domingo, 8 de julho de 2018

A Perplexidade do Rei

Não é difícil imaginar com que sentimentos o orgulhoso e ferido Plantageneta* recebeu as novidades sobre o comportamento de seu primaz. Além de possuir riqueza e poder acima de qualquer monarca de sua época, ele foi um homem de grandes habilidades, decisão e atividade. Após várias porém infrutíferas tentativas de trazer o obstinado padre ao arrependimento, foram dadas ordens para que fosse julgado como traidor. Becket, conhecendo o temperamento e poder de Henrique, razoavelmente concluiu que sua melhor chance de manter sua segurança pessoal consistia na fuga. Ele foi recebido pelo rei da França, não como fugitivo, mas como um distinto convidado digno de toda honra. O arcebispo foi então proclamado um traidor; seus amigos pessoais e relações com eles foram banidas; e severas medidas foram adotadas para prevenir comunicações com seus partidários na Inglaterra. Becket, em retaliação, excomungou todos os seus oponentes. E assim, a tempestade e as lutas se enfureceram por sete longos anos. Durante esse tempo, muitos soberanos, papas e antipapas, prelados e dignatários de todos os tipos, se misturaram à tormenta. Mas nesse labirinto de falsidade, traição e injustiça, não nos atreveremos adentrar.

{*N. do T.: Henrique II foi um rei da dinastia Plantageneta da Inglaterra.}

Tendo examinado com algum cuidado as grandes questões da Igreja e do Estado -- e não sem uma medida de interesse nacional* -- que levaram a essa imprópria disputa, sentimos que já vimos o suficiente. Os detalhes desses sete anos seriam tediosos e de pouco proveito para o escopo e objetivos deste livro. As piores paixões de nossa natureza humana caída já foram abundantemente exibidas. Além disso, tais disputas não poderiam ter fim a menos que ocorra a morte do padre ou a submissão do rei. De acordo com os princípios papais, o padre nunca pode estar errado e nunca pode ceder.

{*N. do T.: O autor vivia na Inglaterra}

Esse era o terreno de Becket, o qual ele inflexivelmente mantinha. Mas enfim, através da intercessão do rei da França e do papa, foi-lhe permitido retornar do exílio. Ele muito duvidou da sinceridade de Henrique, mas considerou seu próprio retorno um glorioso triunfo sobre o rei. Ele era tão arrogante e inflexível como sempre, e exigiu a imediata restituição das propriedades de sua Sé, e imperativamente se recusou a absolver os bispos e os demais que ele tinha excomungado.

Desde o início do conflito, seu porte sempre foi insultante e desafiante. A conduta de Becket desde seu retorno foi detalhada a Henrique pelos bispos que imploravam sua proteção por eles mesmos e pelo clero do reino. Um deles incautamente disse: "Enquanto Tomás viver, você nunca terá paz". A mente do rei estava muito perturbada e procurava alívio. Enlouquecido pela inconquistável firmeza e arrogância de Becket, o desejo secreto de seu coração explodiu de seus lábios -- "Sou um príncipe infeliz: será que ninguém me vingará por um único padre insolente, que me dá tantos problemas, e que procura por todos os meios anular minha autoridade real?".

Tomás A. Becket se Opõe ao Rei

A guerra estava então publicamente declarada entre a prerrogativa da coroa e as pretensões da Igreja. A mesma batalha que foi lutada entre Henrique IV da Alemanha e Gregório VII seria agora lutada novamente em terreno inglês pelo rei e o arcebispo. Becket renunciou à chancelaria e devolveu os selos de seu ofício. Ele se retirou dos prazeres da corte, das caças, dos banquetes, dos torneios, da guerra e do conselho, e tornou-se de repente um austero e mortificado monge. Ele vestiu as vestes do monge, uma camisa de pano, e açoitava-se com um flagelo de ferro. Todos os seus bons privilégios foram deixados; ele jejuava no pão e na água, deitava-se no chão duro, e toda noite com suas próprias mãos lavava os pés de treze mendigos. Essa suposta santidade inacessível era sua força para a batalha. As mãos seculares não podiam tocar no santo homem de Deus -- o sumo sacerdote ungido do Senhor. Becket conhecia o personagem: estudou cada dobra de seu caráter.

Henrique ficou espantado, desconfortável e desapontado. Ele tinha promovido seu ministro favorito para a posição ainda mais alta de Arcebispo da Cantuária, para que seus serviços pudessem ser mais eficazes contra o partido romanizante na Inglaterra. Não era uma questão, que fique observado, relativa aos privilégios legais apropriados da igreja da Inglaterra; Henrique não tinha mostrado qualquer disposição de interferir neles. Mas a Igreja tinha mostrado, através das instruções do papa, o mais resoluto propósito de interferir nas liberdades da coroa e de todo o povo da Inglaterra. E o rei não conhecia homem algum em todos os seus domínios capaz de competir em talento e agilidade com os emissários de Roma como seu chanceler e companheiro.

Agora, pensava ele, temos um à frente da igreja, assim como do Estado, que fará boa batalha pelas liberdades da coroa e do povo de sua terra nativa. Mas não foi por esses dignos objetivos que Becket tinha aceitado o anel e o báculo. Desde o momento em que tocou em seu crucifixo episcopal, ele tornou-se o vassalo jurado até a morte da Sé Romana, e o inimigo declarado de cada homem e princípio que se opusesse aos interesses da cátedra (cadeira) de São Pedro. E Henrique logo descobriu que seu competente e flexível chanceler, "de quem esperava apoio e vitória, virou-se contra ele com a mais implacável animosidade, e forçou as pretensões de Roma até um ponto que nunca tinham alcançado antes"*.

{*Eighteen Christian Centuries, de White, p. 275.}

A Constituição de Clarendon

Tendo recebido uma resposta afirmativa da hierarquia papal, o rei convocou um grande concílio do reino em Clarendon, um palácio real perto de Salisbúria, para ratificar a concessão. O objetivo do rei era paz. A lei do país tinha sido em todo lugar desafiada pela Igreja, o exercício da justiça foi interrompido, e o país ameaçou entrar em uma guerra civil. O rei tinha as leis e os costumes elaborados na devida forma legal para serem assinados pelos barões leigos e pelos bispos, na esperança de resolver a disputa entre a coroa e a Igreja. Se foi por medo da ira do rei, ou por política, ou por traição, é difícil dizer; mas o arcebispo fez o juramento e assinou as celebrada "Constituição de Clarendon", sendo seguido pelos demais bispos. Assim eles escaparam das mãos do rei e dos barões. Mas está perfeitamente claro que Becket nunca, por nenhum momento, pretendia obedecer às leis que ele tão solenemente selou e jurou manter para a honra do rei. Ele conhecia o remédio para o pior perjúrio. Nenhum momento podia ser perdido: ele fez saber ao papa o que ele tinha relutantemente feito, e dentro de um mês recebeu uma condenação formal das "Constituições", com letras que diziam: "absolvendo-o de todos os compromissos contrários aos cânones, e um mandato a todos os bispos e prelados do reino para que rompam sem escrúpulos quaisquer promessas de natureza semelhante que possam ter assinado."

Poderia haver um perjúrio mais deliberado, ou uma dissimulação mais friamente perpetrada? E isso por alguém que tinha a posição mais alta na Igreja e mais próxima da pessoa de seu mestre real? Dói o coração ao transcrevermos tal ousada e desalentadora perversidade. Certamente, não há maior iniquidade do que aquela que se encobre sob o nome de Jesus e do cristianismo. Tais revelações nos dão as ideias mais dolorosas sobre o espírito maligno do papado. O pior dos crimes, tanto para com Deus quando para com o homem, é justificável se promoverem o poder e a grandeza mundana da Igreja.  Quando, e em que circunstâncias -- podemos perguntar, tendo tais fatos diante de nós -- podia o papista ser de confiança? Somos gratos por não sermos seus juízes, mas Deus há de julgar a humanidade. "Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos." (Atos 17:31)

O arcebispo, que ganhara a confiança e se familiarizara com cada sentimento do coração do rei, manteve o papa plenamente informado de tudo o que se passava entre eles, de modo que ele soubesse bem quando devia alegrar o rei e quando seu zeloso ministro. Mas certamente esta é a mais vil de todas as traições da parte de um servo, e a mais injusta conduta da parte de seu guia espiritual. Mas nenhum homem pode servir a dois mestres. Ele deve ser o traidor de um deles; e assim foi nesse caso, sendo um dos casos de tez mais tenebrosas de que se há registros. Tão logo o primaz colocou seu selo nas "Constituição de Clarendon", o papa Alexandre já tomou conhecimento de que ele não honraria seu compromisso. "O veneno não foi engolido antes que o antídoto estivesse em seus lábios"*.

{*Cathedra Petri, livro 12, vol. 5, p. 219. Veja também um relato completo de toda a disputa em History o Latin Christianity, de Milman, vol. 3, pp. 434-528. O primeiro pode ser considerada a visão constitucional, e o segundo a histórica, dessa longa disputa.}

domingo, 1 de julho de 2018

Tomás A. Becket -- Arcebispo da Cantuária (1162 d.C.)

Cerca de um ano após a morte de Teobaldo, Becket foi nomeado pelo rei arcebispo da Cantuária e primaz de toda a Inglaterra. Antes de sua elevação ao trono, ele fingiu ser totalmente devoto aos interesses de seu mestre real, mas a partir do momento que sua eleição tornou-se conhecida por Alexandre III, e especialmente após sua reunião com ele no Concílio de Tours, todo o seu coração e alma mudaram completamente no que dizia respeito ao seu soberano. Ele retornou de Tours à Cantuária como um vassalo de Roma professo e inflexível, um inimigo de seu rei e das leis de seu país. Tal foi, e é, e sempre será, o espírito do papado. As intenções do rei de limitar o crescente poder da igreja eram bem conhecidas de Becket, que presidira em seu conselho particular. Mas essas intenções tinham de ser combatidas a todo o custo; e assim começou a batalha.

As pretensões da ordem sacerdotal como uma casta separada da humanidade, desde o maior até o menor, tinham se tornado grande causa de perplexidade para o governo civil, e uma grande obstrução a sua administração. A igreja exigiu completa isenção do controle da lei secular. Foi ousadamente mantido que as pessoas e as propriedades do clero deveriam se colocadas além do alcance dos tribunais comuns, de modo que deveriam ser responsáveis apenas pelos seus próprios superiores, e diretamente sujeitos em vida e propriedade aos decretos de Roma. Mas a falta de lei leva à violência, e o resultado dessa agressão papal na Inglaterra foi um terrível aumento da criminalidade, até o perigo iminente da vida e propriedade dos indivíduos. "Por exemplo", diz Greenwood, "foi provado que, desde o início do reinado de Henrique II, nada menos que cem assassinatos tinham sido cometidos por indivíduos pertencentes a ordens com quase absoluta impunidade. Estupro, incêndio criminoso, furto, roubo, foram todos desculpados ou abrigados sob as vestes do sacerdócio ou sob os capuzes dos monges; não existiam penalidades conhecidas pela lei adequadas para a repressão e punição de crimes tão terríveis, e o rei Henrique, com o tempo, foi finalmente levado a tratar da tão significativa questão: 'Se as leis e costumes antigos do reino deveriam ser observados ou não'".

O rei, determinado a trazer uma solução para essas grandes questões,  convocou um parlamento em Westminster e exigiu uma clara resposta a essa questão. A resposta dada pelo clero à questão do rei foi que as antigas leis e costumes do reino deveriam ser observados e mantidos, "sempre afirmando os privilégios de suas ordens". Essa resposta, apesar de terem a aparência de uma evasão, foi na verdade uma recusa. O rei, em estado de grande consternação, interrompeu a assembleia, deixou Londres, e começou a privar Becket de seu poder, e do privilégio e honra de educar seu filho. Os bispos, em alarme, conhecendo o orgulho e poder de Henrique, pediram ao seu primaz que retirasse ou mudasse a resposta ofensiva. Mas ele imediatamente declarou que mesmo se um anjo do céu lhe aconselhasse tal fraqueza, ele o amaldiçoaria. Com o tempo, no entanto, ele cedeu: alguns dizem que foi pela influência do papa Alexandre, pois Henrique ameaçou não pagar o óbolo de São Pedro*. E assim, durante toda a longa discussão, o papa tomou o partido do rei quando precisou do dinheiro, e com Becket quando poderia passar sem isso.

{* Óbolo de São Pedro é o sistema de arrecadação de donativos da Igreja Católica, onde os fieis oferecem ajuda econômica diretamente ao Santo Padre.}

Tomás Becket como Chanceler (1158 d.C.)

Pela afabilidade de suas maneiras, a aparente flexibilidade de sua disposição, a agudeza de seus sentidos, e as atrações de sua pessoa, ele logo ganhou a confiança e as afeições do rei, que fez dele sua constante companhia em todos os seus divertimentos e prazeres; mas foi nos assuntos mais sérios do governo que Henrique derivou grande vantagem a partir da sabedoria e prudência de seu chanceler. Suas habilidades, conta-se, como um cortesão realizado, como um líder militar superior, e como um estadista experiente, eram incomparáveis. Ao leitor dos dias atuais, um eclesiástico que era detentor de vários benefícios clericais, sendo ainda um bravo general militar, soa bastante estranho. Mas assim era o tão afamado "santo". Um de seus biógrafos remarca: "Na expedição feita pelo rei Henrique para afirmar seus direito aos domínios dos condes de Toulouse, Becket apareceu à frente de setecentos cavalheiros que o serviam, e em toda exploração aventureira estava o valente chanceler. Um pouco mais tarde, ele foi convocado a reduzir certos castelos que se erguiam contra seu mestre, e frequentemente distinguia-se pela bravura e proezas pessoais: ele retornou a Henrique na Normandia à frente de 2000 cavaleiros e 4000 cavalariços, criados e mantidos pelas suas próprias despesas". Outro autor observa: "Quem pode contar a carnificina, a desolação, que ele causou à frente de um forte corpo de soldados? Ele atacou castelos, arrasou vilarejos e cidades até o pó, queimou casas e fazendas sem o mínimo de piedade, e nunca demonstrou a menor misericórdia àqueles que se levantassem em revolta contra a autoridade de seu mestre"*.

{*Milman, vol. 3, p. 450.}

Os clérigos graves e sérios, mesmo naqueles dias, sem dúvida lamentariam sobre tais coisas no arquidiácono da Cantuária; mas a prática era comum demais para excitar grande surpresa. A dignidade secular, infelizmente, tinha se tornado o grande objeto de ambição de quase todos os clérigos, de modo que poderiam ser encontrados muitos mais que admiravam a conduta de Becket do que os que o lamentavam. Sua riqueza, magnificência e poder excediam a de todos os seus precedentes. Ele foi rei em tudo, menos no nome. O mundo, conta-se, nunca tinha visto dois amigos tão próximos. Mas assim como a amizade do mundo, ou de dois homens egoístas, ambiciosos e inescrupulosos, essa amizade durou apenas enquanto serviu aos seus interesses. Isto veremos agora, e de um modo que raramente já foi testemunhado.

domingo, 24 de junho de 2018

Tomás Becket e Henrique II

O nascimento e parentesco de Becket são desconhecidos. A obscuridade de sua origem foi provavelmente oculta pelos seus biógrafos. Mas alguns dizem que ele nasceu no ano de 1119. De acordo com Du Pin, ele iniciou seus estudos em Londres e os terminou em Paris, na melhor escola de francês normando.

Pouco depois de seu retorno à Inglaterra, ele foi fortemente recomendado a Teobaldo, arcebispo da Cantuária, que o empregou na administração de seus negócios. Becket estava então na estrada para o favoritismo. Teobaldo, que suspeitava que o jovem rei Henrique estivesse contaminado com a oposição às pretensões de Roma, estava ansioso por colocar perto de si alguém que pudesse contrariar tal perversidade. O sagaz primaz tinha discernido em seu arquidiácono (Becket), não apenas grandes habilidades para os negócios, como também os elementos de um clérigo elevado, determinado e devoto. Através de sua recomendação, Becket foi elevado à dignidade de chanceler. "Ele tornou-se, então, o segundo poder civil do reino, pois seu selo era necessário para assinar todos os mandatos reais. Nem era sem grande influência eclesiástica, pois nas mãos do chanceler estava a nomeação de todos os capelães reais e a custódia dos bispados, abadias e benefícios vagos". Mas, como Tomás Becket nos é ensinado na escola e nos livros de história inglesa* como um santo e um mártir, vamos olhar brevemente para ele, em primeiro lugar, como um homem do mundo.

{* O autor deste livro era inglês.}

A Introdução da Lei Canônica na Inglaterra

Após repetidas tentativas e falhas, da parte do papa, de introduzir um poder legatino* na Inglaterra, isso foi finalmente alcançado durante o reinado de Estêvão, em 1135 d.C. Era algo inteiramente novo no país e extremamente ousado da parte de Roma. Mas como isso diz respeito a uma época distinta e importante na história da igreja inglesa, devemos cuidadosamente tomar nota da mudança. E aqui, para assegurar precisão, citaremos algumas passagens de nosso historiador da área do direito inglês, Tomás Greenwood, livro 12, vol. 5.

{* N. do T.: poder legatino é um poder delegado a uma pessoa por outra, no caso, do papa a um legado. } 

"A publicação e adoção dos decretos isidorianos mudou a ordem e distribuição dos poderes eclesiásticos. Toda função de administração eclesiástica tornou-se investida no clero, ou, o que era a mesma coisa, no papa de Roma como seu chefe supremo. A autoridade do Estado em todos os assuntos dos eclesiásticos, mesmo que remotamente conectados com a vida e costumes, seculares e espirituais, foi veementemente denunciado e repelido: as posses deles foram pronunciados como sagrados e inalienáveis; seus deveres não se submetiam a qualquer censura além daquelas de seus oficiais superiores, e tornaram-se isentos da jurisdição ou punição secular; toda interferência por parte do príncipe ou pessoa secular na nomeação de bispos, sacerdotes ou incumbentes espirituais, foi declarada como sendo de natureza de simonia. Embora esses princípios da legislação da igreja tenham sido cumpridos em poucos exemplos de maneira plena e prática, eles foram recebidos sem contradição, e parcialmente adotados pelo clero da França, da Itália e da Alemanha. Na Normandia, uma completa separação entre a jurisdição secular e eclesiástica já tinha acontecido. Na Inglaterra, no entanto, até então os únicos cânons conhecidos pelo clero ou pelos leigos eram aqueles pronunciados pela própria igreja nacional, com o consentimento e concordância do soberano... Os esforços dos bispos romanizadores da Inglaterra, após a conquista, foram constantemente voltados em direção à introdução dos mais importantes artigos do código isidoriano; mais especialmente no que diz respeito à emancipação da propriedade e dotes da igreja de sua dependência da coroa ou da ordenança secular, e das pessoas e causas de oficiais da interferência dos juízes do rei..."

"As primeiras ordenanças de Guilherme, o Conquistador, para a separação dos tribunais eclesiásticos dos tribunais leigos nunca foram realizados até o ponto de isentar os eclesiásticos da responsabilidade perante a lei. Mas é também verdade que ambos o Conquistador e seus sucessores, até João, esforçaram-se em manter um meio termo entre o canonismo e a prerrogativa do rei. Em sua prontidão em estar sempre bem com a corte de Roma, eles frequentemente tomavam passos que colocavam em perigo sua segurança, mas certamente nunca mudavam de sua base antiga, da lei da terra, ou dos direitos da coroa. Na amarga disputa entre o arcebispo Anselmo da Cantuária e Henrique I, este manteve seu direito de determinar quais dos dois rivais pretendentes ao papado o clero de seus domínios deveria reconhecer. E quando Anselmo, sem o consentimento do rei, insistiu na transferência de sua lealdade espiritual para Urbano II, em preferência ao seu rival Clemente III, Henrique, sem rodeios, o informou de que 'ele não conhecia qualquer lei ou costume que tratasse, sem a licença do rei, de estabelecer um papa próprio sobre o reino da Inglaterra; e que qualquer homem que presumisse tirar de suas mãos a decisão quanto a essa questão teria o mesmo direito de tomar a coroa de sua cabeça!'..."

"A disputa entre Henrique e Anselmo foi longa e obstinada. O bispo fugiu para Roma; o rei confiscou os poderes seculares de sua Sé. Enquanto a disputa estava ainda indecidida, um oficial papal apareceu na costa do país anunciando-se como o legado da corte de Roma, sobre quem foi confiado o poder  legatino vindo do papa sobre toda a Inglaterra. Mas o rei tomou como prerrogativa especial de sua coroa aceitar ou rejeitar ao seu bel-prazer tais interferências, considerando ser nada mais do que a tentativa do governo eclesiástico por parte de um príncipe estrangeiro; e o legado foi, então, mandado embora sem ter sido admitido na presença do rei. Cerca de quinze anos depois, o mesmo papa fez uma segunda tentativa de introduzir um legado extraordinário no reino, mas sem melhor sucesso... Uma terceira tentativa do mesmo pontífice foi igualmente mal sucedida. Foi, de fato, nessa época, que ficou muito bem entendido que a lei e o costume da Inglaterra repudiava a comissão legativa como uma interferência ilegal no curso normal do governo eclesiástico, que a lei comum tinha colocado sob a superintendência do soberano."

Mas após a morte do sábio e capaz Henrique I, em 1135, o astuto e perseverante papa -- Alexandre III -- foi mais bem sucedido. No reinado de Estêvão, um monarca fraco, um legado de Roma conseguiu entrar na ilha da Inglaterra. Os clérigos anglicanos compreenderam totalmente a tendência do movimento, e um sínodo realizado em Londres protestou, na presença do legado, contra a presunção de um padre estrangeiro na tomada da cadeira presidencial sobre os arcebispos, bispos, abades, e sobre toda a nobreza de todo o reino da Inglaterra. O protesto, no entanto, permaneceu sem efeito. Um espírito tímido e que se desenvolveria com o tempo estava formigando no coração da igreja anglicana. A ignorância prevalecente da massa de pessoas, o caráter secular do clero, o estado miserável de todo o país durante o reinado de Estêvão, tudo isso favoreceu as sistemáticas invasões do partido romanizador sobre a prerrogativa da coroa e as liberdades da igreja nacional. Os bispos anglo-normandos, na época, eram barões em vez de clérigos, seus palácios eram castelos, seus vassalos pegavam em armas: quase todos usavam armas, se misturavam na guerra, e se entregavam a todas as crueldades e exações da guerra. Tal era o clero da Inglaterra quando Henrique II subiu ao trono em 1154. A oposição de Becket a esse rico e poderoso rei lança uma luz mais clara sobre a ambição secular de Roma do que qualquer dos conflitos que já recordamos. 

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