domingo, 9 de abril de 2017

A Ignorância e Credulidade da Época

Tão profunda era a ignorância e credulidade daqueles tempos que as mais absurdas fábulas eram recebidas com grande reverência por todas as classes. Os astutos padres sabiam como vestir suas fraudes religiosas com a mais especiosa piedade, e como cegar tanto o rei como o povo. De acordo com a lenda, Constantino foi curado da lepra pelo papa Silvestre; e assim, o imperador, repleto de gratidão, renunciou, em favor do papa, a livre e perpétua soberania de Roma, da Itália, e das províncias do Ocidente; e resolver fundar uma nova capital para si mesmo no Oriente [Constantinopla].

O objetivo de Adriano em forjar tal escritura, e em escrever tal carta, foi, sem dúvida, influenciar Carlos Magno para que imitasse a alegada liberalidade de seu grande predecessor. Se ele meramente desse ao papa a posse da dita doação de Constantino, ele estaria apenas agindo como o executor da escritura; se ele aspirasse ser um benfeitor espontâneo da igreja, ele deveria ir além dos limites da escritura de doação original. Mas ainda não sondamos as profundezas dessa falsificação. Ela serviu para provar que: (1) os imperadores gregos, por todos esses séculos, eram culpados de usurpação e de roubar o patrimônio de São Pedro; (2) que era justificável que os papas se apropriassem de seu território e se rebelassem contra a autoridade imperial; (3) que as doações de Pepino e Carlos Magno eram nada mais que a restituição de uma pequena porção dos justos e legítimos domínios originalmente concedidos à cadeira de São Pedro; e (4) que ele, Carlos Magno, deveria considerar-se como devedor de Deus e de Sua igreja enquanto um único item dessa dívida inalienável permanecesse sem ser paga.

Tais eram alguns dos convenientes efeitos do documento para os propósitos de Adriano na época; mas, embora possa ter sido produtivo de grandes vantagens ao papado, tanto então como depois, a falsificação há muito foi exposta. Com a restauração das cartas e da liberdade, a escritura fictícia foi condenada, assim como seus Falsos Decretos -- a mais audaciosa e elaborada de todas as fraudes religiosas. Falando nos Decretos, Milman observa: "Eles são então abandonados por todos; nenhuma voz é erguida em seu favor; o máximo que é feito por aqueles que não podem suprimir todos os lamentos por sua exposição é aliviar a culpa do falsificador, questionar ou enfraquecer a influência que eles tiveram em seus próprios dias e por toda a história posterior do cristianismo."*

{* Milman, vol. 2, p. 375; Greenwood, livro 6, capítulo 3, p. 82.}

A Falsificação Papal

Mas a bondade de Carlos Magno apenas excitou a avareza e inveja dos gananciosos padres. Não contentes com suas propriedades e dízimos, eles aspiravam por uma posição muito superior à dos senhores leigos, e até mesmo superior à do próprio monarca. Estimulados por sucessos passados, eles então tentaram, por uma ousada falsificação, alcançar o objetivo de sua ambição secular. Um título de propriedade de poder quase imperial é então, pela primeira vez, após um período de 450 anos, trazido à luz. Por esse ato original de doação foi descoberto que tudo o que Pepino ou Carlos Magno tinham conferido à igreja de Roma não passava de uma parte da doação real para a cadeira de São Pedro feita pelo "piedoso imperador Constantino".

Como nosso principal objetivo através desse período da história da igreja é apresentar o verdadeiro caráter do sistema papal, os meios pelos quais ele alcançou sua incrível influência e poder, e os efeitos secularizantes da aliança da igreja com o Estado, copiamos, de Greenwood, a própria carta do papa. O leitor, sem dúvida, ficará surpreso em ver que qualquer homem com a menor pretensão possível de respeitabilidade -- ainda mais o "chefe da igreja" -- pudesse jamais ter fabricado tal documento, e isso somente para ganhar mais território e poder. Mas devemos nos lembrar que Tiatira era caracterizada pelas "profundezas de Satanás" (Ap 2:24), e assim tem sido o papado desde seu primeiro fôlego, e assim deve ser até que dê o seu último suspiro. Apocalipse 17 e 18 descrevem seu caráter e seu fim.

"Considerando", diz o papa Adriano, "que nos dias do bendito pontífice Silvestre, aquele tão piedoso imperador [Constantino], por sua doação, exaltou e ampliou a santa igreja católica e apostólica de Roma, dando a ela seu supremo poder sobre toda a região do Ocidente, assim agora vos suplicamos que, neste nosso mesmo feliz dia, a mesma santa igreja possa brotar e exultar, e ser cada vez mais e mais exaltada, de modo que todos os povos que dela ouvirem exclamem: 'Deus salve o rei, e nos ouça no dia em que te invocarmos!'. Pois eis que naqueles dias ergueu-se Constantino, o imperador cristão, por quem Deus concedeu todas as coisas a Sua santíssima igreja, a igreja do bendito Pedro, príncipe dos apóstolos. Tudo isso, e muitos outros territórios que imperadores, patrícios e outras pessoas tementes a Deus deram ao bendito Pedro e à santa igreja de Deus apostólica de Roma, para o benefício de suas almas e para o perdão de seus pecados, nas regiões da Toscana, Espoleto, Benevento, Córsega e Savona -- territórios que foram tomados e mantidos pelas ímpias nações dos lombardos -- que tudo isso nos seja restaurado nestes nossos dias, de acordo com o teor de tuas várias escrituras de doação depositadas em nossos arquivos, em Latrão. Com este fim, ordenamos a nossos enviados para que te mostrem tais escrituras, para tua satisfação, e em virtude delas, agora te rogamos que ordenes a restituição ininterrupta desse patrimônio de São Pedro que está em tuas mãos; que para tua conformidade nisto com a santa igreja de Deus, possa ser colocada em plena posse e gozo de seu inteiro direito; de modo que o próprio príncipe dos apóstolos possa interceder perante o trono do Todo-Poderoso por uma longa vida para ti, e prosperidade em todas as tuas obras."

Reflexões sobre o Cuidado do Senhor para com os Seus

O Senhor tinha, sem dúvida, muitos que eram Seus, ocultos aos olhos da história, mesmo nos tempos mais sombrios, como em Tiatira: "Mas eu vos digo a vós, e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei. Mas o que tendes, retende-o até que eu venha" (Ap 2:24-25). Uma coisa, e apenas uma, deveria ocupar os fiéis depois que a apostasia se estabelecesse -- o Salvador exaltado, o Homem na glória. E a todos esses a doce promessa é: "E dar-lhe-ei a estrela da manhã" (Ap 2:28). Mas a igreja meramente professa, como aliada do Estado, foi corrompida até o cerne, e afundou, e cegou-se, e endureceu na mais incansável perversidade, de modo que a concentração de toda a forma de mal podia ser encontrada na cadeira de São Pedro. Mesmo em relação às guerras religiosas, o próprio Carlos Magno parece inocente comparado ao papa Adriano.

Devemos nos lembrar que Carlos era um rei bárbaro, apesar de ser, talvez, o maior da história europeia, com a exceção de Alexandre e César, e assim podemos entender seu objetivo em buscar unir e consolidar um grande império. Mas ele era ignorante e supersticioso quanto às coisas divinas, embora o elemento religioso fosse forte em sua mente. Aproveitando-se disso, o papa agiu e levou-o a crer que uma igreja forte e rica faria um Estado forte e rico, e que para que agradasse aos céus e ganhasse a vida eterna, a harmoniosa união da igreja com o Estado deveria ser a base de todos os seus esquemas governamentais. Ele, pessoalmente, amava Adriano, prontamente obedecia ao seu chamado, cedia a seus conselhos, e chorou quando ouviu de sua morte, que aconteceu em 26 de dezembro de 795, após o incomum longo pontificado de mais de 23 anos. Ele podia, às vezes, enxergar o verdadeiro objetivo do papa sob seus grandes artifícios, mas, convicto de seu próprio poder autossuficiente, ele conseguia permitir que tais coisas passassem sem aqueles sentimentos de desconfiança e ciúme que teriam se engendrado em uma mente mais fraca. Não dado a mudanças, ele fez um bom amigo.

O Sistema Hierárquico Feudal

Por séculos, o clamor papal para cada monarca sucessor foi: "Dê, dê; doe, doe; e o bendito Pedro certamente te enviará vitória sobre teus inimigos, prosperidade neste mundo, e um lugar perto dele mesmo no céu". Esse clamor foi, em grande medida, respondido no início do século IX. Os extratos acima dão ao leitor alguma ideia dos espólios que o clero recebia das vitórias de Carlos na Alemanha. Foi principalmente a partir desses 33 anos de guerra sanguinolenta que o grande sistema hierárquico feudal surgiu. Inúmeros milhares foram mortos para dar espaço aos bispos e abades -- uma aristocracia eclesiástica. Ergueram-se palácios principescos para esses grandes eclesiásticos sobre toda a terra conquistada: mas seus fundamentos foram colocados sobre a crueldade, a injustiça e o sangue.

Embora mais de mil anos terem passado desde que o grande patrono da igreja morreu, os palácios ainda existem e são abundantes por toda a Europa. Mas o coração adoece ao pensar sobre a origem desses assim declarados "palácios da paz", especialmente se tivermos em mente o verdadeiro caráter do evangelho, e que os ministros de Cristo devem sempre buscar manifestar o espírito do manso e humilde Jesus. As almas dos homens, e não as propriedades, deveriam ser o objetivo. "Não busco o que é vosso, mas sim a vós" (2 Coríntios 12:14), este deveria ser o lema deles; indo adiante, "nada tomando dos gentios" (3 João 1:7). Mas o exemplo de Cristo já tinha sido, há muito tempo, esquecido. A igreja afundou a um nível e um espírito do mundo quando foi unida por Constantino ao Estado. Essa foi sua grande queda, da qual flui sua dolorosa inconsistência. O amor ao mundo, ao poder absoluto, ao domínio universal, tomou, então, posse de todo o seu ser. Enganada por Satanás, em cujo trono (Ap. 2) ela se assenta, a iniquidade desavergonhada de seu curso só pode ser explicada por causa de seu poder cegante. Todos os meios, à sua vista, tinham como justificativa seu objetivo de avanço da Sé Romana.

domingo, 2 de abril de 2017

A Influência Maligna dos Missionários do Papa

É triste refletir sobre a terrível matança dos saxões, e o batismo forçado do indefeso remanescente; mas nossa tristeza é infinitamente aumentada quando descobrimos que os professos mensageiros da misericórdia foram os grandes impulsionadores dessas longas e exterminadoras guerras. No lugar de serem missionários do evangelho da paz, eles eram, na realidade, os cruéis emissários do papado -- do poder das trevas: Carlos Magno era, sem dúvida, em grande parte enganado e instigado pelos padres.

Sob o objetivo declarado de cimentar a união entre a igreja e o Estado, para o benefício secular e espiritual da humanidade, e para a força duradoura do governo imperial, os astutos sacerdotes viram o caminho se abrindo para sua própria grandeza secular e para a mais absoluta soberania de Roma. E assim aconteceu, como toda a história afirma. Eles logo ganharam uma posição de grandeza mundana sobre o povo conquistado e suas terras. Uma mudança completa acontece, precisamente nesse momento, na condição externa do clero, e, de fato, na sociedade em geral. A história antiga desaparece, como nos é contado, na morte de Pepino, e tem início a vida medieval. Uma nova condição de sociedade é inaugurada por seu filho -- o último dos reis bárbaros e o primeiro dos monarcas feudais. Mas é na história eclesiástica que estamos interessados, e aqui, novamente, preferimos fornecer alguns extratos do decano Milman -- a quem tantas vezes nos referimos -- que não pode ser acusado de severidade desnecessária, mas cujo testemunho é da mais alta integridade.

"A subjugação da terra pareceu estar completa antes que Carlos Magno fundasse, sucessivamente, suas grandes colônias religiosas, os oito bispados de Minden, Seligenstadt, Verden, Bremen, Munster, Hildesheim, Osnaburg e Paderborn. Estes, como muitos monastérios ricamente dotados como Hersfuld, tornaram-se os centros separados dos quais o cristianismo e a civilização se espalhou em círculos cada vez maiores. Mas, embora fossem assentamentos militares assim como religiosos, os eclesiásticos eram os únicos estrangeiros. Os mais fiéis e confiáveis chefes saxões, que deram a segurança de aparente sincera conversão ao cristianismo, foram promovidos a condes: assim, a profissão do cristianismo era o único teste de fidelidade...

"Carlos Magno, na história cristã, tem um papel ainda mais importante do que apenas na subjugação da Germânia ao evangelho, por causa de sua completa organização, se não fundação, da alta hierarquia feudal em grande parte da Europa. Por todo o império ocidental, pode-se dizer, foi constitucionalmente estabelecida essa dupla aristocracia, eclesiástica e civil. Em todos os lugares, o alto clero e os nobres, e através das diferentes gradações da sociedade, mesmo os da mesma classe, estavam sujeitos aos mesmos deveres, e eram iguais, em alguns casos de coordenação, em autoridade. Cada distrito tinha seu bispo e seu conde; as dioceses e os condados possuíam, na maioria das vezes, a mesma extensão...

"O próprio Carlos Magno era não menos pródigo (liberal) do que os reis mais fracos no que diz respeito a imunidades e concessões dadas às igrejas e monastérios. Com sua rainha Hildegard, ele doou, à igreja de São Martinho, em Tours, terras na Itália. Suas concessões a São Denis, a Lorch, a Fulda, a Prum, mais particularmente a Hersfuld, e a muitas abadias italianas, aparecem entre os atos de seu reinado.

"Essas propriedades nem sempre eram obtidas do rei ou dos nobres. Os servos dos pobres eram, muitas vezes, os saqueadores dos pobres. Mesmo sob Carlos Magno há reclamações contra a usurpação de propriedades pelos bispos e abades, assim como contra condes e leigos. Eles obrigavam o homem livre pobre a vender sua propriedade, ou o forçava a servir no exército em permanente dever, para, assim, deixar suas terras sem dono, com todas as chances de que não pudesse retornar, ou entregues à custódia daqueles que permaneceram em casa em silêncio; dessa forma, os sacerdotes aproveitavam cada oportunidade para tomar posse delas. Nenhuma vinha de Nabote escapava da vigilante avareza deles.

"Em seus feudos, o bispo ou abade exercia todos os direitos de um chefe feudal... Assim, a hierarquia, então uma instituição feudal, paralela e coordenada com a aristocracia secular feudal, aspirava desfrutar, e já a algum tempo desfrutava, da dignidade, riqueza e poder dos senhores suseranos. Bispos e abades tinham a independência e os privilégios sobre os feudos inalienáveis; e, ao mesmo tempo, começaram, quer hostilmente contestar, quer arrogantemente recusar, os pagamentos ou reconhecimentos da vassalagem, que muitas vezes pesavam sobre outras terras. Durante o reinado de Carlos Magno essa teoria da imunidade espiritual adormeceu, ou melhor, não tinha ainda tomado vida. No entanto, no conflito com seu filho, Luís, o Piedoso, ela foi corajosamente anunciada e seu crescimento foi rápido. Foi, então, afirmado pela hierarquia, que toda propriedade dada à igreja, aos pobres, aos santos, e ao Próprio Deus -- tais eram as frases especiosas -- era dada absoluta e irrevogavelmente, sem reservas. O rei podia ter poder sobre os honorários dos cavaleiros; mas sobre a igreja, ele não tinha poder nenhum. Tais reivindicações seriam consideradas ímpias, sacrílegas, e implicavam na perda da vida eterna. O clero e suas propriedades pertenciam a outro reino, a outra comunidade. Eles eram inteira e absolutamente independentes do poder civil."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 286}

A Espada de Carlos Magno ou o Batismo

O objetivo professo de Carlos Magno era estabelecer o cristianismo nas partes remotas da Germânia, mas deve-se sempre lembrar que ele usou de meios muito violentos para cumprir seu fim. Milhares foram forçados às águas do batismo para escapar de uma morte cruel. "A espada ou o batismo" eram os termos usados pelo conquistador. Foi promulgada uma lei que estabelecia a pena de morte contra a recusa do batismo. Ele não podia oferecer condições de paz, nem entrar em qualquer tratado, no qual o batismo não fosse a principal condição. A conversão ou o extermínio foi a palavra de ordem dos francos. E, embora a antiga religião pudesse não estar tão arraigada na consciência do saxão, ele não podia ver nada melhor na nova; pois, para sua mente, o batismo estava identificado à escravidão e o cristianismo à submissão a um jugo estrangeiro. Submeter-se ao batismo era renunciar, não apenas à sua antiga religião, mas à sua liberdade pessoal.

Com tais sentimentos anticristãos e desumanos, a guerra seguiu em frente, como já mencionamos, por 33 anos. À frente de seus exércitos superiores, Carlos Magno oprimiu as tribos selvagens, que eram incapazes de confederar-se para sua segurança comum; conta-se que ele nem mesmo encontrou um adversário igual em números, em disciplina ou em armas. Mas, após uma luta de derramamento de sangue incalculável, e de quase sem igual obstinação e duração, os números, a disciplina e o valor dos francos prevaleceu com o tempo sobre os indisciplinados e desconsiderados esforços dos saxões. "O remanescente de trinta campanhas de indistinta matança", diz Greenwood, "e generalizada expatriação aceitou o batismo e tornou-se permanentemente incorporado ao império dos francos e ao cristianismo. Abadias, monastérios e casas religiosas de todos os tipos se espalharam por toda as partes do território conquistado, e as novas igrejas* eram supridas por ministros da escola de Bonifácio -- uma escola que não admitia qualquer distinção entre a lei de Cristo e a lei de Roma."

{* N. do T.: Aqui no sentido de edifícios religiosos, e não no sentido bíblico do corpo de Cristo ou de uma assembleia reunida somente ao nome de Cristo.}

O batismo era a única segurança e garantia de paz que os francos aceitariam pela submissão dos saxões. E assim foi -- e quão triste e humilhante é essa relação! -- quando a conquista foi concluída, e finda a carnificina, que os padres entraram em campo. O ofício deles era batizar os vencidos. Milhares dos bárbaros foram, assim, forçados, na ponta da espada, ao que os padres chamavam de águas regeneradoras do batismo. Mas, para os saxões, o batismo significava nem mais nem menos do que a renúncia à sua religião e sua liberdade. A consequência foi que, assim que os exércitos de Carlos se retiraram, os infatigáveis saxões voltaram a se erguer, atravessando os imponentes limites do império e devastando tudo por onde passavam. Em sua fúria ardente e amarga vingança eles cortaram cruzes, queimaram "igrejas", destruíram monastérios, mataram seus prisioneiros, sem respeitar idade nem sexo, até que todo o país pareceu estar envolvido em chamas e inundado de sangue. Dizem que tais revoltas eram muitas vezes provocadas pela linguagem insolente, e ainda mais pelo comportamento ofensivo dos monges missionários, e pela severa avareza com a qual exigiam seus dízimos. Mas tais explosões da parte dos saxões eram seguidas por uma nova invasão e matança implacável pelos francos, até que tribo após tribo cedeu aos braços conquistadores de Carlos Magno. Em uma ocasião, após uma severa revolta, Carlos massacrou,  a sangue frio, 4500 guerreiros valentes que tinham se rendido. Esse cruel e covarde abuso de poder deixou uma mancha escura e indelével em sua história, que nenhuma desculpa pode jamais remover. Mesmo o historiador cético alude a ela de forma muito verdadeira e tocante. "Em um dia de igual retribuição", diz ele, "os filhos de seu irmão Carlomano, o príncipe merovíngio de Aquitânia, e os 4500 saxões que foram decapitados no mesmo local, terão algo a alegar contra a justiça e humanidade de Carlos Magno. Seu tratamento para com os vencidos saxões foi um abuso do direito de conquista".

A Grande Época nos Anais do Papado

Como o império de Carlos Magno possui, de um modo peculiar, conexão com a história da igreja, e forma uma grande época nos anais da Sé Romana, ele exige uma consideração mais completa. O catolicismo romano quase devia tanto ao grande príncipe quanto o islamismo devia ao grande profeta árabe (Maomé) e seus sucessores. "As guerras saxônicas de Carlos Magno", diz Milman, "que acrescentou quase toda a Germânia (atual Alemanha) aos seus domínios, eram declaradamente guerras religiosas. Se Bonifácio era o "apóstolo" cristão, Carlos Magno era o "apóstolo" maometano [N. do T.: no sentido de que agia como Maomé na conquista dos povos pela violência] do evangelho. O objetivo declarado de suas invasões era a extinção do paganismo, a sujeição à fé cristã, ou o extermínio. O batismo era o sinal de subjugação e fidelidade, e os saxões o aceitavam ou rejeitavam, de acordo com o estado de submissão ou revolta em que se encontravam. Essas guerras eram inevitáveis; eram nada mais que a continuação da grande luta travada, por séculos, entre os bárbaros do Norte e do Oriente contra os civilizados do Sul e do Ocidente. A diferença é que, agora, a população romana e cristã, revigorada pela grande infusão de sangue teutônico, em vez de esperar pela agressão, tinha se tornado a agressora. A maré de conquista se invertia; os súditos dos reinos ocidentais, do império ocidental, em vez de esperarem para ver suas casas invadidas por hordas de invasores ferozes, agora ousadamente marchavam ao coração do país de seus inimigos, penetravam em suas florestas, cruzavam seus pântanos, e plantavam suas cortes feudais de justiça, suas igrejas e seus monastérios nas regiões mais remotas e selvagens, desde o Elba até as margens do Báltico."

Os saxões estavam divididos em três tribos principais: os ostefalianos, os vestefalianos e os angarianos. Cada clã, de acordo com o antigo uso teutônico, consistia em nobres, homens livres e escravos; mas, às vezes, a nação inteira se encontrava em uma grande convenção armada. Os saxões desprezavam e detestavam os francos romanizados, e os francos consideravam os saxões bárbaros e pagãos. Durante 33 anos, o poderoso Carlos empenhou-se em subjugar essas hordas selvagens de saxões. "A área do país habitada por essas tribos", diz Greenwood, "compreendia a totalidade do que é conhecido como o círculo moderno da Vestfália, e a maior porção da Baixa Saxônia, estendida do rio Lippe até o Weser e o Elba; limitada ao norte pelas tribos aparentadas, os jutos, os anglos e os danos; e ao leste de origem eslava, que tinha gradualmente avançado sobre as mais antigas raças teutônicas da Germânia Oriental". Mas devemos nos limitar principalmente ao aspecto religioso dessas guerras; ainda assim, é interessante, neste momento, estudar esses registros antigos, uma vez que acabamos de testemunhar a conclusão da grande guerra franco prussiana de 1870-71 {* N. do T., este livro foi escrito no século XIX} entre os descendentes dos francos e dos germanos da antiguidade.

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