viver em florestas e sob o abrigo de rochas, acendendo suas fogueiras à noite. E, por mais singular que possa parecer, eles não apenas se empenharam em consolar uns aos outros, mas em aperfeiçoar o que eles chamavam de “a constituição da igreja”, esquecendo-se, como muitos outros têm feito, que Deus fez perfeita a constituição da igreja no Pentecostes, e no-la revelou em Sua santa Palavra. Cerca de setenta pessoas realizaram um sínodo na floresta. Duas resoluções foram adotadas e que marcaram o futuro caráter dos morávios: (1) que era necessário providenciar homens adequados para o ofício ministerial; e (2) que eles deveriam ser escolhidos por sorteio como Matias em Atos 1:24-26. Como princípio fundamental, os irmãos sustentavam que "as sagradas escrituras são a única regra de fé e prática". Ao mesmo tempo, foi feita uma distinção entre o essencial e o não essencial, o que deixa amplo espaço para a vontade humana e a imaginação. O essencial diz respeito à questão da salvação do homem; os não essenciais, às coisas exteriores do Cristianismo, como ritos, cerimônias, costumes e regulamentos eclesiásticos. E, além disso, eles poderiam ser alterados de acordo com o melhor julgamento humano, para que a grande obra do evangelho fosse promovida. Isso é humano, não exclusivamente morávio. É, praticamente, o ditado comum: "O fim justifica os meios". Mas certamente o que Deus revelou nunca pode deixar de ser essencial, e o que Ele não revelou nunca deveria ser introduzido em Sua assembleia. 

Os irmãos que foram banidos da Morávia foram gentilmente recebidos na Hungria e na Moldávia, e se distinguiram muito por seus trabalhos missionários e outros serviços religiosos. Por volta do ano de 1470, eles publicaram na língua boêmia uma tradução de toda a Bíblia. Esta é a segunda tradução registrada da Bíblia para uma das línguas europeias. Passou por várias edições rapidamente e, dessa maneira, essas pessoas interessantes e devotadas prepararam o caminho para Lutero, Melâncton e Calvino.

Divisões Internas

Os hussitas não eram todos de uma mesma opinião quanto a uma trégua que foi proposta; então, eles se dividiram e formaram dois partidos. Os calixtinos -- de cálix, ou taça -- o partido mais moderado, dispuseram-se a renunciar a todos os demais assuntos de reclamação, desde que o cálice na Eucaristia fosse administrada aos leigos, e que fosse dada permissão de lerem a Palavra de Deus. Os taboritas foram muito mais longe: eles aderiram às doutrinas de Hus. Além da celebração da Ceia do Senhor incluindo ambos os símbolos – o pão e o cálice –, eles lutaram por uma reforma completa da igreja: a abolição de todos os erros e cerimônias papais e o estabelecimento de um sistema de doutrina e disciplina baseada nas Escrituras. 

A traição, o recurso infalível de Roma, agora via seu caminho livre para cercar a ruína dos taboritas. No Concílio de Basileia, Rokyzan, um bispo dos moderados e um homem eloquente, foi elevado ao arcebispado de Praga, para que por sua influência os objetivos da igreja católica fossem alcançados. Quatro artigos foram pactuados, denominados Compact; os obedientes calixtinos foram recebidos de volta ao seio da igreja, mas os privilégios assim concedidos foram logo depois anulados pelo papa. Os taboritas, recusando-se a assinar o pacto, foram perseguidos tanto por seus velhos amigos, os calixtinos, quanto pelos católicos. Mas, em vez de resistirem por meio da espada carnal, como nos dias de Žižka e Procópio, foram levados a ver que a fé em Deus, a paciência, a perseverança em fazer o bem e a oração com fé eram os braços adequados a um soldado cristão. Rokyzan, que ainda tinha algum sentimento gentil por seus velhos amigos, obteve permissão do soberano para que os perseguidos taboritas se retirassem ao senhorio de Lititz, nos confins da Morávia e Silésia, e ali estabelecessem uma colônia e regulassem seu próprio culto e disciplina.

A Derrota Total do Exército Papal

O imperador, de coração partido, estava sendo então acusado de covardia pessoal. Uma quinta cruzada foi convocada, e deveria ser conduzida por um cardeal. Os preparativos foram feitos em grande escala. Quatro grandes exércitos, totalizando cerca de duzentos mil homens, cruzaram a fronteira da Boêmia. A força que os taboritas conseguiram reunir chegou a trinta e um mil. Mas o grande empreendimento papal terminou no mais vergonhoso fracasso. Os alemães, ao avistarem Žižka com seus selvagens carros de guerra, foram tomados pelo pânico; o Cardeal Giuliano sozinho se conduziu com coragem. Enquanto avançava, encontrou suas tropas fugindo em terror abjeto. Com o crucifixo na mão, ele implorou que se reunissem pelas mais solenes considerações da religião, mas foi em vão. Ele próprio foi obrigado a fugir; com dificuldade escapou disfarçado de soldado comum, deixando para trás a bula papal, seu chapéu de cardeal e suas vestes pontifícias. Esses troféus foram preservados por dois séculos na igreja de Taas, e as bandeiras capturadas foram penduradas na igreja de Tron em Praga. Os alemães perderam dez mil homens nesta fuga escandalosa, além de muitos mais que, em sua retirada, foram perseguidos e mortos pelo campesinato. 

Depois de continuar na guerra por treze anos, Žižka morreu. Ele foi tão lamentado pelos taboritas que eles mudaram o nome pelo qual se chamavam para “os órfãos”. Ele foi sucedido por Procópio, um nome quase igualmente famoso na história da guerra da Boêmia. Mas o imperador não estava disposto a continuar uma competição tão ruinosa. A espada retributiva de Žižka o privou de sua glória no campo e frustrou suas intenções de fortalecer a igreja. Na batalha, ou melhor, no massacre de Ústí nad Labem, em 1426, a perda estimada dos alemães varia de nove a quinze mil homens, enquanto os boêmios perderam apenas cinquenta, e quase todos os vestígios externos da religião romana foram varridos pela inundação avassaladora. Igrejas foram queimadas juntamente com aqueles que se refugiaram nelas. Silvio, o historiador católico romano, descreve as igrejas e conventos da Boêmia como mais numerosos, mais magníficos, mais bem adornados do que os de qualquer outro país europeu; mas, com poucas exceções, todos foram demolidos pelos irresistíveis taboritas. Mais de quinhentas igrejas e mosteiros, com todos os seus símbolos de idolatria, foram totalmente destruídos. Tal foi a terrível providência retributiva de Deus em Seu trato justo com os assassinos de Hus e Jerônimo. A terrível visitação caiu, e com a mais fulminante severidade, tanto sobre o império quanto sobre a igreja de Roma.

domingo, 1 de novembro de 2020

As Vitórias dos Taboritas

Venceslau, Rei da Boêmia, morreu exatamente nessa época de um ataque de apoplexia; e como ele não deixou nenhum herdeiro, a Boêmia foi herdada por seu irmão Sigismundo. Essa mudança foi o sinal para uma guerra aberta por parte dos reformadores. Sigismundo foi execrado como traidor por ter atraído Hus para Constança; ele o havia abandonado a seus inimigos impiedosos, os inimigos da verdadeira fé. Com a fúria do fanatismo religioso, eles demoliram e desfiguraram tudo o que trazia a marca da religião romana. O imperador, o mais rápido possível, voltou sua atenção especial para o reino recém-herdado, mas em lugar de uma recepção leal, sua soberania foi repudiada em todos os lugares. O primeiro exército cruzado foi derrotado pelo vitorioso Žižka, e Sigismundo foi obrigado a fugir das muralhas de Praga.

Os seguidores de Žižka, sendo principalmente camponeses, a princípio não tinham outras armas de guerra além de seus implementos agrícolas, como manguais, clavas, forcados e foices; de modo que Sigismundo os chamou zombeteiramente de debulhadores; mas ele logo sentiu o poder irresistível deles e as feridas mortais que infligiram. Žižka os ensinou a carregar seus implementos com ferro e a conduzir suas carroças rústicas no campo de batalha de modo a servir ao propósito dos antigos carros de guerra. Martinho V, agora seguro em Roma, ouviu à distância sobre Žižka carregando fogo e espada em todas as direções -- massacrando clérigos e monges, queimando e demolindo igrejas e conventos, se vingando dos inimigos da verdadeira fé e erradicando a idolatria, como sua missão divina. Uma bula foi emitida a pedido do imperador, convocando os fiéis a se levantarem para a extirpação do wycliffismo, hussismo e outras heresias, e prometendo indulgências completas para aqueles que participassem do empreendimento pessoalmente ou por procuração. Um exército estimado em cem mil a cento e cinquenta mil foi reunido em quase todos os países europeus.

O espírito dos hussitas foi fortalecido em todas essas ocasiões, seguindo o exemplo da colina de Tabor. Eles celebraram a comunhão, jurando gastar seus bens e seu sangue ao máximo em defesa da chamada Reforma. O cálice eucarístico não era apenas representado nas bandeiras dos taboritas, mas também carregado por seu clero à frente de seus exércitos. Sigismundo entrou na Boêmia à frente das hostes de cruzados, e, determinado a subjugar os rebeldes à obediência, queimou sem escrúpulos os professores hereges, e arrastou outros nas caudas de seus cavalos. Mas a hora da vingança estava próxima. Ardendo de indignação e entusiasmo religioso, Žižka e seus seguidores exasperados surpreenderam os cruzados e os derrotaram com grande massacre em uma colina perto de Praga, que ainda leva seu nome. Uma segunda campanha viu o exército imperial se separar e, em pânico, fugir diante do renomado Žižka. Uma terceira e uma quarta vez o imperador invadiu o país à frente de vastas forças -- em um caso, dizem, duzentos mil homens, mas todas as vezes os exércitos da igreja fugiram em confusão e desgraça diante dos invencíveis taboritas. Em alguns casos, eles perseguiram e massacraram, em vez de simplesmente derrotar, os inimigos de Deus e da verdadeira fé. A crueldade de ambos os lados tornou-se excessiva. Os taboritas que por acaso caíram nas mãos de seus inimigos foram queimados vivos ou vendidos como escravos. Foi uma guerra de vingança, de extermínio, e foi considerado o mais sagrado dos deveres tomar a propriedade e derramar o sangue dos inimigos de Deus.


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